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Análise – Crusader Kings III

Se há algo que aprendi bem sendo a analisar jogos, sobretudo os títulos RTS (Real Time Strategy), é que nunca devemos avaliar a qualidade um jogo numa primeira abordagem apenas. Crusader Kings III da Paradox Interactive é, quem sabe, um dos melhores exemplos desta máxima que descrevi acima.

É que nos primeiros minutos deste jogo, não terão grandes cenas intermédias de CGI de encher o olho. O interface de jogo não possui grande animações ou efeitos visuais tremendos. A jogabilidade parece ser tão entusiasmante como mexer em janelas do Excel. Não exploramos mapas, não fazemos parkour, nem sequer guerreamos de espada em punho. Quem tem experiência naqueles RTS puros, “old school” mesmo, não estranhará esta fórmula que é apresentada no ecrã. Mas, esta geração “Battle Royale”, se calhar, passará ao lado de jogos como Crusader Kings III. Não deviam, perderão uma “pérola” bem polida. Por detrás do seu aspecto simplista, está um jogo robusto, incrivelmente viciante e envolvente. Mais uma obra-prima das mãos da Paradox.

O grande trunfo deste jogo está na história que conta. Ou melhor, na História que conta, a tal que se aprende na escola (e não só), mas com um toque pessoal… o nosso. Não vamos aqui seguir um guião pré-definido, a não ser que olhem para aqueles manuais escolares da história das civilizações medievais como potenciais “guiões” de entretenimento, qual George RR Martin a escrever uma certa série famosa. Aqui, temos a rédeas da própria História, tomando decisões que reverberam por anos e que podem até mudar o rumo de um inteiro Continente… ou apenas da nossa família disfuncional. E esta jogabilidade passará gerações, dando-nos momentos absolutamente épicos de grandes vitórias e derrotas estrondosas que reverberam por séculos. Tudo isto, sem uma única cena intermédia de acção.

Para quem não conhece este género de todo, aviso também que a diversão não está num possível fim do jogo, mas sim na longa jornada para lá chegar. Com isto em mente, os amantes de enredos densos, intrigantes e cheios de ramificações, como um bom livro que odiamos terminar, estarão em casa. Com esta fórmula tão entusiasmante, junta-se uma jogabilidade algo dura, que pune erros de forma profunda ou recompensa de igual forma as decisões geniais. Mas, admito, por mais que goste tanto deste jogo, não é para todos os gostos. Exactamente ao contrário do que digo acima, muitos julgarão este título pelo seu aspecto, pelo seu impacto inicial ou pela sua aparente apatia visual. Mas, prevejo que outros poderão simplesmente aborrecer-se.

Mas, por baixo desta “casca dura”, está mesmo um excelente jogo, um daqueles que, diria, teria tudo para ser um clássico, bastando que fosse lançado uns anos antes. Por baixo deste seu aspecto simplista, está um enorme trabalho de criação, com muito cuidado com os pormenores e nos elementos credíveis históricos. Pela primeira vez nesta série, as personagens são tridimensionais, com um cuidado exemplar até mesmo a dar feições credíveis e onde se notam traços familiares entre membros da mesma Casa. Uma nota muito positiva é que muitas palavras clássicas possuem uma “tradução” moderna. É que nem todos entenderão expressões e frases medievais, algumas perdidas no tempo.

Há também uma interessante árvore de comportamento, bem ao jeito dos RPGs e que nos dá uma “linha de ideais” para tornar as nossas acções mais contextualizadas, por exemplo, sendo mais erudito ou mais bélico na nossa actuação. No rigor, este é um jogo de decisões, pelo que teremos sempre uma forma de actuar, moldada pela nossa própria forma de jogar. Por exemplo, podemos provocar medo nos inimigos pelas nossas acções mais intempestivas e isso reflecte-se nas nossas regras e moral mais “brutais”. Claro que tudo tem repercussões, com prós e contras que se reflectem em situações mais ou menos esperadas. Esta imprevisibilidade confere uma enorme ênfase no Role Play, deixando-nos usar este “recreio” para gerar um líder piedoso ou um fanático tirano.

A melhor forma de descrever esta jogabilidade é explicando como passei as minhas primeiras tentativas de erguer um Império. Como não podia deixar de ser, decidi iniciar-me pela Galiza, no protótipo de um Reino que, esperava, um dia se tornaria Portugal… ou algo parecido. Na minha ambição, lancei-me em epopeias de conquista ao Sul, conseguindo mesmo o resultado inicialmente esperado: chegar ao Algarve. Tornei-me dono e senhor de uma boa porção da Península Ibérica ao fim de um tempo. Mas, porquê parar por aí? Porque não conquistar o resto da Espanha e mesmo a França? Porque não toda a Europa? A ambição deu lugar à perfeita loucura de conquista, qual Napoleão iludido.

É aqui que se abate a dura realidade. Este não é um jogo para facilitar ninguém. Não é bem o jogo do Risco onde se ganham batalhas por somar pontinhos de dados. Aqui, também contam as manobras de bastidores. E convenhamos que tomei algumas iniciativas de forma menos ponderada. Na minha sede de conquista, comecei por perder aliados, por causa das suas alianças pessoais. Basicamente comecei a conquistar reinos que possuíam laços com os meus aliados. Assim, a minha influência decresceu rapidamente. No auge, fui traído, com um filho meu a rebelar-se com o apoio dos meus ex-aliados. E quando me preparava para retaliar… morri. Sim, nesta era morria-se bem cedo, seja a combate, seja por uma simples gripe. A medicina não era o que é hoje, claramente. Mas, não baixei os braços.

A minha segunda linhagem foi bem mais prudente. Ao invés de campanhas directas de conquista como soberano conquistador pela espada, passei a tirano conspirador. Tornei-me mestre a usar subterfúgios e alianças improváveis para exercer influência. Em breve, a esteira das minhas “conquistas”, era bem maior que o que fiz pela espada, tudo isto simplesmente a obter favores de senhores e entidades influentes, nem sempre com os melhores interesses de todos em vista. E, desta vez, eduquei melhor os meus filhos, dando-lhes sempre uma certa medida de poder em troca de lealdade. A dada altura notei que tinha criado uma corja de víboras a chantagear meio mundo. Nada de diferente de famílias poderosas da realidade, portanto. Estava agarrado ao poder por esta altura.

No meio desta epopeia, sim, passamos mesmo por alguns eventos históricos que, de facto, aconteceram no passado. Personagens reais são devidamente representadas, como soberanos famosos e extraídos da história. As suas vidas sofrem evoluções e desfechos mais ou menos realistas. Claro que estaremos a mudar um pouco o rumo da História e, com isso, também os eventos que se passaram na realidade sofrerão óbvios desvios. Este é um jogo que usa a História como base, notem, não é propriamente uma extensa lição interactiva. E ainda bem porque, a considerar a História de Portugal, as coisas não correram muito bem depois para nós. No jogo, porém, tornámo-nos num vasto Império influente.

Por mais que goste deste jogo, há alguns elementos que considero demasiado difíceis de lidar. Entre eles, claro, a quantidade de janelas e menus que teremos de navegar para as várias acções e opções. Aconselho vivamente que passem pelo tutorial, não o saltem, ou ficarão incrivelmente perdidos lá para o meio. Foi o que me aconteceu, confesso, pensando eu que já era suficientemente “batido” em RTS. Sim, a fórmula é parecida com outros jogos, mas as pequenas nuances deste jogo farão uma clara diferença. Temos de lidar com imensos pormenores, desde educar a nossa prole, gerir as finanças de um reino inteiro, erguer exércitos, apostar na cultura, cuidar da diplomacia, entre outras actividades. São elementos tão díspares e complexos, espalhados por várias áreas e secções que convém conhecer bem antes de sequer começar a tomar decisões.

E há um certo risco latente que a Paradox tem de ponderar. É urgente ajustar o ritmo de jogo para que a jogabilidade não se torne enfadonha. Guerrear ou conspirar constantemente pode ser divertido, mas é exaustivo e muitas vezes frustrante, sobretudo por causa dos menus complexos. Eventualmente, acabamos por apostar numa espécie de “aposentadoria” e acalmar a actividade, talvez acelerando o tempo de jogo aqui e ali. É aí que se instala a repetição de acções, uma certa “velocidade cruzeiro” e é onde também pode aparecer o tal aborrecimento. Penso que é uma questão de equilíbrio, claramente. Não só na nossa forma de jogar, como aconteceu no meu exemplo dado acima, mas também no próprio algoritmo do jogo. Mas, não se preocupem, os imprevistos acontecem e nenhuma passagem é igual à anterior, felizmente.

Veredicto

Entre a chantagem, a conspiração, a revolta, a tirania ou a magnanimidade, Crusader Kings III podia muito bem ser um simulador de moral, como uma resposta à pergunta “o que faríamos numa posição de poder?”. De facto, é no poder que nos dá que este jogo se revela tão denso e tão entusiasmante. Chega a ser tão ou mais empolgante seguir a nossa própria história, como ler uma daquelas sagas bem escritas, tipo Game of Thrones. E tudo está muito bem escrito, diga-se, com imenso cuidado para ser historicamente correcto. Pode não ganhar grandes prémios visuais, mas há umas quantas inovações para se tornar visualmente competente. Intimida qualquer novato, é por vezes implacável e difícil de “digerir” e a falta de um “fim” pode intimidar muita gente. Mas, erguer um Império e conquistar o mundo, nunca foi tão interessante.

  • ProdutoraParadox Interactive
  • EditoraParadox Interactive
  • Lançamento3 de Setembro 2020
  • PlataformasPC
  • GéneroReal Time Strategy
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Sem pontuação

Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.

Mais sobre a nossa pontuação
Não Gostámos
  • Pode tornar-se algo aborrecido
  • Dificuldade em alguns momentos precisa de ajustes

Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.

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