Análise – Carrier Command 2
Dois mundos complexos colidem neste jogo. Na fórmula, está a exigente operação de um porta-aviões, encaixada no intrincado género de estratégia em tempo real. Ao mesmo tempo, há uma importante componente de simulação. Eis Carrier Command 2, um regresso com 33 anos de diferença nas mãos da igualmente regressada Microprose.
O jogo original Carrier Command de 1988 é um clássico para as velhinhas Atari ST, Commodore Amiga e 64, ZX Spectrum e até para PC. Desenvolvido na altura pela produtora Realtime Games, foi aclamado como um dos melhores jogos no género RTS de sempre, particularmente pela sua mistura de géneros, entre a estratégia e a simulação. Contudo, com mais de 30 anos de separação, o trabalho da produtora Geometa era bem mais que trazer um novo jogo baseado no original. Em 2012, a Bohemia Interactive já tinha tentado isso, com um tal de Carrier Command: Gaea Mission que, para todos os efeitos, foi um flop que vos desculpo se nem sequer ouviram falar. Agora, de Carrier Command 2, vão ouvir falar, com certeza. Nem que seja nesta análise.
O que Carrier Command 2 faz, é o que sempre queremos que uma sequela em jeito de remake/remasterização faça: não invente demasiado. Se a fórmula teve sucesso há 33 anos atrás, não vale a pena “reinventar a roda”. É preciso, porém, modernizar as coisas, especialmente os comandos e o visual. Estamos também numa era da realidade virtual, pelo que uma implementação em VR é quase essencial numa jogabilidade na primeira pessoa. Por outro lado, é também preciso que se insira uma importante componente online, algo que se torna evidentemente útil num jogo com várias vertentes. Tudo isto a Geometa fez com bastante engenho. Não quer dizer que não hajam muitas arestas para limar.
A descrição deste jogo na sua página do Steam é bem clara: este é um jogo de “estratégia, planeamento e trabalho em equipa”. Na verdade há duas formas de o jogar, uma é bastante divertida, a outra… nem por isso. Ou jogamos no formato concebido para a sua nova jogabilidade, que é numa sessão online com mais jogadores, onde verdadeiramente brilha ou jogamos a solo. A segunda opção é uma autêntica montanha-russa de emoções, entre a diversão e o caos, onde a micro-gestão de recursos, unidades e estratégia, para os menos experientes, é também uma fonte de frustração. Por isso, arrisco dizer que não devem jogar este jogo sozinhos. Isto, se não quiserem passar por um processo de aprendizagem algo extenso.
É que vivemos numa era de facilitismo, jogabilidade intuitiva e objectivos bem delineados. Muitos jogadores olharão para as lógicas deste jogo e não encontrarão a paciência necessária. Noutros tempos, os jogadores não tinham tantos tutoriais ou explicações e parece-me que a produção partiu de alguns pressupostos, especialmente que os veteranos saberiam o que fazer. Este jogo possui um manual, sim, mas muitos elementos são descobertos numa base de experimentação e erro pelos menos experientes. Há também um tutorial sucinto mas que, honestamente, nunca consegui que funcionasse para mim. Na realidade, funcionou nos primeiros instantes para dizer o que fazer para ligar algumas coisas, mas depois “largou-me aos lobos”… Desafio aceite!
A melhor forma de iniciar este jogo, é passar pelo modo de Campanha, tendo também um modo personalizado para delinear alguns elementos. Contudo, é na campanha que somos introduzido à história do jogo. Começamos a acordar na órbita do planeta Telos, a bordo de um satélite. Ao avançarmos para o cockpit, somos informados que uma organização terrorista tomou controlo de um porta-aviões na superfície do planeta e está a conquistar as suas ilhas. Cabe-nos descer da órbita numa cápsula, aterrar noutro porta-aviões e tomar controlo do mesmo para lhes fazer frente. Apesar de alguns automatismos a bordo, esta será uma operação solitária para fazer frente aos terroristas, até que o seu porta-aviões seja destruído e a campanha chega ao fim.
Quando chegamos à ponte do nosso porta-aviões, é notório que as suas várias estações não foram concebidas para apenas um operador. A navegação é controlada manualmente, assim como as aeronaves e veículos, que podem seguir waypoints mas precisam de instruções para onde ir. O objectivo é claro, avançar pelo mapa e conquistar ilhas com valiosos recursos, antes que os terroristas ganhem demasiada força por fazer exactamente o mesmo. O ritmo e planeamento é inteiramente nosso. Parece linear, até é. Pensem numa lógica de conquista de bases em qualquer jogo de estratégia. No entanto, quando misturamos o combate nesta equação, apercebemo-nos que os automatismos são limitados.
Ao encontrarmos unidades de defesa numa ilha, sejam nativas, sejam da facção terrorista, temos de fazer duas coisas: derrotar as unidades terrestres e aéreas presentes e depois lançar um drone com um vírus para conquistar a ilha em si. O combate directo entre unidades é simples, lançamos um drone aéreo, com ordens simples de waypoints e alvos a atacar. Só temos de escolher a munição e ficar atentos aos seus danos e combustível. O mesmo acontece com as unidades terrestres, pequenos veículos anfíbios armados, um deles a transportar o tal vírus de conquista. Estes combates são perfeitamente lineares. Podemos até conduzir estas unidades directamente, disparando e manobrando, dando-nos um pequeno simulador de voo ou de tanques no processo.
O problema é que o nosso porta-aviões também está no campo de batalha. E a vida a bordo não pausa. O que significa que o navio também é atacado, seja também por drones, seja por outros navios que defendem as ilhas ou até pelo outro porta-aviões que por ali anda. Então, parece que ganhamos mais braços, um autêntico polvo com uma mão em cada estação. Num ecrã, estamos a controlar as aeronaves e drones, noutro estamos a mirar e a disparar as armas de ataque e defesa, noutro estamos a manobrar, noutro estamos a gerir os danos do navio e ainda noutro estamos a pedir apoio logístico… é muito trabalho para uma só pessoa, quanto a mim.
É possível fazer isto com um ritmo próprio, admito. Mas, para mim, cansa rapidamente. É por isso que digo que este jogo foi concebido para ser jogado com mais jogadores. Até porque o adversário parece fazer alguma batota. Se observarem o mapa completo, verão que os terroristas avançam muito mais rápido na conquista que nós. Esse é, aliás, um dos problemas do jogo, é o desequilíbrio no ritmo nos adversários, especialmente porque o inimigo parece sempre beneficiar de ventos e marés favoráveis para avançar mais rápido que nós. Posso estar a exagerar um pouco mas, de facto, sinto que a solo, o jogo nos dificulta a vida um pouco demais. Acho mesmo que o faz por desígnio.
Agora, com mais jogadores, a conversa é outra. Aliás, basta só mais um jogador e tudo muda de figura. Podemos juntar mais pessoas, sim, mas basta uma para lidar com uma área específica e tudo se torna mais fluido, desde que haja, obviamente, comunicação. Tive a oportunidade me juntar a algumas sessões e a carga de tarefas distribuídas torna tudo bem mais simples e focado. Numa sessão fui comandante do navio, manobrando-o, gerindo defesas e logística, ao mesmo tempo que ajudava em algumas operações de ataque com drones. Noutra, foi um simples operador de drone, inteiramente focado nas aeronaves. Nada de micro-gestão avulsa.
Entendo que a produção quisesse manter-se fiel ao jogo original de 1988 para quem jogasse a solo. Entendo que o desafio é mesmo dominar “o todo”. Mas, online é onde quero jogar. Não porque não queira o desafio acrescido, mas porque acho que o caos de “fazer tudo ao mesmo tempo” não funciona sempre. Muitas vezes frustra, especialmente quando sentimos que a inteligência artificial não possui as mesmas restrições. Com mais jogadores, pela primeira vez nas minhas passagens pelo jogo, conquistámos mais ilhas que o inimigo no mesmo espaço de tempo. Se calhar, uns automatismos adicionais, como os drones procurarem sozinhos os alvos ou algo do género, seria bem vindo quando jogamos a solo.
Claro que um jogo dos anos 80 teria um grafismo francamente limitado ao hardware de então. Seria de esperar que esta sequela tivesse um aspecto visual, efeitos e geometria bem mais apurados. Sim, de facto, temos um melhor aspecto visual, com muitos efeitos e animações de encher o olho. Contudo, a produção apostou num aspecto retro em voxel art que, mesmo parecendo obviamente mais moderno que o original, lhe confere um aspecto clássico que gostei bastante. Este é também um jogo francamente leve, com pouco mais de 500MB de dimensão e tempos de carregamento rápidos. Isto, contando ainda com uma banda-sonora retro a condizer.
No plano técnico, quero só finalizar por assinalar que o jogo pode ser jogador com teclado e rato, mas também com gamepad. Aconselho vivamente a jogar com um gamepad, não tanto pela interacção na ponte do porta-aviões mas, sim, pela operação dos drones, especialmente os veículos aéreos. É possível jogar muito bem com teclado e rato mas, sobretudo nas aproximações para aterrar, as manobras são um pouco mais complicadas de executar com teclas. Podendo usar os thumbsticks analógicos do gamepad para essa operação que me parecem muito mais intuitivos. Os puristas, porém, podem sempre discordar de mim.
Veredicto
33 anos depois, estou certo que há uma legião de veteranos a pegar em Carrier Command 2 e a reviver tudo de uma forma natural. De facto, a Geometa teve imenso cuidado em reconstruir a jogabilidade clássica desse título, dando-lhe o devido toque de modernização, sem perder o essencial. Tenho algumas reservas quanto à carga de trabalho jogando a solo e creio que mais automatismos seriam bem vindos. Por outro lado, a Inteligência Artificial podia ser um pouco mais equilibrada. Tirando isso, este é um clássico renascido, um pequeno grande jogo que nos faz regressar a uma era em que os jogos se tornaram memoráveis, não tanto pelo aspecto técnico mas, sim, pelo seu engenho.
- ProdutoraGeometa
- EditoraMicroprose
- Lançamento10 de Agosto 2021
- PlataformasPC
- GéneroEstratégia, Gestão, Simulação
Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.
Mais sobre a nossa pontuação- Grafismo muito polido em Voxel Art
- Muito fiel ao original de 1988
- Jogabilidade cooperativa online
- Algo frustrante a solo
- Controlos dos drones com teclado e rato
- Inteligência Artificial precisa ser mais branda
Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.