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Análise – Concord

Ah, os “hero shooters”. Ora são tão amados, ora são odiados. Talvez tenhamos sido um pouco duros com Concord quando o analisámos na sua fase Beta. Talvez os Firewalk Studios precisem de mais uma chance para convencer.

Mais que dizer que “gostos não se discutem”, é preciso também dizer que muita da apreciação de novos títulos envolve tempo. É preciso jogá-los por algumas horas para ver como é a experiência e como se desenvolve, especialmente com jogos como serviço, como é o caso. Jogar uma Beta num fim de semana, limitada que foi em modos de tempo e conteúdo, pode não ser assim tão justa para nos dar um veredicto concreto. É por isso que não costumamos ter uma avaliação nessas previsões de Betas. São meros relatórios do estado de uma produção em curso, que não devem ser vistos como definitivos. Até porque essas Betas servem exactamente para desenvolver melhor o jogo. Contudo, há uma coisa que fica logo evidente nessas fases de testes: se o jogo é para nós ou se, pelo contrário, a sua audiência é outra. É, obviamente, bastante subjectivo mas, de facto, os “hero-shooters” não são para todos.

Curiosamente, porém, a nossa análise à Beta de Concord não está muito longe da sensação que tivemos nestes últimos dias a jogar a versão final. Contava continuar a jogar pelo fim de semana adentro para publicar esta análise final na próxima semana, pensando que iria gastar este tempo a ser surpreendido por um jogo final bem mais refinado em visão e conteúdo. O que vos posso adiantar, desde já, é que não foi nada disso que aconteceu, acabando uma vez mais desapontado, talvez por causa dessa espectativa inflada. Nem tudo é, de facto, desapontante, notem. Mas, de um modo geral, reafirmo o que já disse anteriormente: “a diversão possível [deste jogo] exige uma dedicação que será muito difícil de justificar se oferece tudo a correr e sem ideias próprias, parecendo um colecção de conceitos tirados de Destiny e Overwatch”.

Honestamente, podia acabar já aqui a minha análise com estas três linhas mas não seria justo dizer isto (outra vez) sem explicar (melhor) porquê. Um mês e pouco de produção após as duas fases Beta não seriam jamais suficientes para mudar algumas questões de fundo neste título, pelo que não esperei sinceramente que o jogo final fosse alguma surpresa transformadora. Mas, lá está, eu queria mesmo gostar desta experiência, até porque há quem goste muito e se expresse online de forma entusiástica, como se Concord lhe preenchesse as medidas por completo. Será que o problema sou eu? Outra vez? Peguemos lá no comando uma vez mais, partindo do zero, sem preconceitos.

Este é um sub-género muito bem enraizado na categoria dos “shooters” na primeira pessoa, envolvendo modos competitivos (PvP) e contendo personagens ou heróis com armas e poderes únicos. Existe um lore em torno da acção que é até bastante profundo, dando a entender que, em tempos, houve uma possível intenção de fazer algum modo de carreira a solo ou coop para este jogo. Algo que, honestamente, não me importava nada de abordar. Recentemente, a produção disse que esteve a trabalhar durante 8 anos em Concord. Tanto tempo num mero “shooter” PvP parece algo excessivo. Essa larga janela de produção nota-se bastante neste vasto lore, incrivelmente bem talhado, com cenas intermédias muito bem produzidas para nos dar a conhecer estas personagens tão intrigantes.

Eles são os Freegunners, mercenários a bordo da nave Northstar que deambulam pela galáxia em busca de missões que paguem bem. Após uma breve introdução para mais uma missão, percebemos que este é apenas o início de uma história que será contada lentamente e que até entusiasma amiúde, muito por causa da sua óptima direcção. As cenas intermédias dão-nos a conhecer bem as 16 personagens que vão contando essa história potencialmente interessante mas… não me levem a mal. Ao fim de umas horas, notarão, como eu que estas histórias não servem para muito mais que enquadramento da acção que nos espera nos modos centrais multi-jogador. Entendo o intuito mas é inevitável achar que esta narrativa acaba por ser um pouco ignorada, chegando mesmo a ser um pouco excessiva.

Se compararmos os jogos que inspiram este jogo, de facto Destiny e Destiny 2 tinham também um vasto lore e uma história em vários capítulos para dar suporte à acção, tendo igualmente cenas intermédias de elevada produção. Mas, esse não era um jogo inteiramente competitivo, sendo essa história um óptimo suporte para um modo a solo ou cooperativo de elevado destaque, além do devido enquadramento dos modos competitivos. Já Overwatch teve uma história intencionalmente acessória, que só queria estabelecer um pano de fundo para as personagens, não sendo assim tão elaborada quanto isso. Só recentemente foi expandida para algo mais virado para uma narrativa contínua e isso não correu muito bem para esse outro título.

Concord, portanto, perde um pouco de tempo com um enredo que, até pode ser interessante a curto prazo, mas que acabamos por ultrapassar para nos focarmos na acção em si. Há um motivo pelo qual os enredos mais profundos são mais confinados aos jogos a solo ou PvE. Quem pega num jogo inteiramente online quer é jogar, acabando a saltar muitas das cenas intermédias só porque não adicionam muito à experiência de jogo. Conhecer melhor estas personagens ou as suas desventuras não tem o impacto que a produção certamente queria. Tenho de ser incisivo aqui: se nestes 8 anos criaram tudo isto, porque não um modo de carreira para este jogo, colocando o online como secundário?

Talvez porque a Sony Interactive Entertainment queria o seu próprio “shooter” online, apostando nesta “moda” dos jogos como serviço. Embora tenha recentemente adquirido a Bungie, Destiny 2 claramente já não é o grande jogo que foi em tempos. Também o “quase, mais ou menos mas não muito exclusivo” Call of Duty fugiu para “outros lados”. A SIE quer uma fatia desse bolo tão apetecível, fica bem claro. Contudo, ao contrário de outros jogos com fórmulas semelhantes, este não é um título “free to play” com micro-transacções. É um jogo de preço inteiro (a preço simpático, é certo) e… com micro-transacções na mesma. Mas, calma. A produção já confirmou que tudo na loja em jogo será cosmético e que não haverá nenhum passe de época “premium”.

Mas, assim sendo, este é um modelo de financiamento muito estranho para este jogo. Um título inédito, com uma premissa algo batida (quantos “hero shooters” há por aí?), querendo perdurar com conteúdo futuro mas não tem um modelo de financiamento paralelo desde já? Assim, o grande retorno do investimento é nas vendas directas do jogo, não nas subscrições. Isso é um risco enorme para a SIE que vive nestes dias na espectativa que crítica e fãs enalteçam o jogo. Tudo o resto que esteja planeado, as tais micro-transacções cosméticas ou futuras expansões pagas que estejam na gaveta, estão inteiramente dependentes de que este primeiro impacto seja positivo. Enfim, houve quem pensasse nisto e achasse boa ideia. Boa sorte, então.

Dadas as circunstâncias, no meio destas incertezas que enumero, a única sugestão que posso dar não é que não apostem no jogo… apenas esperem por uma promoção de preço no futuro se querem (mesmo) mais um jogo de tiros com heróis. Nem é bem por causa do seu preço actual, é mais porque é uma incógnita se este IP terá mesmo esse futuro risonho. Não bastou a recepção morna na sua revelação, também não conseguiu surpreender assim tanto nas suas Betas. Então, não esperem grandes notas agora. Se elas existirem, questionem-nas. Para mim, o hype gerado em seu redor é um pouco volátil, talvez até simulado. É que a sua continuidade e o seu sucesso a médio/longo prazo estão inteiramente dependentes de um factor: Que os jogadores se dediquem e tornem isto num “vício”.

No que me toca, não consigo mesmo dizer que o jogo me viciou, como o fez, por exemplo Helldivers II, outra incógnita na altura mas que até deu certo. Quem nos acompanha há uns anos sabe que somos adeptos dos “shooters”, não é um problema de gostos. Mesmo os “hero-shooters” mais “chatos” que nos passaram pelas mãos, foram jogados com a devida dedicação que exigem para atingir um nível de prestações e de apreciação que nos permita dizer, com propriedade, o que gostamos e o que não gostamos neles. Até mesmo alguns títulos que não tiveram grande continuidade tiveram sempre a sua chance. Só que esses foram outros tempos, em que toda a gente queria encontrar um “Overwatch-Killer” ou um “Destiny-Killer”… até eu.

Como já ficou claro anteriormente, Concord é um jogo com óptimas ideias, foi algo que disse na análise à Beta e é algo que digo agora também. Mas também já disse que não são propriamente ideias suas. A melhor descrição que posso fazer é esta: Imaginem um jogo com os heróis irreverentes e tão distintos de Overwatch, tendo igualmente uns poderes e armas diversas e complementares, o design geral e a aventura espacial de Destiny e toda a acção e velocidade de (alguns) Call of Duty. Pelo meio, juntem alguma irreverência e humor de outros lados, como Guardians of the Galaxy. Penso que ficam com uma óptima ideia da fórmula encontrada aqui, uma que, eu admito, tem tudo para entreter qualquer jogador.

Mas, lá está. Com tanto dentro da “panela”, há que misturar isto tudo de forma consciente e equilibrada. Para mim, a acção em jogo é bastante trabalhada para ser algo na onda das suas inspirações. Mas, não consegue atingir esse objectivo. É francamente frustrante a forma como podemos gastar a munição total de armas e não eliminar um inimigo, por exemplo. Ou como os poderes e armas especiais são tão desequilibrados, que se tornam desinteressantes em quase todos os heróis. Há umas poucas excepções nestas armas e poderes que, por seu lado, são tão poderosas que se tornam irritantes. Dirão que é uma questão de persistir e encontrar uma equipa equilibrada de “tanques”, “healers”, “rangers”, etc. É verdade! Mas, acreditem, ainda hoje estou à procura desse equilíbrio.

Mesmo que encontrasse esse equilíbrio, algum tipo de interacção mais atraente ou um herói que me preenchesse as medidas, não consigo encontrar nada que me faça gostar do “time to kill” deste jogo. É exagerado, sem grande justificação, quanto a mim. Todas as personagens são “esponjas” de balas que só são eliminadas se dois ou três elementos da equipa disparam para elas. O contrário também é verdade, é certo, já que também demoramos para ser eliminados mas, isto cria uma certa sensação de inutilidade em algumas armas, parecendo que fazemos cócegas aos adversários antes deles todos se virarem e nos executarem, qual esquadrão de fuzilamento sem piedade.

Neste momento, podia estar aqui a descrever cada personagem, falando das suas características, melhores combinações, melhores estratégias. Mas, perdoem-me, há muitos artigos e vídeos já online sobre isso e, honestamente, as fórmulas são tão diversas que me parece que esses “especialistas” também não encontram o “ponto” certo. Não há uma personagem que se destaque verdadeiramente, apenas pelos piores motivos por conter elementos que são quase “cheats”. Por exemplo, as granadas de fumo que cegam os inimigos mas revelam as suas silhuetas ou uma incrivelmente chata esfera que anda pelo mapa a caçar adversários para os danificar. Para todas as armas e poderes há uma contramedida, é certo, mas quando a descobrem é quase sempre depois de muita tentativa/erro e frustração.

Mas, lá está, com dedicação lá encontramos o ténue equilíbrio, aquela personagem com quem conseguimos jogar melhor ou aquela estratégia que parece funcionar em mais ocasiões. Só que inicialmente é tudo muito confuso, com demasiadas armas e poderes diferentes para experimentar, tornando-se aborrecido entrar no modo de treino só para testar tudo. No meu ponto de vista, este jogo beneficiaria imenso a sua curva de aprendizagem por, simplesmente, ter menos personagens. Ou, pelo menos, ter menos tipos de armas de poderes. Acho até que isso facilitaria a produção do jogo, focando-se em bem menos combinações possíveis quanto ao equilíbrio da jogabilidade.

É que, depois de experimentar tudo em tantas partidas só para chegar a um ponto em que nos sentimos à vontade para jogar… instala-se o inevitável aborrecimento deste tipo de jogos. Um dos aspectos mais voláteis em Concord a médio prazo: perceber onde a base de jogadores irá estabelecer-se o suficiente sem se aborrecer. Sem uma boa equipa ao nosso lado, estamos literalmente à deriva a descarregar munição em adversários que não morrem, nem com uma série de headshots bem apontados. Seja nos modos de combate directo ou por objectivos, só mesmo com amigos ou um grupo organizado é que este jogo será minimamente positivo, perdendo muito brilho no matchmaking, em especial com o cross-play entre PC e PS5 ligado.

Os mapas são… bom, são cumpridores, não consigo destacar nenhum em particular, variando de aspecto (como não podia deixar de ser) mas mantendo um desenho e trajectos mais ou menos parecidos entre eles. O que destaco mais é que estes mapas deviam ser revistos, já que uns têm áreas demasiado amplas para um jogo de 5vs5 e outros são demasiado labirínticos em alguns pontos. Acredito que mais e melhores mapas estarão em concepção, pelo menos dado o conceito de missões sazonais em que a progressão se baseia (já lá vamos). Mas, não sei se chegarão a tempo de manter uma boa base de jogadores que, em poucos dias já conhecem todas as posições e manhas destes 12 mapas desequilibrados.

E como é que a produção achou que nos iríamos entusiasmar para continuar a jogar? Com pontos de experiência, que funcionam mais ou menos como uma “divisa” de jogo. Esta uma lógica até engenhosa, como a dos mercenários que são pagos por cada missão. Estes pontos são ganhos por missão e por objectivos concretos, como usar uma determinada arma, fazer uma combinação de ataque, completar um número de missões, etc. Mas, depois, vamos usar essa “divisa” para… desbloquear novas peças de cosmética. Outros jogos fizeram isto com resultados positivos, sim, mas nem todos. Não vejo como bancar pontos em itens sem intervenção no jogo pode ser motivador para continuar a jogar a longo prazo. Nem vejo como isto pode substituir a recompensa de ganhar uma habitual nova arma ou uma nova armadura.

Sem grande pressão para ganhar partidas, resta à produção simplesmente apelar à mente competitiva dos jogadores. E isso vale o que vale. Fazer missões diárias, semanais ou mensais para ganhar XP para depois não ter mesmo nada de modificador ou evolutivo para gastar, parece-me inócuo. Seria mais interessante ganhar upgrades ou até novas personagens, mesmo que depois não houvesse grande novidade a nivelar a personagem. Não sei se está nos planos da produção um dia adicionar outra coisa que não seja “mais do mesmo” mas espero sinceramente que assim seja. Talvez uma progressão mais compensatória talvez até um movo PvE para complemento. Talvez esta fase seja apenas o início mas, aqui entre nós, se era assim que queriam começar, não creio que tenha sido a melhor opção.

Para que não pensem que tudo é mau, confirmo que há bons pormenores aqui. O plano técnico neste jogo representa para mim o seu ponto mais positivo. Tudo emana qualidade de conceção, desde o grafismo apurado e animações de topo das cenas intermédias, ao áudio e banda-sonora impecáveis, sem esquecer o casting de vozes que transmite toda a “vibe” necessária. Quando saltamos para as arenas em si, seja no PC ou na PlayStation 5 (ambas analisadas), este é um jogo deslumbrante, em particular nos efeitos visuais e na iluminação geral. De facto, este jogo tem uma produção muito elevada a nível técnico. Há só uma ligeira cadência de performance em algumas secções mais caóticas, mas nada que não se “cure” com uma actualização ou duas para optimização.

Veredicto

Eu queria mesmo gostar de Concord, talvez porque joguei com quem adorou o jogo e tentou contagiar-me. Dei uma chance aos Firewalk Studios para me surpreenderem no jogo final, tentando não trazer comigo algum preconceito ganho na Beta. Mas, no final, continuo com a mesma opinião. Se este jogo fosse lançado há uns 10 anos, tornava-me imediatamente um fã. Infelizmente, os “Hero-Shooters” já não têm a mesma tracção e as óptimas ideias aqui implementadas não são, quanto a mim, equilibradas. Já poucos têm paciência para encontrar um ponto de equilíbrio em tantas personagens e combinações de armas. Por outro lado, a sua jogabilidade demasiado nivelada, um “time-to-kill” exagerado e a progressão desinspirada não me fazem querer jogar as horas de dedicação que me pedem. Ainda há margem para melhorar, sim, quero um dia voltar à Northstar e ser positivamente arrebatado. Mas, não será hoje.

  • ProdutoraFirewalk Studios
  • EditoraSony Interactive Entertainment
  • Lançamento23 de Agosto 2024
  • PlataformasPC, PS5
  • GéneroAcção
ok
OK

Podia ser melhor mas tem alguns pormenores positivos que podem agradar a muitos jogadores.

Mais sobre a nossa pontuação
Não Gostámos
  • Lógica de danos no combate leva ao fenómeno "esponjas" de balas
  • Progressão sem grande incentivo
  • Alguns mapas são demasiado grandes para a quantidade de jogares
  • Demasiadas personagens, armas e poderes para lidar

Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.

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