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Análise – Assetto Corsa: Competizione

Existem alguns bons jogos de condução mas, simuladores da “arte do volante”, contam-se pelos dedos das mãos. O primeiro título desta série da Kunos Simulazioni sempre primou pelo realismo. Agora, Assetto Corsa: Competizione pretende aumentar a exigência.

O que torna um jogo de condução num simulador? Para muitos é o realismo das físicas e das reacções dos bólides, transmitindo a verdadeira essência da condução, seja ela de estrada ou de circuito. Para outros, o jogo deve também conter uma boa dose de personalização mecânica dos veículos. E ainda há quem entenda que a recriação visual de cenários, pistas e automóveis, sem esquecer a muito importante meteorologia, devem embrulhar tudo isto. Contudo, por mais que muitos jogos contenham todos estes elementos, nem todos são chamados de “simulador”. Muito por causa do facilitismo criado em volta do jogador, com ajudas à condução, condutores artificiais muito limitados, elementos de jogo como um modo de carreira, entre outros elementos mais “lúdicos”. Mas, depois, temos Assetto Corsa.

A par de outros grandes jogos que têm o realismo como centro das atenções, Assetto Corsa, o primeiro, sempre se mostrou mais sério, menos tolerante, mas nunca se colocou de fora dos tais elementos mais “jogo”. Longe vão os tempos dos títulos “directos ao assunto” como o saudoso GTR. Grandes séries como Gran Turismo ou Forza trouxeram das consolas o conceito de carreira e da envolvência dos campeonatos com elementos interactivos. Vale o entretenimento, claro. Contudo, para mim, neste momento há dois jogos que dão cartas no que toca ao que de melhor se faz em termos de simuladores de condução. Um é Project Cars 2 que, mesmo já com quase dois anos de vida, ainda aí está para “as curvas”. O outro ainda estava por vir. Era este Competizione, uma sequela muito aguardada que só tinha de ser melhor que o seu antecessor.

A premissa desta nova edição é interessante. Graças à importantíssima parceria com o campeonato do mundo de GT3, o Blancpain GT Racing Series, o jogo traz consigo os 40 veículos oficiais, as respectivas equipas e as pistas recriadas ao pormenor, tudo a apostar num realismo que aponta baterias ao que lhe dá título: a competição. O foco nos eSports é claríssimo, com um campeonato mundial a decorrer em paralelo com o próprio Blancpain GT (o SRO E-Sport GT Series), que tem tido até eventos em espaços privilegiados de grandes circuitos de velocidade reais. O campeonato de GT3 pode não ser tão famoso como outras provas mas é, de facto, uma importante disciplina de velocidade. E esta ligação vale ouro para a italiana Kunos que criou aqui um título oficial de uma prova de nível internacional.

Alterando um pouco a forma como costumo fazer análises, vou excepcionalmente começar pelo visual deste jogo. Isto, porque considerei sempre esta uma espada de dois gumes para este tipo de jogos. Todos sabemos que mais qualidade visual pesa sempre no hardware. Se um simulador de condução, onde cada fracção de segundo conta e em que a fluidez da imagem é tudo, ao encher o ecrã de efeitos visuais deslumbrantes, como é que isso se traduz na experiência? Será preciso uma grande máquina para obter um bom compromisso entre performance e visual? A resposta, geralmente, é sempre complicada. Quando os jogos são concebidos para consolas, a optimização é ainda mais delicada. Competizione é um jogo para PC (por agora), podendo tirar proveito desse hardware mais robusto. E consegue?

A resposta é um retumbante “sim”. A escolha de criar este jogo no Unreal Engine 4 deu óptimos resultados, graças também aos avanços tecnológicos do hardware do momento, sobretudo nas tecnologias gráficas como a Nvidia RTX. O acesso único que a Kunos teve a carros e pistas, deu-nos um nível de detalhe absolutamente soberbo, como poderão ver pelas imagens que partilhamos. Bem sei que algumas séries exploram o visual como trunfo, lembrando a velha máxima “os olhos também comem”. Contudo, aqui o visual não compromete em nada a performance, é soberbo, bem ao nível do que já vimos noutros lados menos sérios, mas não deixa de ser um simulador. A meteorologia e o ciclo de dia e noite são absolutamente irrepreensíveis, modificando mesmo a experiência num todo. Mesmo que a 300kmph não prestemos muita atenção ao que nos rodeia.

Neste tipo de simuladores, o que conta são os pormenores, não propriamente do visual, que muito agradecemos ser “realista” ou “bonito”, mas na experiência de condução. O realismo dos impactos, as respostas dos controlos, a simulação de temperatura dos pneus, as micro-afinações nos spoilers, a relação de caixa, a reacção do veículo à chuva, tudo conta para os mais exigentes, aqueles para quem “algo parecido” não chega. Fica bem claro logo nos primeiros instantes que pegamos no volante que este não é um jogo para as massas. Aqui não temos veículos de estrada cheios de equipamento de luxo. Nem temos aquelas típicas ajudas à condução, sequer. Além de mudanças automáticas e uma opção da linha perfeita desenhada na estrada, as restantes ajudas, como travagem automática, não têm aqui lugar.

Não é por mero acaso que este jogo possui a homologação do campeonato FIA GT3. Todos os veículos oficiais estão profundamente recriados ao pormenor, desde o habitáculo, ao exterior, sem esquecer a sua sonoridade única. Por isso, é de esperar que pegar no volante seja igualmente realista. Notem que disse “pegar no volante” e não no teclado e rato ou gamepad. O jogo possui suporte para estes dois periféricos, mas vão passar um péssimo bocado a tentar jogar assim. Notei que o jogo até ajuda a compensar manobras, com o volante virtual a oscilar na curva perfeita para manter trajectória. Mas, não chega. Como já disse, este não é um jogo para casuais. Por isso, é bom que tenham um bom volante e pedais para jogar isto. Como seria de esperar de qualquer amante de simulação.

Conduzir estes veículos em circuitos desafiantes, com uma inteligência artificial (ou com outros jogadores online), exige perícia, experiência e pouca tolerância a erros. Temos um modo de carreira que aconselho a experimentar para ganhar a experiência necessária. Tal como um qualquer novato nestas lides, começamos numa academia onde temos de mostrar o que valemos. O modo de carreira é francamente desafiante, notem. Como não temos diferentes disciplinas para abordar, começamos logo em carros homologados para o GT3, lançados num ambiente competitivo para encontrar os melhores júniores e sermos contratados para uma equipa para disputar as provas principais. Este é um claro contraste com os demais simuladores e jogos que misturam karts, fórmulas, ralis e GT numa lógica “de ascensão” inter-disciplinar. Aqui, como já perceberam, “só dá GT3”.

Fora do modo de carreira, podemos, ainda assim, fazer corridas improvisadas, com contra-relógio, provas únicas ou outras corridas rápidas, offline ou online. Seja como for que experimentem este jogo, vão notar que aqui não interessa apenas que façam a melhor curva ou atinjam a maior velocidade. O segredo deste jogo é a consistência. Em provas de endurance, por exemplo, manter-se em primeiro por muito tempo é um tanto irrelevante, se não conseguirmos manter o ritmo, sobretudo com as idas à box pelo meio. A equivalência de potências dos veículos em pista, todos na mesma homologação, também nos dá um desafio extra, sem que nenhum modelo seja realmente “melhor”. A diferença nos tempos de cada volta está nos próprios pilotos.

Mas, há sempre um reverso na medalha. Se estamos a falar num jogo de arcada ou de condução um pouco menos séria, algumas falhas no realismo são aceitáveis. Aqui, porém, espera-se sempre que a produção cumpra com a promessa deste ser um jogo para malta que leva as coisas mais a sério, de forma crua e sem grandes facilitismos. Mas, não é preciso exageros.

Os automóveis do GT3 são considerados até relativamente “fáceis” de controlar, se comparados com outras disciplinas mais “puras”. Estes veículos possuem controlo de tracção, por exemplo, algo que facilita a vida a veteranos e a recém-chegados. Mesmo com uma certa dose de realismo, este deveria ser um jogo acessível, contando apenas a nossa destreza a dominar curvas, relação de caixa de velocidades e ultrapassagens.

Contudo, notei que há algumas inconsistências. As traseiras destes carros “fogem” constantemente se sairmos da zona ideal da pista, se tentarmos manobras com pneus frios ou se passarmos pela gravilha. Pior, derrapar é praticamente tudo o que fazemos à chuva. Obviamente, devemos evitar as zonas “sujas” da pista, como as bermas, levantando também o pé quando chove. No entanto, achei que o jogo é francamente punitivo nestas situações, mesmo com alguma prudência e trabalho mecânico.

E isto leva-nos aquela questão inicial que separa o jogo do simulador. Até que ponto num PC lá de casa, por mais artilhados que estejamos com o melhor volante Thrustmaster, com a melhor cadeira e o melhor sistema de som, nos faz um grande piloto de GT3? Assetto Corsa responde: “não, não faz”. Queremos sempre obter a melhor imersão, queremos estar lá, obviamente. Mas, quando o jogo nos pune tanto logo de início, sem nos dar uma rampa para subir na dificuldade, com uma IA implacável e a cortar-nos trajectórias, mandando-nos para os rails numa chicane, fica no ar a ideia que o jogo não quer qualquer um por lá. Exige dedicação, exige que deixemos os vícios e as facilidades e aprendamos com os erros.

Assetto Corsa: Competizione, mal comparado, é como um Dark Souls dos jogos de condução. Vamos acabar muitas vezes em lugares humildes, esbarrar contra muros, “comer” gravilha nas escapatórias mas, no final, vamos conseguir, eventualmente, melhorar. Perante a insistência de conseguir dominar um veículo semelhante aos demais, é a nossa condução que faz a diferença. Aquela curva perfeita em que ganhámos preciosos segundos, aquela ultrapassagem “à queima” que nos valeu um ponto no campeonato, aquela travagem no tempo certo para chegar na posição perfeita da curva. Nunca um jogo de condução me conseguiu entusiasmar tanto a ganhar um 7º lugar. Porque sei que, em breve, vou chegar mais acima na classificação.

Veredicto

Este não é o vosso típico jogo de condução. Assetto Corsa: Competizione é difícil de dominar, por vezes de forma algo exagerada. Contudo, nessa sua dificuldade que resulta de um esforço em prol do realismo, há um desafio para os que querem mesmo a tal imersão de conduzir um automóvel do campeonato do mundo de GT3. Será o mais próximo que chegarão desta prova, sem sentar ao volante do carro real. Tenho algumas reservas se o realismo justifica a dificuldade extrema, onde as típicas ajudas para iniciantes fazem também alguma falta. Mas, no final, é capaz de ser dos títulos mais realistas que experimentei nos últimos tempos. E, sim, é mesmo um simulador…

  • ProdutoraKunos Simulazioni
  • Editora505 Games
  • Lançamento29 de Maio 2019
  • Plataformas
  • GéneroCondução, Simulação
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Sem pontuação

Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.

Mais sobre a nossa pontuação
Não Gostámos
  • Curva de aprendizagem acentuada
  • Falta uma disciplina abaixo para principiantes

Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.

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