Análise – Borderlands 3
Há qualquer coisa nesta fórmula da Gearbox Software que sempre nos faz regressar. Há quem diga que é a componente de “grind”, outros regressam pelo humor crónico. O que é certo é que este “looter-shooter” tem uma nova aventura com Borderlands 3. E, para todos os efeitos, está melhor que nunca.
Com este terceiro jogo, existem agora quatro jogos da série principal. Os primeiros dois títulos, desenvolvidos pela Gearbox, ajudaram a ditar modas neste género de jogos de acção baseados no saque e com alguns elementos de role play. Sobretudo o segundo, que era tido até agora como o melhor da série. Depois a 2K Australia tentou capitalizar nesse sucesso e trouxe-nos Borderlands: The Pre-Sequel que não foi tão bem sucedido a cativar, mesmo trazendo boas ideias à fórmula. Pelo meio, ainda temos de considerar dois spin-offs (Borderlands Legends e Tales From Borderlands) que “falharam completamente o alvo”. Borderlands 3 surge, portanto, como uma tentativa de regresso à boa forma.
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Os primeiros instantes de Borderlands 3 são um completo dejá vu. Sim, os jogos começam quase sempre da mesma maneira. Quatro caçadores de prémios (Vault Hunters) surgem em Pandora a responder a um apelo de uma Siren, neste caso a famosa “Firehawk”, Lilith, uma das protagonistas do primeiro jogo. Uma vez mais, alguém morre violentamente atropelado e, também uma vez mais, lá vamos nós entrar no autocarro de Marcus Kincaid para sermos recebidos pelo robot mais irritante da galáxia… Claptrap. Sim, tudo isto é familiar, mas não se preocupem, esta fase é intencionalmente repetida, talvez num piscar de olho aos veteranos que não conseguem deixar de esboçar um sorriso. Doravante o jogo é outro.
O jogo segue os eventos de Borderlands 2, pelo que terão logo aqui óbvios spoilers se não o jogaram. O que estão aqui a fazer no terceiro título se não jogaram o anterior é que é estranho… adiante. Handsome Jack está morto e a infame mega-corporação Hyperion está em escombros. Contudo, isto não significa o fim das hostilidades em Pandora e… na galáxia. No vazio causado pelo fim do antagonista do segundo jogo, os irmãos Calypso tomaram conta dos lunáticos de Pandora, criando o infame culto dos “Children of the Vault” que os tomam como deuses. E, pior, os irmãos descobrem que há mais Vaults noutros planetas, procurando o poder e a fama que neles se escondem.
A história de Borderlands 3 não tem muito espaço para inovar, é certo. O esquema de enredo encontrado nos jogos anteriores é logicamente repetido aqui. Uma Siren chama quatro caçadores para travar vilões perigosos e encontrar a glória em cofres escondidos. Tudo é embrulhado numa acção “over the top”, com imensa violência, muitos diálogos estranhos e imensas piadas. Troy e Tyreen Calypso, até são antagonistas competentes, dando-nos uma série de momentos de puro entretenimento. Se nos conseguem fazer esquecer Handsome Jack é que é mais subjectivo.
Além de Lilith, muitas personagens dos jogos anteriores fazem uma aparição, inclusive anteriores personagens jogáveis e NPCs. O que ajuda a enriquecer o argumento e conteúdo, mas não muito. A dada altura, sinto que a história se arrasta demais até chegar ao ápice esperado. Não é possível manter um ritmo elevado de enredo durante várias horas de jogo, se, ainda por cima, depois temos algum grind pelo caminho (já explico). Ainda assim, o destino previsível da história leva algum tempo a ser atingido, o que faz com que seja, por vezes, completamente acessório e um tanto redundante. E já nem falo do nível de humor presente, que depende de cada um. Para mim, nunca ganharia prémios de comédia.
Se a história pode ser um pouco arrastada, a acção por seu lado é que merece todo o destaque. A fórmula de jogo de Borderlands foi criada no primeiro jogo, aprimorada pelo segundo e ampliada neste terceiro título. Acontece que a concorrência neste género também deu saltos de quantidade e qualidade, criando fórmulas únicas e apelativas de jogabilidade. É bom que a Gearbox se esmere para que a fórmula seja ainda significativa. E neste sentido, há boas e más notícias. As boas notícias é que, sim, a fórmula está francamente intacta, com uma série de melhorias e refinamentos que são bem vindos. As más notícias é que o jogo é vítima da sua dimensão.
Começando por aí. Em Borderlands 3 não andaremos apenas pelo planeta Pandora, sendo apenas o primeiro palco da acção, passando depois para outros planetas. Para isso, temos agora um novo hub, a nave Sanctuary. Esta gigantesca nave tem, praticamente, “toda a gente” a bordo, com todos os NPCs aliados de relevância, como Ellie para os veículos, Marcus para as armas, a Dra. Tannis na enfermaria (RIP Dr. Zed), etc. Logo neste hub vão ter o primeiro sintoma dos problemas de dimensão que falo. Embora acabaremos por “decorar” os caminhos, a nave é como um enorme labirinto, demasiado complexo e com múltiplos níveis. E, noutros lados, esta confusão será ainda maior.
Também os novos mapas dos novos planetas são gigantes e cheios de diferentes níveis e acessos remotos. E esta dimensão exagerada fica ainda mais confusa quando temos agora de viajar entre regiões dos planetas e entre os próprios planetas na galáxia. E o problema não é bem a dimensão dos mapas em si, é a sua navegação nesta vastidão. O mapa/radar de jogo até tem agora um efeito de profundidade que nos permite perceber que algo está acima ou abaixo de nós. Contudo, não nos diz como lá chegar, o que gera imensa desorientação, não havendo setas ou marcadores visuais como em outros jogos. Isto é particularmente mais frustrante quando os mapas não possuem zonas de ligação e tem poucos pontos de fast-travel, algo que nos obriga a percorrê-los muitas vezes na sua extensão para chegar a algum ponto.
Até sou apreciador desta lógica de mundo aberto à exploração… mas não a pé. Borderlands sempre teve mapas vastos que nos obrigavam a percorrê-los com os veículos que também temos neste jogo, abordando algumas missões nos mesmos, atropelando incautos ou metralhando-os. Sem preço! E nas fases onde os podemos usar, continua francamente divertido, mesmo que os controlos dos carros, ao fim de tantos anos, sejam ainda tão complexos de dominar. Mas, nem sempre andaremos em veículos e esse é o problema. Aliás, há secções inteiras nos mapas, como a cidade de Lectra em Promethea, onde não teremos quaisquer veículos à disposição. O que nos obriga a navegar a pé, com um mapa vasto, difícil de ler e sem ajudas visuais.
Com hábito, acabamos por perceber como navegar entre os vastos mapas. Os desertos de Pandora, as cidades de Promethea ou as vilas de Athena escondem também novos antagonistas para atacarmos. Os fanáticos, lunáticos e maníacos, estão de regresso com as mais rocambolescas formas e variantes. Também teremos de lidar com novas raças, com especial destaque para os Maliwans, sem esquecer as terríveis espécies de vida selvagem local em cada planeta. E é claro que teremos alguns mini-bosses e bosses para derrotar. Alguns dos primeiros grandes desafios, serão com algum destes bosses. E quando morrerem (talvez pela primeira vez) vão reconhecer uma célebre mecânica deste género.
O Grind! Sim, é óbvio que, se estiverem no nível 12 e encontrarem um boss de nível 16, não terão grandes hipóteses. O jogo prevê que regressem sempre mais tarde, passando por outras missões secundárias ou pelo mundo aberto para ganhar mais pontos de experiência e evoluir. Se não entrarem nesta lógica, vão passar um mau bocado. Sempre que puderem, executem todas as missões secundárias pelo planeta antes da missão final com o boss, pelo menos. Assim, garantem um nível mais acessível para o boss e certamente terão menos frustração a atacá-lo ou a receber dano. Mas, principalmente, garantem que possuem mais habilidades e procuram melhores armas.
Sim, há milhares de armas disponíveis em Borderlands. Milhares, mesmo. Possuem diferentes categorias, entre pistolas, metralhadoras, caçadeiras, espingardas, etc e é bem possível que joguem durante horas e não encontrem uma igual. Algumas são, de facto, semelhantes em aspecto, mas consultem as estatísticas para verem como são diferentes. Podem ter também elementos diferentes, como fogo, electricidade ou radioactividade. Cada arma também tem um nível de raridade, tornando-se mais apetecíveis e com bónus mais interessantes, quanto mais raras são. Algumas possuem grandes bónus, mas dão efeitos secundários, como uma arma que não tem recarregamentos mas aquece ao fim de um tempo de utilização, ou outra que emite um som estridente quando usada.
Se tivesse de destacar algo único nesta série, eram mesmo estas armas geradas de forma procedimental. Acabamos por vender as que não usamos (até porque o inventário é limitado), mas cada arma permite uma jogabilidade diferente. Há armas com escudo adicional, outras com modificadores de tiro e há até algumas que se transformam em lança-granadas. O único aspecto que nunca gostei na série e que neste terceiro jogo é ainda mais evidente, é que não há uma única arma que seja insubstituível. Podemos gostar de uma em particular, mas teremos de a trocar por outra, eventualmente mais poderosa ou que faça mais dano. O que é pena, porque me afeiçoei a várias.
E, como é habitual, em complemento das armas, também as classes possuem um papel importante na acção. Moze é a uma pequena jovem franzina, capaz de chamar um gigante mech que, obviamente, a complementa. Amara é a nova Siren do jogo, capaz de usar braços etéreos para desancar tudo e todos. Fl4k é o beastmaster, que consegue usar os seus animais de estimação como complemento à sua espingarda de sniper. E, claro, tinha de escolher Zane, um soldado com capacidade de criar um escudo, chamar um drone ou replicar um holograma seu, sendo possivelmente a personagem mais aborrecida de todas.
A árvore de evolução permite que escolhamos uma habilidade de cada vez e a evoluamos com cada ponto de experiência ganho a cada novo nível. A evolução até é rápida no início, conseguindo abrir importantes bónus nesta árvore. Apenas considero que são precisos mesmo muitos pontos para desbloquear cada bónus de cada ramo de progressão. Talvez demais. A ideia será passarem pelo modo True Vault Hunter depois de terminarem a história principal, no que é para todos os efeitos, uma espécie de New Game Plus. Ainda assim, a quantidade de horas para desbloquear todos os perks e bónus será só possível aos mais dedicados.
Quando as habilidades, armas e bónus se conjugam, Borderlands 3 mostra que esta fórmula de tiroteios está melhor que nunca. Sim, é normal que não agrade a todos, sendo tão repetitiva. Ao fim de umas horas, já temos a fórmula decorada: chegamos a uma área repleta de inimigos, posicionamo-nos e eliminamos todos um-a-um, com tiros, granadas ou poderes especiais. No final, procuramos cada cofre, caixa, sanita ou drops de inimigos, em busca do precioso saque. Depois é rebobinar e repetir. Não é para todos, é verdade. Mas, para mim, é uma fórmula divertida e que outros jogos como Destiny, The Division, Warframe ou até o falível Anthem tenta “reinventar”. Para mim, este é ainda o “rei”.
Mas, há novidades nestes tiroteios. Se repararem, os ambientes agora possuem um elemento inédito de destruição. As barreiras de protecção de madeira, por exemplo, vão-se destruindo a cada tiro ou explosão. Também os elementos (fogo, electricidade, etc) podem influenciar os encontros, por exemplo com poças de água a conduzir electricidade ou uma explosão de uma conduta de água a causar danos colaterais. Também há mais ênfase na verticalidade, com algumas secções de plataformas, desta vez mais fluídas nas animações. São pequenos pormenores bem vindos à acção e que dão uma certa variedade, do que apenas ficar especado atrás de uma parede a fazer tiro furtivo.
E quando terminarem a história principal, não chegaram ainda ao fim. Além do já mencionado True Vault Hunter, que efectivamente vos permite repetir a história continuando a evoluir a personagem, podem sempre abordar outros modos de jogo. No difícil modo Mayhem enfrentam inimigos cada vez mais difíceis e com modificadores únicos na jogabilidade (alguns perfeitamente insanos). Ao desbloquearem este modo, também desbloqueiam os novos ranks de Guardian com ainda mais bónus e modificadores de jogabilidade à vossa personagem. E o chamado “end game” fica completo com o Circle of Slaughter, uma espécie de modo “Horde” personalizado e ainda Proving Grounds, que me fez lembrar os famosos rifts de Diablo III.
Tive a oportunidade de jogar uma boa porção da campanha com amigos em modo cooperativo e acho que é mesmo assim que este Borderlands 3 deve ser jogado. Sobreviver cada vaga no modo Circle of Slaughter com três companheiros, por exemplo, é das melhores experiências em jogo. Apenas notei alguns problemas de quebras de ligação online, pelo menos nesta versão PC onde joguei. É sempre difícil explicar o que se passou, mas pareceu-me algo no lado dos servidores da Gearbox. O que numa série que sempre brilhou a jogar cooperativamente me parece uma enorme falha. E infelizmente, este não foi o único problema do jogo.
Toda esta acção em mapas tão vastos precisam de uma boa base técnica. Toda a série de Borderlands assenta numa arte estilo “cell shading” com um design peculiar (e nada correcto anatomicamente). Muitas da personagens são autênticas caricaturas de si próprias, levando a um design estilo banda-desenhada que intencionalmente nunca foi foto-realista ou visualmente apurado. Ainda assim, pela quantidade de efeitos visuais e animações, a versão que analisámos no PC, cumprindo e ultrapassando os requisitos recomendados, deu-nos uma excelente qualidade visual, com óbvias melhorias dentro que é possível e esperado no design geral desta série.
Contudo, nem tudo correu bem. A versão PC chegou mesmo a sofrer de problemas sérios no lançamento, obrigando a alguma opções visuais mais comedidas para evitar grandes falhas de performance. Ainda assim, felizmente, durante o fim de semana pude jogar sem grandes problemas nos presets mais elevados. Apenas tive de evitar a opção DirectX 12, uma vez que causava carregamentos demasiado longos e umas quantas falhas de sincronismo. Para muitos, porém, o jogo esteve intermitente, havendo mesmo registo de crashes e outros problemas graves. O que é irónico é que uma das soluções é fechar a aplicação da Epic Games Store depois do jogo arrancar… ok.
Veredicto
Esta é, de facto, uma excelente demonstração de boa forma da Gearbox Software. Com Borderlands 3 a produtora mostra que continua a ser uma das melhores a criar uma aventura num género tão saturado dos “looter-shooters”. A história é um pouco “esticada” e os elementos são um pouco repetidos, mas a diversão é garantida, sobretudo com amigos. A versão PC, a que analisámos e a que devia ser mais apurada, não esteve isenta de problemas técnicos no lançamento. Felizmente, por esta altura, já estarão quase todos mitigados. O que interessa é que temos aqui um jogo de acção que não nos dá descanso e com imenso para fazer numa aventura cheia de humor… mesmo que não seja para todos os gostos.
- ProdutoraGearbox Software
- Editora2K Games
- Lançamento12 de Setembro 2019
- PlataformasPC, PS4, Xbox One
- GéneroAcção
Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.
Mais sobre a nossa pontuação- Jogabilidade ainda mais apurada e divertida
- Novos planetas dão variedade
- Muitas formas de jogar
- Claptrap, semrpe claptrap
- Problemas técnicos no PC
- Alguma "repetição" na fórmula
- Humor nem sempre funciona
Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.