Análise – A Plague Tale: Innocence
Tido como uma das minhas maiores surpresas dos últimos meses, finalmente posso falar mais sobre A Plague Tale: Innocence. Depois da introdução feita pelo acesso antecipado, estava mesmo entusiasmado por concluir a história de Amicia e Hugo.
E isto diz muito sobre a construção de personagens deste enredo. A empatia é um trunfo muito usado no mundo dos videojogos. Para que funcione e realmente queiramos saber das personagens, porém, é essencial que se construa uma narrativa sólida e que nos entusiasme. Neste título, o Asobo Studio usa pequenos truques e algum engenho para que não nos foquemos tanto na sua jogabilidade limitada ou na sua simplicidade de conceito. São os protagonistas que nos impelem a prosseguir e desvendar o que a história trará. Não é um jogo longo, com umas 15 horas totais se levarem o vosso tempo em cada secção. Também não é um jogo complexo de seguir, embora não tente facilitar demasiado, com poucas ajudas e muito convite à intuição. No fundo, o foco está na narrativa.
Amicia e Hugo teriam uma vida particularmente confortável numa França medieval no ano de 1349. Herdeiros de uma família nobre e dedicada, os De Rune, começamos a história por acompanhar Amicia e o seu Pai numa alegre caçada pela floresta. A dada altura, uma ameaça grotesca assusta os De Rune, no que mais tarde ficamos a saber ser a Peste Negra, na forma de vorazes e assustadores ratos. Contudo, ao regressar ao castelo, uma outra ameaça surge, desta feita ainda mais letal. A Inquisição está a assassinar todos em busca do pequeno Hugo De Rune que, aparentemente, esconde um grande segredo. Amicia consegue fugir com o seu irmão, auxiliados pela mãe, mas o preço a pagar, como irão constatar, será demasiado elevado.
O que se segue nesta história, é uma autêntica saga dos dois irmãos de fugirem a dois tipos de monstros: os ratos, portadores da peste e extremamente esfomeados e os humanos, quer sejam os implacáveis soldados da Inquisição, sejam os demais ignorantes que acreditam que os dois jovens são uma ameaça. Não posso revelar como, mas Hugo tem em si um segredo realmente preocupante. Ao mesmo tempo, é só um pequeno rapaz que se vê no meio de uma enorme batalha pela sobrevivência. E Amicia, a protagonista, tem de o orientar, proteger e encorajar. Pelo meio, há a sua relação de irmãos para se cultivar. Talvez varie de pessoa em pessoa mas achei que esta relação dos dois é das melhores construções de personagem que vi em jogos recentes.
A acção do jogo, portanto, tem um misto de fuga, sobrevivência e engenho para ultrapassar as várias ameaças. De um modo simplista, o jogo divide-se em dois tipos de acção. Uma, em que o jogo se foca mais, envolve usar o fogo ou a luz para repelir os ratos. Basicamente, seja em locais sombrios ou à noite, teremos de usar tochas ou fogueiras para afastar os ratos que se movem em massas gigantes e velozes. Não temos nenhuma arma propriamente eficaz contra estes roedores, excepto o nosso engenho de os distrair ou repelir. Estas secções, como nas demais que já irei falar, são enormes puzzles, relativamente simples e intuitivos. Há alguns mais exigentes que nos obrigam a timings perfeitos mas, embora não tenhamos muitas ajudas para orientação, não considerei nenhuma secção particularmente complicada.
Nestas secções há sempre um número suficiente de rataria para encher o chão e paredes destes roedores vorazes. Movem-se como uma massa disforme e, quem sabe o pior elemento da sua aparição, emitem um som absolutamente estridente e horripilante (além de irritante). Cada corpo (ou pernil pendurado) que consigam apanhar, devoram sem piedade. Têm também a tendência chata de aparecer nas piores ocasiões, muitas vezes emergindo do chão. E quando a acção com humanos se mistura com a dos ratos, temos algumas secções bastante desafiantes.
O outro tipo de acção envolve confrontar seres humanos. Aqui, teremos diversas secções de movimentação furtiva, em que teremos de usar paredes ou vegetação alta para escapulir sem sermos detectados. Por vezes, é necessário usar distracções para atrair os incautos para outro lado, abrindo-nos uma trajectória de fuga. Por vezes, temos de nos separar de Hugo para determinadas tarefas específicas. Contudo, não o devem abandonar por muito tempo ou começa a entrar em pânico. E cada falha nossa tem um peso absolutamente aterrador. Isto porque o jogo nos mata impiedosamente. Lembro-me desta realidade noutros jogos, por exemplo no recente reboot de Tomb Raider em que Lara morre das formas mais grotescas ao mínimo deslize da nossa parte. É uma jogada emocional.
Há também alguns poucos momentos de real combate directo com os tais humanos. Amicia tem na sua posse uma funda que usa com alguma mestria e serve de elemento de distracção mas, sobretudo, de ataque. Na verdade, trata-se de uma potente arma que consegue mesmo matar inimigos com um só arremesso, qual David e Golias. E, em algumas áreas, vamos mesmo usar como se fosse uma arma-de-fogo. Numa das secções que encontramos logo nas primeiras horas, temos uma espécie de boss, fortemente protegido e em que temos de usar a funda para remover peças de armadura. Uma vez tiradas, porém, um só arremesso perfeito na cabeça e o meliante é derrotado. Tudo, claro, para terror de Amicia, uma homicida de 15 anos. Mas, hey, legítima defesa, certo?
O resto da nossa interacção envolve explorar os mapas, sobretudo a procurar soluções dos puzzles ou a encontrar ingredientes para crafting de itens e evolução da personagem. Esta evolução é relativamente simples e acessória, permitindo, entre outras coisas, melhorar a funda ou aumentar o inventário de Amicia. Lá para a frente, teremos também secções em que jogamos com outras personagens, tendo alguns puzzles uma solução que envolve comandarmos esses elementos para executar algumas tarefas (mexer manivelas, arrombar fechaduras, etc). Gostei particularmente desta mudança de passada, porque realmente criou uma interessante (e bem vinda) diversidade antes que a repetição se instalasse.
Devo dizer que, tal como no acesso antecipado, fiquei bastante impressionado com direcção artística deste título. No acesso antecipado, apenas pude chegar ao capítulo III que, embora me impressionasse pela recriação de uma França Medieval devastada pela Peste Negra, apenas me deu uma pequena porção do que o jogo traria. Mais lá para a frente, encontrarão locais muito bem decorados, tanto de forma francamente elegante e bonita, como terrível e grotesca. Desde as verdejantes florestas cheias de vida, até um gigante campo de batalha cheio de cadáveres, resultado de uma das batalhas entre Ingleses e Franceses, no âmbito da infame Guerra dos Cem Anos, o contraste é constante e serve de elemento motivador nas constantes mudanças de ritmo e de estado de espírito.
Por outro lado, a produção teve aqui um trabalho muito complicado de criar todos estes elementos técnicos com a qualidade exigida, sem comprometer a performance. A quantidade de ratos no ecrã, por exemplo, chega a ser demente. A qualidade dos modelos e dos objectos modelados está ao nível de grandes produções neste meio. Ainda assim, a versão que joguei no PC com preset Ultra nunca se ressentiu da quantidade de elementos e de efeitos visuais. De facto, a qualidade de texturas e efeitos visuais, sobretudo no que toca à iluminação, dá-nos incríveis cenas de uma qualidade impressionante. Um feito, quanto a mim. Sobretudo tratando-se do primeiro título de produção interna deste estúdio.
Mas, ainda há espaço para melhorar, Asobo. O sincronismo de lábios não funciona muito bem, o que é profundamente lamentável dada a excelente prestação dos actores que emprestam a voz às personagens. Também se torna bastante óbvia a repetição de objectos e de peças de cenário ao fim de uma horas. Não vou falar em “copy-paste” mas, a bem de um padrão de qualidade patente em todo o jogo, era importante não repetir tantas vezes a mesma disposição de interiores ou posição de objectos. Noutro lado, também tive algumas dificuldades com alguns checkpoints mal posicionados que, infelizmente me obrigaram a reiniciar dois níveis. Felizmente, os carregamentos de nível até são rápidos.
Veredicto
Tal como já tinha previsto, A Plague Tale: Innocence é um jogo surpreendentemente cativante. Consegue criar uma empatia sólida pelos protagonistas, fruto da história interessante e de uma excelente prestação dos actores. Gostava apenas de ter mais poder de intervenção nos eventos mas o enredo bem construído compensa a sua linearidade. Tem também uma jogabilidade simples e fácil de aprender, ainda assim dando um pouco de desafio quanto-baste. Sofre de uns pequenos problemas técnicos, é certo, mas tomara que todos os primeiros jogos de um estúdio tivessem esta qualidade.
- ProdutoraAsobo Studio
- EditoraFocus Home Interactive
- Lançamento14 de Maio 2019
- PlataformasPC, PS4, Xbox One
- GéneroAventura, Puzzle
Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.
Mais sobre a nossa pontuação- A relação dos dois irmãos
- A qualidade geral a nível visual
- A simplicidade da jogabilidade
- Os ratos
- Sincronismo de lábios falível
- Alguns checkpoints mal posicionados
- Alguma falta de ajuda no início
Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.