Análise – After Us
Há um género muito peculiar de jogo que não pretende fazer mais nada que implantar em nós uma mensagem forte, geralmente pungente e emocional contada de forma elegante. After Us é um bom exemplo desta intenção.
Para quem não conhece, o Piccolo Studio é sediado em Barcelona, Espanha. Entre os três fundadores, somam-se 23 anos de experiência neste meio, com dois jogos apenas em carteira. Contudo, onde falta portfólio, compensa-se pela notória vontade de criar peças de arte visual únicas. Confesso que não joguei o seu jogo anterior, Arise: A Simple Story, mas fiquei rendido ao seu aspecto e curioso por jogá-lo, especialmente depois de After Us. Este pequeno estúdio independente pode não ter muita reputação (ainda) mas emana qualidade “que se farta”. Mas, falemos do jogo.
A premissa de After Us é bastante clara e simples. Este é um jogo de consciência ecológica em que teremos de reverter as maldades que a Humanidade causou no ecossistema. Na Terra agora devastada pela acção humana, a protagonista, Gaia, tem uma missão muito importante. Uma vez que a sua superior, Mother, se sacrificou para salvar as almas dos animais, cabe à heroína sozinha deambular por vários locais com o objectivo de reviver os últimos momentos dos animais e sarar as suas feridas por libertá-los novamente para repopular a Terra.
Gaia também tem uma decisão muito delicada para tomar. É que, além de tentar restaurar as almas e os habitats naturais dos animais, também tem de decidir se os humanos merecem uma nova oportunidade. Na maior parte dos casos, os humanos são retratados como hostis. O que nos parece dar uma decisão relativamente fácil de tomar, especialmente quando perseguem a heroína para lhe sugar a vida. Todavia, se Gaia usar os seus poderes para limpar o seu lodo negro, poderá libertá-los em conjunto com os animais.
É como se a mensagem basilar do jogo, de que os Humanos são a causa de todos os males, pausasse e nos desse a entender que até mesmo os mais prevaricadores possuem uma hipótese de se redimir e fazer novamente o bem. Por outro lado, cada novo nível apresenta um novo tema dedicado ao sofrimento do animal espiritual que serve de encontro final. Por exemplo, o nível em que o animal-espírito é um cervo, teremos de deambular por entre os perigos das armadilhas de caça. Quando é o nível das baleias, há arpões constantemente a tentar apanhar Gaia. A “dica” é óbvia.
Confesso que nem sempre aprecio muito os jogos que se esforçam tanto por passar uma mensagem de activismo ou de consciência. Não vamos procurar um videojogo para moldar-nos como pessoas, uma vez que, regra geral, os jogos servem para nos entreter… ou deviam. Mas, isso não quer dizer que não nos possam, de certa forma, educar. No fundo, depende também dos estado de espírito do jogador e quão receptivo está à mensagem. Há quem se entregue inteiramente ao tema e há quem o ache profundamente aborrecido. Esse é o risco calculado da produção.
Para todos os efeitos, este é um jogo de plataformas com um estilo e ritmo muito próprios. Para restaurar a Terra, Gaia tem ao seu dispor uma série de poderes especiais. Entre eles está Life que, como o próprio nome indica, permite devolver a vida ao que a rodeia, mover obstáculos e detritos e ainda eliminar inimigos. Pode também correr, saltar, flutuar, trepar paredes ou subir árvores com uma graciosidade única. Tudo é francamente simples de aprender embora exija alguma perícia em algumas secções.
Infelizmente, essa perícia é um tanto difícil de atingir em alguns níveis. Nem sempre as transições funcionam com a mesma graciosidade com que Gaia se move, acabando por cair quando queríamos saltar ou a deslizar de uma parede sem conseguir saltar dela. Sim, Gaia vai morrer muitas vezes, felizmente o sistema de checkpoints é cumprido ou, certamente, teria desistido muito rapidamente de jogar. Vão entender a frustração, especialmente ao passar por algumas secções mais “sádicas” em jogo.
Embora a trama seja bastante linear, é bem possível perder bastante tempo a explorar e regressar a áreas por onde já passámos. O jogo possui até um sistema de fast-travel, ideal para quem quer encontrar todos os coleccionáveis. E coleccionar, já agora, é algo compensador. Embora o foco seja a libertação de animais, o jogo capitaliza muito bem em encontrar esferas azuis ou memórias, o que fará aumentar a sua duração. E, honestamente, não senti que fosse algo acessório, fazendo um muito bom complemento da missão principal.
Todos os níveis são bastante engenhosos, cada um com a sua dose de puzzles ambientais para resolver e ocasionais momentos de maior tensão por causa de efeitos permanentes ou passivos. Um bom exemplo disto é o nível de Countryside, com a constante chuva ácida a afectar Gaia. O sentido de urgência é aqui muito palpável, conferindo todo um novo ritmo de jogo enquanto procuramos abrigo para a a heroína. Por outro lado, reina aqui a variedade, nunca podendo falar de repetição. O que é um feito.
Tecnicamente, After Us é um jogo visualmente competente, com muitos momentos deslumbrantes mas sem nunca atingir nenhuma marca elevada de rigor técnico ou atenção aos detalhes. Mesmo assim, momentos absolutamente arrebatadores, com uma direcção de arte com uma visão muito própria. Infelizmente, a câmara de jogo não é a sua melhor característica, nem sempre ajudando em algumas secções, especialmente a trepar. Por vezes, é lenta a reagir ou posiciona-se num ângulo em que não oferece grande visibilidade.
Também tive vários problemas na detecção de colisões, com Gaia “presa” em alguns objectos, morrendo se não conseguisse sair. Analisei este jogo no PC e devo também assinalar, pelo menos, quatro crashes para o ambiente de trabalho sem que pudesse realmente dizer o que terá provocado. Erros acontecem, é para isso que existem as actualizações. Contudo, não achei nunca o jogo exigente no hardware, mostrando-se muito estável em performance e velocidade. O que torna os crashes mais difíceis de explicar.
Veredicto
É bem possível que After Us vos passe ao lado. É, de facto, uma mediana experiência visual, embora com momentos especialmente brilhantes. É também uma boa aventura a nível de jogabilidade e facilidade de domínio das suas mecânicas, contendo algum desafio pelo meio e muita variedade. Tudo bem, tem uma “mensagem ecológica embrulhada em videojogo”, o que pode ser algo empolgante para uns, aborrecido para outros, seguramente subjectivo. Ainda assim, não deixa de ser uma óptima aventura, ligeira nas suas cerca de 12 horas (mais se forem exploradores), contendo até alguns momentos memoráveis.
- ProdutoraPiccolo
- EditoraPrivate Division
- LançamentoAinda sem data de lançamento
- PlataformasPC, PS5, Xbox Series X|S
- GéneroAventura, Plataformas
Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.
Mais sobre a nossa pontuação- Diversidade dos níveis
- A mensagem moralista com um desfecho feliz (quase sempre)
- Fluidez de movimento de Gaia
- Visual, por vezes, deslumbrante
- Câmara de jogo
- Ocasionais problemas técnicos (no PC)
Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.