Anthem (3)

Análise – Anthem

A nova aventura da Bioware chama-se Anthem. Não é um Role Play Game como esta produtora sempre se mostrou exímia a conceber, no entanto. E todos sabemos o que acontece quando saímos de uma zona de conforto: Ou nos adaptamos, ou definhamos.

Considero-me um “fanboy” da Bioware. Essa paixão não começou propriamente por causa da minha curta passagem por Baldur’s Gate mas, sim, com o incontornável Star Wars: Knights of the Old Republic, tornando-me fã incondicional de Dragon Age e Mass Effect. Certamente recordam o meu desapontamento com Mass Effect: Andromeda, numa altura em que a produtora andava claramente perdida. É por isso que depositei algumas esperanças num próximo projecto quando o fundador e mentor Casey Hudson regressou à produtora logo de seguida. Contudo, não foi um RPG que anunciaram. Foi um shooter, um MMO, uma autêntica reviravolta criativa que me deixou apreensivo. A demonstração que experimentei não me deixou mais esclarecido, pelo contrário. Queria mesmo que o jogo final me tirasse as dúvidas e, secretamente, me fizesse um crente nesta nova vida da produtora e nestes projectos arriscados da Electronic Arts.

É a minha convicção que é a EA que quer este tipo de projectos. Em várias declarações públicas a editora demonstrou que quer mesmo experimentar os grandes géneros do momento. Há muito que queria um shooter deste calibre, na onda do que Destiny ou The Division já tinham atingido. O mesmo aconteceu com a onda Battle Royale que a Respawn apanhou com Apex Legends. Assim, é discutível se foi a própria Bioware a lançar a ideia de um shooter MMO com elementos RPG. Até faria algum sentido, se recordarmos como Mass Effect ou Dragon Age já eram tão focados na acção. Só que não foi propriamente pela sua acção que essas séries se tornaram famosas. E, subitamente, Anthem apareceu, na esteira de um burnout criativo (Andromeda) e a colocar pontos de interrogação por todo o lado.

E esse desaproveitamento vai ficar claro em todas as fases do jogo, como irão ver. No passado ficaram os lendários RPGs com uma história intrincada e de larga escala, onde o jogador toma decisões que alteram desenlaces, onde os seus diálogos constroem ou destroem relações com personagens, onde os finais são ditados pela forma de jogar, enfim todo o ADN de um puro RPG. Anthem é um jogo de tiros, contra uns seres estranhos ou humanóides meios descartáveis, usando muitas armas de raridade variada mas que soam e agem exactamente da mesma forma. Anthem é directo e pouco dado a contar uma história que nos envolva. Ela está lá, mas não nos entusiasma nem um pouco, não nos coloca na equação. Este não parece um jogo da Bioware…

Se querem mesmo saber mais da sua história, podem prestar um pouco de atenção ao que vos é contado em diálogos e outras fontes, sobretudo via codex no menu. Sabemos que Fort Tarsis é um baluarte do que resta da Humanidade, neste mundo futurista caótico e repleto de perigos, que estranhamente se resume a uma sociedade tribal. Como Freelancers, não passamos “recibos verdes” (ou talvez passemos, nunca cheguei a essa parte da contabilidade), mas temos um fato especial chamado Javelin, dando-nos a missão importante de proteger esta colónia dos imensos perigos. Entretanto, há um grupo de antagonistas, chamados de Dominion que usa uma força obscura chamada de “Anthem of Creation” e que precisamos descobrir mais pormenores para os travar.

E é isto. Pouco mais há para saber, pelo menos no início, com a história a desenvolver-se lentamente a cada missão principal. Pelo meio, temos outras linhas de enredo em missões secundárias, mas quase todas se ligam a este enredo base. Já vou falar mais da interacção, mas tenho de apontar que há mesmo diálogos “estilo” RPG para nos contar esta história. Seja via rádio a bordo do Javelin, seja presencialmente, as personagens falam-nos dos desenlaces deste enredo e há até alguma escolha de linhas de diálogo para reagir. Mas, nada parece afectar esta história, eternamente presa à inevitabilidade. De RPG, como já disse, tem pouco, muito pouco. E isto fez-me perder o interesse no que estava a ser contado, carregando tantas vezes para saltar conversas e voltar aos tiros.

Seria de esperar, portanto, que Anthem nos desse uma acção bem melhor que o pretenso RPG que tenta ser. Enquanto jogava mais uma missão com outro amigo, este disse-me algo que descreve bem o que estávamos a fazer: “Isto é Mass Effect se o Comandante Shepard só andasse aos tiros em vez de namorar com extraterrestres”. É talvez um pouco simplista, mas há claramente uma paralelo com a acção dessa dessa série. Convenhamos que Mass Effect 3 teve uma forte ênfase na acção multi-jogador cooperativa, tendo sido uma clara base lógica para esta acção em Anthem. Muito do “feeling” dos tiroteios parece tirado de lá. Na altura, achei essa acção simplista, mas robusta. Se chegava para justificar um jogo inteiro, é discutível. Mas, ele aqui está.

O claro destaque está no uso das várias classes de Javelin que, de facto, são peças fantásticas de combate. Voamos, saltamos e usamos toda a sorte de habilidades, quais super-homens/mulheres, contra seres que teimam em atacar-nos com tudo o que possam. Os inimigos são, na maioria dos casos, meras barras de energia que “soltam” números quando os atingimos. Alguns são incrivelmente resistentes, colocando um escudo só para serem mais morosos. Como a acção é cooperativa, a coordenação é essencial, pelo que jogar com amigos torna tudo mais interessante, mas não devem esperar tiroteios muito interessantes se optarem pelo matchmaking com estranhos. Já lá vamos.

No final de cada missão, seja de combate ou de exploração, devem ter angariado muito loot para equipar o Javelin. Tal como, bom… todos os outros jogos do género da actualidade, o loot possui níveis de raridade e efectividade que visam dar-nos motivação para o notório grind. Novas armas e peças de armadura, assim como itens de bónus podem ser adicionados, aumentando o nosso poder de fogo e efectividade. O que mais me impressionou neste campo, foi a insana capacidade de personalização, com centenas de possibilidades de pinturas e esquemas de decoração para cada Javelin. É óbvio que o intuito é atrair os amantes da cosmética que perdem mais tempo a decorar o fato que a jogar.

Apesar deste nível de personalização, nada me pareceu memorável. Temos quatro tipos de Javelin (Ranger, Colossus, Interceptor e Storm) mas acabei por me manter com o polivalente Ranger na maior parte do tempo. O Interceptor é a minha segunda opção, só mesmo porque é mais ágil e excelente para ataques mais rápidos. Agora o Colossus é um tanque puro sem grande velocidade, sendo óptimo para cobertura e pouco mais. Storm, bom, é o equivalente ao vulgar “warlock”, com uma acção mais defensiva do pouco que experimentei. Cada um possui habilidades e ataques únicos que convém explorar para ver qual se adapta ao vosso estilo. Como, infelizmente, a quantidade de dinheiro virtual para comprar itens é absurda, eventualmente ficam-se por um ou dois e (se houver tempo) lá mais para o fim escolhem os demais.

O que é ainda menos memorável, porém, é o armamento. A sério, por mais eficazes que algumas armas sejam consoante os elementos, parecem todas iguais, mudando apenas a cadência de tiro ou o dano a curto, médio e longo alcance. Bem sei que noutros shooters o balanço da efectividade das armas é crítico, uma verdadeira ciência inexacta na busca de uma jogabilidade equilibrada. Aqui, parece que a Bioware quis evitar mexer em estatísticas, leamentavelmente colocando tudo na mesma bitola. Também a dificuldade parece formatada ao número de balas que os inimigos “ingerem”, demorando mais para uns que outros caírem na lei da bala, explosivo ou ataque especial.

Tiroteios à parte, também não há muito para fazer. Ou apostamos numa missão ou vamos explorar, procurando cumprir tarefas ou buscando coleccionáveis ou itens para crafting. E é tudo incrivelmente solitário. Não estamos mesmo sozinhos, porque todas as actividades são cooperativas e já mencionei que o matchmaking está sempre a juntar-nos com outros jogadores. Mas, a não ser que se juntem a amigos, sentimos sempre que estamos isolados, com pessoas ao lado a fazer o que querem. O jogo bem tenta unir a equipa, “puxando-nos” quando ficamos longe do líder. Mas, isto tem um revés. Se este líder for incompetente, vamos ficar cativos da sua inépcia. E o trabalho em equipa parece francamente irrelevante se as classes quase nunca se complementam entre jogadores. Joguem com amigos, acreditem.

E é bem possível que este líder seja incompetente, porque se perdeu a olhar para o cenário. Anthem é, de facto, visualmente fantástico em todos os aspectos de design. Joguei este acesso antecipado no PC e fiquei deslumbrado com a qualidade técnica de modelos, texturas e efeitos visuais. As personagens são soberbamente animadas, sobretudo durante os diálogos mais próximos, com algumas das melhores animações faciais que me recordo. Longe estão as memórias das caras estranhas de ME: Andromeda. Tudo tem um polimento e um cuidado insano com o detalhe, o que só prova que a Bioware tem artistas fantásticos a cuidar do visual dos seus jogos. Disso não há qualquer dúvida.

Mas, noutras questões técnicas, este jogo também não é um bom exemplo de implementação de conceito. Não tem a ver com o plano visual, mas sim ao nível da performance, sobretudo online. Imensos bugs menores são fáceis de ignorar. Por exemplo, o voo no Javelin é estranho, embora note que os controlos estão bem melhores desde a demo. Também há imensos problemas de som e de iluminação. A pior das questões, porém, surge com o problemático netcode, com lag em demasia, “teleportes” e muitos outros pequenos problemas de ligação. Recordo que os servidores estiveram desligados no dia do arranque por saturação, mas parece que ainda há muito mais para melhorar neste campo.

Veredicto

Quero muito que Anthem resolva os seus problemas e nos dê algo muito substancial para jogar. Algumas questões técnicas, de performance e até algumas lógicas de jogo, como a efectividade das armas e equipamento, são perfeitamente solucionadas com actualizações. Até mesmo os jogadores poderão melhorar as suas prestações, jogando mais em equipa. Contudo, nem todos os problemas deste jogo podem ser resolvidos facilmente pela Bioware. Apesar do passado desta produtora e da designação dada pela EA, isto não é um ARPG. É só um shooter disfarçado de RPG, sem que nada salte realmente à vista, além do seu grafismo aprimorado. Tenta ser abrangente demais, seguindo modas e tendências e, com isso, não oferece nenhuma profundidade em nada.

  • ProdutoraBioware
  • EditoraElectronic Arts
  • Lançamento22 de Fevereiro 2019
  • PlataformasPC, PS4, Xbox One
  • GéneroAcção, MMO
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Sem pontuação

Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.

Mais sobre a nossa pontuação
Não Gostámos
  • História é insípida
  • Falta de elementos RPG
  • Bugs e problemas de ligação
  • Nada brilha realmente...

Devido a uma restrição da EA para Portugal, o nosso acesso ao jogo a tempo desta análise só foi possível via subscrição do serviço Origin Access Premier, suportado pela redacção.

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