Análise – Alan Wake II
Quando o primeiro Alan Wake foi lançado, foi um incrível thriller psicológico que surpreendeu meio mundo. Com Alan Wake II, porém, a Remedy Entertainment achou que a fórmula tinha de ser outra.
Por vezes, mudar paradigmas, por mais doloroso que possa ser, é importante para manter uma franquia viva no meio de tanta oferta e de tanta concorrência num determinado género. De facto, 13 anos depois do primeiro jogo, os títulos de acção com elementos de sobrevivência tomaram conta do género de terror, que o diga a série Resident Evil. Não era preciso Alan Wake enveredar por este caminho mas todos sabemos como é bastante atraente. Por outro lado, a Remedy gosta de algo experimental, puxando pela massa cinzenta e a tentar arrebatar-nos nos detalhes, ao invés das mecânicas que servem de base. Control foi um bom exemplo disso e claramente Alan Wake II herda parte dessa fórmula.
Anos depois do escritor Alan Wake desaparecer, o mistério continua em Bright Falls. Alguém decidiu homenagear os rumores macabros por realizar assassinatos num tom ritualista. O FBI envia os agentes Saga Anderson e Alex Casey para a vila de modo a investigar o crime mais recente relacionado com este culto, o outro agente do FBI Robert Nightingale que tinha desaparecido, apareceu morto, juntamente com um estranho manuscrito. Ao chegarem, porém, os agentes são confrontados com acontecimentos estranhos e perturbadores. E, se calhar, Nightingale não estará realmente morto.
Daqui em diante, a história deste jogo terá a sua habitual espiral de mistério, intriga e a normal “loucura intelectual” dos argumentos desta produtora. Iremos percorrer o jogo na pele de Saga Anderson e também do próprio protagonista Alan Wake em duas perspectivas únicas, criando duas histórias paralelas. Porque esta componente narrativa é a melhor oferta do jogo, não vos quero estragar a experiência ao revelar demais. Direi apenas que a história começa com Saga e termina com Wake. A trama cumpre ao nos entreter, especialmente com as cenas intermédias que incluem partes criadas com actores reais e que funcionam muito bem.
É mesmo neste paralelismo das duas histórias que reside o foco da jogabilidade. Por um lado, Saga Anderson dá-nos uma perspectiva mais terrena dos eventos, armada com a sua pistola e a investigar os crimes, dando-nos uns momentos mais fantasiosos, como o seu enigmático Mind Place onde guarda fisicamente a informação da sua investigação, numa espécie de refúgio mental tornado local físico. Saga representa-nos nesta história, seríamos nós no seu papel a olhar para toda esta estranheza a tentar fazer algum sentido de tudo o que se passa.
No outro lado, temos o perturbado escritor Alan Wake a quem a vida nunca corre bem. Também Wake tem o seu refúgio mental, o seu escritório, onde também pode armazenar as ideias e gerir o seu inventário. Contudo, no seu lado da história, Wake terá uma experiência bem mais sobrenatural, estando confinado num mundo alternativo e distorcido, onde alguns puzzles terão de ser resolvidos para ganhar ideias e progredir na história. De facto, é com Wake que o jogo se modifica na sua inteireza, criando uma interessante viagem com alguns desenlaces e sustos… mas, só uns poucos.
É preciso dizer que o primeiro jogo da série não era bem um jogo de terror. A melhor descrição, já a dei: um thriller psicológico, com alguns elementos de terror, sim, mas nada para nos assustar. Era um jogo perturbador, com umas mecânicas interessantes e outras óptimas jogadas com a narrativa que eram tão cativantes como eram engenhosas. O que dá a entender é que, algures na produção desta sequela, a Remedy achou que tinha de nos assustar, tendo até esta data de lançamento sido escolhida a dedo. Com isso, perdeu-se o que fez do primeiro jogo tão interessante.
É que, se este jogo tenciona ser assustador, não consegue. Não sei se esta sensação é causada pelos outros jogos neste género bem mais apurados ou se eu esperava o mesmo registo de terror “light” do primeiro jogo. Seja qual for o motivo, não atingiu as expectativas. Aqui está um título descrito como “survival horror” mas falha por completo nesta sua tentativa de se tornar uma espécie de Resident Evil “à lá” Remedy. Há vários momentos perturbadores, sim, há até uma constante tensão ao longo da trama mas… lá está, nada que seja realmente “horror” na sua plenitude.
Essa constante tentativa de tentar (e falhar) ser um Resident Evil, é mais evidente nos tiroteios. Entre atordoar inimigos com a lanterna e os tiros de pistola na terceira pessoa, a diversão é possível mas, não há aqui nada que seja realmente inovador ou que entusiasme. Aliás, a própria Remedy deve ter percebido isso e deu-nos a capacidade de evitar estes tiroteios por completo, havendo mesmo secções onde nem sequer faz sentido lutar contra os inimigos. Há até secções inteiras em que nem damos um único tiro, para logo a seguir esse disparo ser inevitável.
Sim, é um jogo de sobrevivência e, se calhar, é melhor evitar dar tiros para não chamar a atenção ou para poupar munição. Nada contra. A questão é que sem esses tiros, o jogo pode ser incrivelmente aborrecido, especialmente entre secções importantes. A passada pode ser fastidiosa, num claro contraste com as lógicas do anterior Control que sabia tão bem dosear a investigação, com a exploração e os tiroteios. Os próprios inimigos começam a tornar-se genéricos bem cedo no jogo, com uma poucas excepções de assinalar. Apenas alguns seres pontuais e alguns encontros com bosses merecem real atenção.
A contribuir para este aborrecimento, está um design de níveis confuso, com áreas demasiado grandes, sem grandes auxiliares à navegação. Os mapas das áreas que vamos encontrando podem ajudar mas, eventualmente, acabarão perdidos na mesma em algumas ocasiões. Noutras experiências, o receio do desconhecido e o sentimento de vulnerabilidade, de estar perdido, ajuda na criação da necessária atmosfera. Aqui, infelizmente, só serve para irritar o jogador. E ainda teremos passar pelo mesmo sítio várias vezes, especialmente a procurar coleccionáveis.
Mas, por esta altura, já estarão fartos de andar, deambular e andar mais um pouco. Pelo meio, uns puzzles, uns inimigos para enfrentar, gerando uma fórmula de jogabilidade oca, quanto a mim. A própria narrativa binária, que tanto entusiasma no início, acaba por tornar-se morosa e com alguns clichés pelo meio. O tom pesado do jogo, sem algo para o tornar mais leve (zero comédia), a frustração das suas lógicas mais “chatas” de jogabilidade e a dimensão exagerada das áreas, fazem com que a tensão pretendida acabe por perder força. Talvez por isso, os pretensos sustos que tenta pregar não funcionam. Pelo menos, comigo.
Depois, temos bugs… Ainda são alguns, na sua maioria são questões de lógica que não foram devidamente polidas, pequenos erros no interface, algumas questões pontuais com os menus, etc. Não há rigorosamente nada de grave mas, por vezes lá teremos de recuperar um savegame. Agora, imaginem estar profundamente aborrecidos com história, jogabilidade e passada do jogo e ainda ter de lidar com um menu inexplicavelmente inacessível, uma impossibilidade de salvar uma memória na sala segura ou até a arma ficar inacessível para disparar. Não é lá muito positivo.
A nível de grafismo, houve muito trabalho para trazer Alan Wake II a um padrão técnico de elevada qualidade. Infelizmente, isso só deverá ser evidente nas consolas, onde (espero) a Remedy tenha feito um melhor trabalho de optimização. No PC (versão analisada) este jogo é qualquer coisa de exigente, pedindo hardware de topo para um jogo que não chega realmente a justificar o que pede. Jogando com as opções, lá consegui uma optimização decente num PC acima do hardware recomendado. Contudo, nunca vi em jogo nada que justificasse tanta exigência.
O mundo é bastante detalhado, há efeitos visuais de arregalar o olho e temos imensas animações trabalhadas para criar uma óptima experiência de design. Há até momentos em que as áreas do jogo são tão realisticamente recriadas que parecem vídeos a correr. Contudo, em troca temos várias secções com quebras de performance acentuadas e temos de começar a reduzir opções gráficas. O que, depois, remove essa beleza visual pretendida. Parece-me mais uma falta de optimização da produção que propriamente resultado de um hardware insuficiente.
Veredicto
Poderia ser uma óptima sequela de um jogo surpreendente, estando 13 anos a aguardar por uma continuação. No entanto, a Remedy Entertainment mudou a fórmula e o que trouxe foi uma nova abordagem falível, numa constante emulação de jogos como Resident Evil. Nesta tentativa de “beber neste poço”, trouxe-nos um Alan Wake II que não surpreende, torna-se bastante fastidioso, é demasiado exigente com o hardware (no PC) e nem sequer está devidamente polido para a melhor experiência possível. É um desapontamento que só não é maior porque neste ano já tivemos coisas bem piores.
- ProdutoraRemedy Entertainment
- EditoraEpic Games
- Lançamento27 de Outubro 2023
- PlataformasPC, PS5, Xbox Series X|S
- GéneroSurvival Horror, Thriller Psicológico
Podia ser melhor mas tem alguns pormenores positivos que podem agradar a muitos jogadores.
Mais sobre a nossa pontuação- As duas histórias paralelas de Wake e Anderson
- Alguns combates com bosses
- As cenas intermédias "live-action"
- Alguns pormenores do grafismo
- Bugs, bugs e mais bugs
- Torna-se aborrecido a meio da oferta
- Áreas demasiado grandes, sem orientação
- Não consegue assustar quase nunca
- Demasiado focado em tentar ser "Resident Evil"
Esta análise foi realizada com uma cópia adquirida pela redacção.