ac-mirage (5)

Análise – Assassin’s Creed: Mirage

Se são fãs desta série, já conhecem o protagonista desta história. E também reconhecerão esta jogabilidade única, uma vez que Assassin’s Creed: Mirage é uma tentativa da Ubisoft de simplificar o que é familiar.

Por muitos motivos que não vale a pena dissertar agora, dizer que temos em mãos um novo Assassin’s Creed é quase surreal. É que depois do sucesso de AC: Origins, da consolidação de AC: Odyssey e da saturação de AC: Valhalla, a Ubi fez um interregno e… sofreu um pouco com a conjectura mundial. A reorientação de foco, de ideias e de conceitos é francamente notória em Mirage, um jogo despido da mesma opulência e ambição desmedida dos jogos anteriores, bem mais focado no que realmente interessa, numa revisita pensada às origens da série. Não, não temos um novo Altaïr aqui, sendo aliás um descendente de Basim. Mas este é, sem dúvida um título que quer recuperar essa herança.

Quando em 2007 joguei o primeiro Assassin’s Creed, apesar das duas histórias paralelas entre Altaïr e Desmond serem algo divisoras (ainda hoje), apaixonei-me por duas coisas distintas: a sua narrativa envolvente e a acção furtiva incrivelmente recompensadora. Muitas sequelas depois, a narrativa assumiu dimensões oscilantes, a acção tornou-se muito mais estratégica, por vezes directa demais, com a furtividade a tornar-se algo opcional. Acima de tudo, a escala de tudo expandiu-se para níveis quase impossíveis, não fazendo grandes favores à paciência dos jogadores.

A prova disso? Nos três últimos jogos, apenas completei 100% de AC: Origins, o primeiro dos títulos de dimensão insana, num conceito sandbox que tem tanto de interessante, como de enfadonho. Concretizar essa totalidade envolveu mais horas que, se calhar, devia ter gasto. Não fiz o mesmo com Odyssey ou Valhalla, ficando-me apenas pela história principal nessas sequelas. Sim, a Grécia e a Inglaterra ficaram por explorar e, como eu, estou certo que muitos jogadores perderam o interesse em percorrer toda aquela vastidão de mapas, missões, tarefas, desafios e coleccionáveis elevados a uma escala quase impossível.

Por isso, estava verdadeiramente intrigado com AC: Mirage. Não acreditei nunca que a Ubisoft tentasse fazer uma espécie de “remake” do original, apesar do palco no médio oriente e um paralelismo óbvio com a sua história original. O facto de Basim, uma personagem introduzida em AC: Valhalla, ser o protagonista, fez-me pensar por momentos numa esta seria uma expansão sem rodeios, ganhando forma como título individual. Foi algo assumido pela Ubi, diga-se, que talvez não quisesse realmente arriscar fazer uma nova entrada nesta era menos positiva.

De facto, já conhecemos Basim Ibn Ishaq. Conhecemo-lo como um dos mentores de Eivor na história de AC: Valhalla, um Mestre Assassino que até tem um importante momento no enredo desse outro jogo. Contudo, o que temos aqui é um regresso ao seu passado, numa história das suas origens como membro da infame Ordem dos Assassinos. Se não jogaram AC: Valhalla, não saberão a sua importância no Lore da série. Não é realmente um problema, a sua importância tornar-se-á óbvia no final deste jogo e é bem provável que ganhem interesse para (finalmente) terminarem o enredo desse título anterior.

Sim, a história de Basim é realmente interessante como um todo mas o arranque é brando. Vamos acompanhá-lo nas suas origens humildes, como um simples ladrão no Califado de Abbasid, mais precisamente na pobre cidade de Anbar. Neste período, os Assassinos já estão espalhados pelo mundo, tornando-se infames pela sua efectividade. Basim tem um fascínio pelos chamados “Hidden Ones” e cedo capta a atenção da líder da Ordem na região, Roshan. Obviamente, ingressar nas fileiras dos Assassinos não será fácil e o ladrão terá de arriscar para mostrar o que vale.

Depois de uma introdução, que também serve de tutorial, Basim finalmente veste o capuz dos Assassinos e inicia o seu trajecto de aprendiz… sem o seu dedo anelar esquerdo, mas ganhando a famosa lâmina escondida. O mito está renascido. O que também está renascido é a batalha intemporal entre os Assassinos e os Ancients, na sua insana busca pelas míticas “maçãs do Éden”. Como não podia deixar de ser, o enredo tem intriga, mistério e algumas reviravoltas que, não sendo tão “fantabulásticas” como no passado, não deixam de ser envolventes, ao bom estilo da franquia.

Devo avisar que o final da história contém alguns spoilers da história de AC: Valhalla. Diria mesmo que são “major” spoilers. A dada altura, pensei que uma versão reduzida desta trama podia muito bem ser, de facto, uma expansão para esse outro jogo, já que as duas porções da história de Basim se misturam inevitavelmente entre os títulos. Já conhecemos o destino final do protagonista e o desfecho do enredo de Mirage faz essa necessária ligação. Todavia, não sabemos como lá chegou e esta história explica esses eventos, dando a devida justificação para o que Basim fará depois.

Só que… Eu não sei se a história de “como” Basim se tornou quem é vos entusiasmará muito, especialmente no primeiro terço de jogo. De facto, Basim é muito importante para este arco de história mas como personagem considero este Assassino um dos menos entusiasmantes. Talvez contribua para isso um trabalho menos bem conseguido no casting de vozes, talvez o foco na trama principal nos remova uma possível empatia pela sua própria história, não sei. Estamos longe do conto empolgante de Altaïr, a milhas de distância da ainda maior narrativa de Ezio. Assim são os argumentos modernos em muitos videojogos, falta profundidade.

Com uma campanha que vos pode ocupar por umas 20 horas, não estamos, de facto no mesmo registo de duração dos jogos anteriores. Se AC: Origins foi um repensar controverso da fórmula, Mirage é um intencional retrocesso. Se esse retrocesso é positivo ou não, depende daquilo que apreciam nesta franquia. Em tempos disse (e mantenho) que jogar os anteriores três títulos é para “se ir fazendo”. Não é mental ou ou fisiologicamente possível jogar estes jogos de empreitada, sob risco de esgotarmos a paciência a meio. São títulos gigantescos, como já deixei bem claro, pedindo para serem jogados a longo prazo.

Mirage é claramente uma experiência para se jogar em dias e não semanas ou meses. Quase tudo é uma herança dos jogos anteriores, não inventando quase nada, conferindo a necessária familiaridade, rapidamente apanhada por todos. Já vou falar da jogabilidade, que é o fulcro da minha análise mas notarão que tudo aqui foi reduzido ou cortado. O “loot” de vários níveis de raridade e melhoria, os muitos itens de colecção, as muitas armas e estilos para explorar, mesmo as missões complexas e puzzles elaborados, sem esquecer os mapas absurdamente vastos com horas a percorrer, desapareceram. Aqui, a palavra de ordem é a simplicidade.

Bagdad e as suas províncias criam um mapa relativamente vasto, mas muito mais pequeno. A sua exploração é confinada a uma área útil, criando fronteiras bem definidas. Por outro lado, as próprias missões são relativamente lineares, dando uma clara contenção de conteúdo e de passos para as completar. De certa forma, tudo isto torna a jogabilidade mais simplista, menos “ambígua”. Mesmo assim, há uma margem para abordarmos missões de formas diferentes. Diria até que o jogo empresta um pouco da lógica de Far Cry para este “afunilar” da nossa atenção.

Estão de regresso imensos elementos icónicos da franquia, como as torres de “sincronismo”, os fardos de palha, os pósteres para rasgar e remover a notoriedade e os roubos de carteiras. Também temos camelos e cavalos para montar, barcaças para navegar e o nosso fiel falcão para fazer a prospecção das áreas de interesse. Tudo isto é familiar, vindo dos jogos anteriores e rapidamente apanhamos o ritmo. De facto, este jogo não tenta reinventar ou introduzir nada, sendo uma espécie de viagem em velocidade de cruzeiro, encurtada na distância.

Falando, então, da jogabilidade. Há também aqui uma notória simplificação. Assassin’s Creed já experimentou de tudo, até dar tiros com arcos e flechas ou armas de fogo. Contudo, há só uma forma de jogar que se tornou inesquecível, a furtiva. Sim, continuamos a percorrer telhados e paredes com parkour, Basim também sabe usar a espada e o punhal para combate directo, além de usar facas de arremesso e outros gadgets para ataques mais directos. Contudo, onde realmente triunfa é nas sombras, escondido na multidão ou dentro dos tais fardos de palha.

Mas, calma. A jogabilidade em si não é bem um regresso à acção com Altaïr. Diria que é um meio termo, uma tentativa de simplificação com a fórmula do passado com algumas cedências mais modernas na franquia,  o que tem tanto de positivo, como de negativo. É que enquanto estamos a realizar assassinatos de emboscada, o jogo tem a esperada fluidez conhecida. Quanto falhamos e somos descobertos, não é que a jogabilidade piore assim muito, apenas se torna algo mais fastidiosa, fazendo recordar as célebres batalhas de AC II contra hordas de inimigos desmiolados.

De facto, a inteligência artificial não é muito boa neste jogo. Os inimigos são autênticos autómatos a fazer as suas rondas ou sentados a “pensar na vida”, para subitamente nos descobrirem a milhas de distância e chamar os amigos para, um a um, tentar a sorte com as nossas lâminas. O problema não é que se tornem muitos, algo exacerbado se não tivermos cuidado com os erros e aumentarmos e notoriedade acima do desejável. A questão é que tudo é notoriamente desequilibrado, precisando de muito balanceamento, o que também denota imensa falta de polimento.

As animações falham constantemente, especialmente a transitar entre atitude passiva e a animação de um assassinato. O mesmo acontece com o parkour, já agora, saltando para o lado errado ou ficando preso no cenário em algumas situações. Sim, a detecção de colisões é bastante falível também, o que não ajuda mesmo nada na fluidez desejada. É algo cosmético, bem sei, mas remove toda a possível envolvência. Por outro lado, nos combates os nossos próprios movimentos tendem a sofrer um pouco da mesma falta de polimento, necessitando de um timing quase perfeito para ser devidamente fluido, o que é demasiado punitivo.

Notem que isto pode ser perfeitamente intencional. A Ubi pode estar a dizer-nos subrepticiamente que o combate directo é mesmo para evitar. Aliás, a maioria das possíveis melhorias na (também bem mais simplificada) árvore de evolução focam-se nos aspectos furtivos da acção. Mesmo a evolução de Basim é muito orientada para os subterfúgios, ora não fossem estes os “Hidden Ones”. Só que, se de facto não é suposto apostarmos muito no combate directo, para que queremos uma espada ou um punhal melhor? Para quê aprendermos a fazer bloqueios e desvios?

O meu conselho é que… fujam. A sério! Se, por acaso, falharem na acção furtiva, o melhor a fazer é defenderem-se e tentar escapar, sem tentar abordar as dezenas de inimigos. Tudo bem, eles atacam ou ou dois de cada vez, sendo perfeitamente possível fazer uma jogada no género de “ARPG” de ataque, defesa, bloqueio ou desvio estudando os movimentos. Só que este não é (de forma alguma) um “soulslike” e a já mencionada falta de equilíbrio cria momentos frustrantes. Lembrem-se que podem sempre voltar… a cair com a lâmina cravada nos pescoços dos incautos.

No campo técnico, há um misto de reacções. Tive a oportunidade de jogar na versão PlayStation 5 e atesto que visualmente o jogo tem momentos fantásticos, com uma Bagdad vibrante e cheia de elementos detalhados, locais de interesse, traços de cultura e todo aquele rigor histórico reconhecido desta série, obviamente ainda com algumas liberdades artísticas. Talvez a era em si não seja tão empolgante como a das pirâmides do Egipto ou as conquistas Gregas mas há imenso para descobrir na era da Anarquia de Samarra e das guerras internas do Califado de Abbasid.

Infelizmente, também aqui o polimento geral fica um pouco aquém. Não sei bem o que se passa internamente nas equipas de produção da Ubi mas todos temos uma ideia que as coisas não estão bem. Algumas animações falhadas nas faces das personagens, animações algo toscas dos NPCs, alguns efeitos visuais menos positivos, enfim, parece tudo fruto de falta de tempo, de uma equipa menor ou, simplesmente, de um orçamento mais comedido. Nada disto seria surpreendente nos dias que correm, infelizmente, mas custa acreditar que estamos a falar da Ubisoft.

Veredicto

Menos, nem sempre é algo negativo. Assassin’s Creed: Mirage é uma notória contração de um conceito que atingiu dimensões demasiado ambiciosas nos jogos anteriores. Na sua menor dimensão de mapa, de âmbito, de jogabilidade e de enredo, este consegue ser um jogo bem mais “apetecível”. É um regresso ao foco no combate furtivo, em missões confinadas e muito menos dispersas. Não inova em nenhum campo, nem mesmo o visual, sendo quase sempre cumpridor em quase tudo. Talvez seja mesmo isto que a Ubisoft precisava. Algo mais comedido e que os jogadores se possam concentrar em terminar sem fazer “horas extraordinárias”. Só precisava mesmo de um polimento mais consciente.

  • ProdutoraUbisoft
  • EditoraUbisoft
  • Lançamento4 de Outubro 2023
  • PlataformasPC, PS5, Xbox Series X|S
  • GéneroAcção, Aventura
r
Recomendado

Óptimo, aconselhamos a apreciar ao máximo.

Mais sobre a nossa pontuação
Não Gostámos
  • Falta de polimento geral, especialmente no combate directo
  • Não inventa nada de realmente novo
  • Prestação de alguns actores de voz

Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.

Comentários