Análise – Death Stranding (Actualização: Director’s Cut)
Continuo a achar esta mais recente obra de Hideo Kojima uma “montanha-russa” de momentos. Um turbilhão de ideias tornadas jogo, com momentos incrivelmente brilhantes e outros que só nos fazem franzir o sobrolho. Mesmo parecendo tecnicamente impossível, esta nova versão “Director’s Cut” de Death Stranding é uma versão melhorada dessa estranheza.
Considero-me fã de Kojima, pelo que não é muito difícil listar os pontos positivos que os seus jogos possuem. O que é mais difícil é justificar alguns momentos de estranheza inerentes às suas obras. Pela terceira vez, estou neste universo, depois da versão original na PS4 e da versão portada para PC, duas experiências singulares que poderão acompanhar lendo esta análise mais abaixo. Agora que Sam Porter Bridges chega à PS5, convenhamos que já chego com outra apreciação e experiência. Confesso que me sinto agradecido pela possibilidade de saltar cenas intermédias, algumas delas com vastos minutos. E também estou agradecido por conhecer as muitas mecânicas de jogo, as principais peripécias e desenlaces da história e até as pequenas “birras” técnicas do jogo. O que fez Kojima para me cativar uma terceira vez?
A principal novidade, claro, é a chegada do jogo a mais uma plataforma mais potente que o original, desta feita à PlayStation 5. Embora o jogo já tivesse óptimo aspecto na anterior PlayStation 4, a óbvia capacidade técnica superior da mais recente consola da Sony, dá realmente uma nova vida ao jogo.
Mesmo que no menu surja a opção de usar o teclado e rato para jogar, o DualSense é usado de forma exímia, como não podia deixar de ser num exclusivo PS5. As vibrações únicas personalizadas do feedback háptico são realmente imersivas, assim com as luzes e sons únicos produzidos pelo comando. Apenas achei que os gatilhos adaptativos podiam ser melhor usados em algumas ocasiões.
Para mim, porém, o maior dos destaques na PS5 é a velocidade geral de carregamento de tudo, desde savegames que demoram meros segundos a carregar ou fast travel quase instantâneo. Tudo se move com uma rapidez incrível, quando na anterior consola podia demorar um pouco a carregar. A aventura pode demorar um pouco a desenvolver, sem dúvida, mas Sam tem pressa e nós também.
Visualmente, também há óbvias melhorias a assinalar. Temos duas opções no menu, uma a privilegiar a performance e outra a privilegiar a qualidade visual. Ambas elevam a resolução para 4K, mas só a primeira garante 60fps. Por causa da melhoria geral de polígonos, texturas e efeitos visuais, quando preferimos o qualidade sobre a performance, os fps descem para metade, se bem que notei oscilações em algumas secções. Honestamente, o jogo é já tão bonito visualmente que não notarão grandes diferenças entre os dois modos. Na dúvida, optem pelo modo de performance que certamente vos dará óptimos momentos na mesma.
Além do visual, a Kojima Productions aproveitou para adicionar conteúdo ao jogo, de uma forma que não fosse demasiado intrusiva ou forçada. Bom… quase sempre. No menu, vão encontrar um modo visual que, sinceramente, poucos criadores de jogos tentariam inserir. Mas, estamos a falar de Hideo Kojima, o mesmo produtor que achou por bem colocar o protagonista a tomar banho ou a urinar como mecânica de jogo. Que tal jogarem no formato cinematográfico “Letterbox” que, literalmente coloca duas enormes barras pretas no ecrã para criar um efeito panorâmico na imagem? Bem vindos ao universo de excentricidade de Kojima.
Outras adições ao jogo serão igualmente estranhas. Temos agora em cada base uma carreira de tiro para enfrentar umas quantas missões de combate. Considerando que o combate em si é até desencorajado (excepto contra bosses e BTs, claro), é quase uma contradição. Entendo que seja uma tentativa de tornar o jogo um pouco mais activo, embora este modo de forma alguma consiga esconder a sua base de “walking simulator”. A ideia é apostar nas várias missões em ambiente virtual para pontuar e competir num quadro de liderança. Entendam isto como mais uma actividade paralela, redundante e quase irrelevante e, ainda assim divertida, como muitas outras em jogo.
Felizmente, há novidades bem mais interessantes e que se tornam realmente relevantes para a jogabilidade. A que mais gostei foi a expansão de capacidades do Buddy Bot. Anteriormente, este simpático robot apenas podia fazer entregas automáticas de missões secundárias que não podíamos fazer. Agora, podemos criar um para nos acompanhar e carregar o nosso peso (e nós próprios). Anteriormente, só com veículos ou com a plataforma móvel é que podíamos carregar carga adicional. O robot é incrivelmente ágil, segue-nos sempre para todo o lado (apenas em zonas com cobertura da rede) e regressa a uma base se não puder acompanhar-nos.
Noutras adições, temos agora uma prática catapulta de carga que lança os pacotes em distância. É bastante prático, sim, no entanto, acho que desvirtua um pouco o papel de Sam e a ideia que é ele que carrega a carga, sendo essa a lógica de quase todo o jogo. Poderão também encontrar algumas novas missões, um pouco mais viradas para a acção. Temos novas armas também para esse efeito, aqui sim a tentar forçar mais o “tiro neles”. Não é desta que o jogo vira um “Metal Gear”, calma. Mas, vão encontrar algumas… “referências” peculiares. E mais não digo.
Nas salas de repouso, encontrarão novas canções adicionadas à vasta banda-sonora, assim como a capacidade de jogar novamente contra os bosses do jogo, aqueles pequenos bonecos verdes irritantes não perdem por esperar! No mundo de Death Stranding terão também a possibilidade de fazer acrobacias com novas rampas de truques e até encontrarão uma pista de corridas para motas e carros. Não, também não é desta que temos um “Gran Turismo Stranding” mas… enfim, é mais uma forma de divertir entre as missões mais aborrecidas.
Outras novidades são francamente mais subtis e acho que faz parte da diversão descobri-las por vocês mesmos. Claro que só os veteranos deste jogo é que as verão como “adições”, os demais talvez nem se apercebam que são novidades. Todas contribuem para um jogo rico em detalhes, referências e até “cameos” de gente famosa. Pisquem o olho e notarão que as latas de Monster Energy foram trocadas por uma marca nova, por exemplo. De notar que algumas expansões e DLC foram também adicionadas ao jogo, anteriormente exclusivas de uma ou outra edição do jogo, por exemplo, os elementos de crossover de Half-Life antes exclusivos da edição PC.
Veredicto do “Director’s Cut” de Death Stranding
Ao fim de quase 3 anos de vida, Death Stranding continua a ser um marco importante na história dos videojogos. É um ponto de viragem para uma das mentes mais brilhantes desta indústria, criando algo sem barreiras, sem entraves ao seu génio criativo. O que nem sempre funciona bem, convenhamos. Perante uma estranheza latente, um casting impressionante, uma história cheia de elementos díspares e um visual impressionante, está muito bem na PlayStation 5, onde realmente parece sentir-se em casa. Enfim, será a edição definitiva do jogo, mesmo que o director nem concorde com o título.
[Actualização da versão PC de 13 de Julho de 2020]
Costuma-se dizer que as boas obras são como um bom vinho. Consoante “envelhecem” ganham melhor “sabor”. Não se pode dizer que Death Stranding foi um jogo consensual quando foi lançado no ano passado para a PS4. Mas, digamos que é um “gosto adquirido”. E agora tem uma nova chance no PC.
É assim Hideo Kojima. Os seus jogos não são propriamente para todas as audiências, resultando numa mistura de obra de arte e jogo, como se fosse um “filme jogável”. Kojima teve em Death Stranding uma imensa liberdade para criar algo verdadeiramente único. Pegou no emblemático Decima Engine da Guerrilla Games, juntou um punhado de grandes actores para dar corpo à sua complexa teia de personagens e depois deu à história um formato enigmático, como só ele sabe fazer. O resultado é tanto uma obra-prima, como uma provocação a vários dogmas e ainda uma enorme metáfora à forma como os Humanos precisam de se ligar. Sobre o que achei do jogo, mantenho tudo o que disse e que podem ler em baixo. A versão PC traz ao cimo uma nova etapa para este jogo.
Para além de melhorias significativas grafismo, sobre as quais falarei mais abaixo, esta versão PC é claramente uma aposta a pensar numa audiência mais ampla. O mundo PlayStation é vasto, sem dúvida, não sei é se é suficientemente vasto para caber uma criação da Kojima Productions. Ainda por cima o gaming no PC está a tornar-se cada vez mais popular. Recordo que este jogo é apenas um de vários títulos exclusivos PS4 que estão também prometidos no PC. O que considero óptimas notícias para o mundo do gaming. Se estes jogos são fantásticos, se há parcerias possíveis para os levar a maiores audiências, porque não?
Mas, fazer um mero “port” com uns extras, não faria grande sentido. Sobretudo quando falamos de um título que teve um custo de produção tão elevado (alegadamente). Mas, já sabem que quando há um ligeiro serviço aos fãs, gostamos sempre desses “mimos”. A “parceria” com a Valve e com a série Half Life é genial. Nem falta a pequena válvula na nuca de Sam. E não esqueçam o novo modo de fotografia para captar os melhores momentos, uma estreia no PC e que também chegará à PS4. Mas, honestamente, considero esses “bónus” meramente um extra de certa forma supérfluo. Não acho que seja isso que vá aliciar os jogadores de PC a jogar este título. Ou que, quem o tenha jogado na PS4, ache essas novidades suficientemente motivadoras para uma nova compra.
O que verdadeiramente aliciará os jogadores do PC é o facto desta ser uma grande obra de Hideo Kojima, com uma história intrincada, surpreendente (acreditem que o será até ao fim) e realmente empolgante. Digo-vos com toda a honestidade que senti alguns momentos mortos e algo aborrecidos e isso fica patente na análise original em baixo. Nem sempre a jogabilidade é brilhante. Nem sempre a história fará sentido. E, sim, nem sempre o próprio protagonista Norman Reedus nos consegue cativar, nem quando faz graçolas para a câmara. Mas, como um todo, a história é uma verdadeira aventura. E o seu final é, à falta de melhor expressão, “à Kojima”. Só por isso é imperdível, mas outro argumento é evidente.
Embora a PlayStation 4, sobretudo a PS4 Pro testada por nós, trouxessem uma excelente obra para descobrir tecnicamente, é claramente nesta plataforma PC que teremos as melhores condições para elevar este jogo ao pináculo visual que tanto quer ser. Curiosamente, por mais que puxem pelo grafismo, não parece que o jogo exija demasiado do hardware moderno. Isto talvez se deva à excelente optimização feita para a mais limitada PS4, certamente acompanhados por um bom conhecimento do motor gráfico e de como “espremer” as suas capacidades. Contudo, não pensem que a qualidade é igual ou inferior às consolas da PlayStation.
Gostaria que pudessem ver lado-a-lado as duas versões. À primeira vista, curiosamente, não parece haver diferenças, o que é um bom atestado à qualidade da versão PS4. Mas, numa análise mais profunda, revelam-se várias diferenças significativas. Para já, há uma óbvia melhoria na taxa de fotogramas, sempre estáveis que, aliada ao suporte de monitores ultra-wide, proporcionam momentos realmente fantásticos. Depois há uma clara melhoria nos detalhes e qualidade das texturas, com suporte para a impressionante tecnologia DLSS da Nvidia. Esta qualidade é especialmente notável nas feições das personagens. Pelo menos visualmente, esta é, de facto, a edição definitiva deste jogo tão focado no grafismo.
Uma história empolgante, conteúdo adicional simpático, grafismo soberbo, só mesmo a jogabilidade podia ser um pouco modificada, quanto a mim. O jogo continua a preferir claramente o uso de um comando de jogo, mesmo suportando teclado e rato. As mesmíssimas virtudes e defeitos da jogabilidade estão patentes, a tal ponto, que a meio dos meus testes decidi ir buscar um Dualshock 4 à consola para continuar a jogar. Não há nada de errado de jogar com um comando no PC, notem. Apenas considero uma oportunidade desperdiçada em dar algo novo em termos de interacção, sobretudo nos menus que me parecem algo confusos na navegação com teclado e rato.
Veredicto da versão PC
O regresso de Hideo Kojima em Death Stranding foi uma viagem fantástica na PS4 que não deviam perder, marcando essa geração de consolas. Ao chegar ao PC, é obviamente um grande jogo desta geração que também não devem perder. Pode não reunir consensos, mas as suas ideias e elementos de história são intrincadas e visualmente polidas, ainda mais com claras vantagens técnicas. Pode não ter muito mais conteúdo que justifique esta sua nova etapa, é certo, mas não se arrependerão das vastas horas gastas até chegar ao fim. E o melhor de tudo é que visualmente surpreende… outra vez.
[Análise original na PlayStation 4 de 1 de Novembro de 2019]
A espera foi longa, a antecipação foi enorme e a curiosidade foi ainda maior. O que estaria Hideo Kojima a preparar para o seu próximo jogo, o primeiro criado de forma independente e com o seu novo estúdio Kojima Productions? Death Stranding chegou-nos com muito para provar e ainda mais para convencer.
Para quem não conhece o director deste jogo (quem?), Hideo Kojima foi o criador e mentor de algumas das melhores séries de acção, então editadas pela Konami. Sem dúvida a sua maior franquia foi Metal Gear Solid, onde ganhou uma legião de fãs. Um dia, um desentendimento levou Kojima a lançar um jogo incompleto (MGS V) e a rescindir o contrato de longa data com a produtora e editora nipónica. Razões à parte, Kojima precisou partir à aventura, firmando um importante acordo com a Sony Interactive Entertainment para criar um jogo exclusivo, este. Por isso, este é um projecto de afirmação, um título que tem mesmo que provar que subsiste ao teste da crítica, ora firmando Kojima como o grande criativo que é, ora exacerbando as suas excentricidades, ora… falhando completamente.
A tarefa que me é imposta hoje é traduzir uma língua muito complicada. Não, não vou traduzir literalmente a língua original de Kojima, o Japonês. O que vou tentar traduzir é a sua linguagem criativa, aquela que nos faz franzir o sobrolho e sussurrar “o que foi isto?”. É que esta linguagem não tem um dicionário editado em alguma prateleira, nem há um tradutor ao nosso lado a fazer-nos entender o que se passa. Qualquer jogo de Kojima tem esta questão da interpretação, por vezes extensa, por vezes complexa, tantas vezes ambígua. Kojima fala uma “língua” para a qual não há legendas, algumas “palavras” são traduzidas, outras nem por isso. No fundo, a interpretação cabe a cada jogador que pega no comando.
E não estou só a falar da sua complexa e intrincada história, sobre a qual falarei já de seguida. Estou também a falar das mecânicas, das lógicas de jogo e das metáforas omnipresentes. Death Stranding, aviso desde já, é um jogo adulto, sem grandes elementos de embelezamento (talvez no grafismo que já falarei) e está cheio de momentos “WTF”! Era de esperar, claro. Se pensavam que Kojima ia lançar uma “espécie” de Metal Gear, esqueçam. Há imensos (mesmo muitos) elementos que irão reconhecer no jogo, como a lógica lendária de pontuação no final das missões ou a célebre palavra “Codec” no sistema de comunicação. Como diria Dorothy para o seu cão, “Toto, já não estamos em Kansas”.
Tentando não estragar a experiência a ninguém, vou falar do enredo de uma forma algo vaga. Acreditem que não é fácil explicar esta história, mas aqui vai. O enredo Death Stranding é uma enorme metáfora para a nossa sociedade actual. Embora vivamos numa esfera social, todos nós vivemos em isolamento constante, onde a nossa única ligação são as tecnologias e as redes sociais. No mundo do jogo, os Estados Unidos da América foram alvo de um evento catastrófico que matou milhões e deixou os sobreviventes igualmente isolados. Esse evento também soltou no mundo, seres sobrenaturais que conhecemos como “Beached Things” ou “BTs”. Esses seres “alimentam-se” literalmente de vida.
Sam Porter Bridges (Norman Reedus), é o protagonista, um mensageiro que entrega carga entre o que são agora as United Cities of America. Sam tem um dom especial, um padecimento enigmático chamado “DOOMs” que o permite, não só voltar ao corpo depois de morrer, como resistir melhor à Timefall, uma chuva que envelhece tudo o que toca. Além disso, detecta BTs à distância, o que lhe permite ganhar também a fama de “melhor mensageiro”. E é numa das suas viagens que acaba recrutado pelo governo das UCA. É que Sam tem também uma relação chegada com a Presidente Bridget. A sua missão passa a ser a de usar os seus dons especiais para tentar unir as cidades da UCA de costa a costa.
A meio do parágrafo anterior, devo ter-vos perdido. Admito que é um enredo estranho, mas acreditem que fui sucinto e deixei de fora muitos outros elementos. E mesmo que tentasse explicar tudo, teria muita dificuldade de fazer a tal tradução da linguagem criativa de Kojima. A tal missão de Sam é também uma missão de salvamento do seu interesse amoroso, Amelie (Lindsay Wagner), capturada por terroristas (porque não bastam seres sobrenaturais) que conseguem manipular o estanho mundo de Sam. A missão é dada por Die-Hardman (Tommie Earl Jenkins), uma espécie de Vice-Presidente das UCA, director da empresa habilmente intitulada “Bridges” (Pontes). Sam torna-se num mensageiro, também de esperança numa América reunificada, carregando carga onde é mais preciso.
Mas, não basta Sam conseguir detectar os BTs com o seu “sexto sentido”. Antes de partir, conhece Deadman (Guillermo Del Toro) que lhe dá uma importante ferramenta de trabalho. Não, não é um computador, embora lhe sejam dadas umas algemas especiais para toda a sorte de comunicações e outras interacções. Também não é um sensor especial… bom, em parte é. Trata-se de… um bebé… sim, um bebé chamado BB, ou como Sam o chama mais à frente, Lou. Está encapsulado e ligado a Sam e a um sensor especial chamado de Odradek. Basicamente, Lou detecta BTs e faz scan da área, mas mais para a frente tem outro papel bem mais preponderante, introduzindo outra personagem, Cliff (Mads Mikkelsen).
OK! Não falo mais do enredo, nem das incríveis ramificações e repercussões nele incluídas. Como sempre, é na história que reside o maior elemento divisor das criações de Kojima. Muito mais cerebrais do que estão à espera num jogo de consola, os argumentos deste criador possuem a mesma dose de estranheza, misturada como importantes mensagens filosóficas, sociais e políticas. A dada altura, esta tal “viagem” de Sam é também uma viagem ao nosso comportamento, ora tudo não estivesse pejado de “likes” que podemos dar a objectos e actividades, dando-nos de volta uma reputação construtiva de acordo com as nossas acções. Se esta criatividade narrativa agrada a todos, é que é algo subjectivo.
Porque, para muitos, o que interessa num jogo, não é bem alguma lição sobre a vida ou alguma interpretação mais metafísica da morte, ou até da forma como podemos literalmente viver “pendurados” em pequenos nadas. E nem sequer creio que o tema do que existe além da morte seja algo popular neste meio. Kojima sempre misturou a sua visão de uma história de contornos cinematográficos, que envolve tantos actores conhecidos, com conceitos de experiência visual, deixando a interacção quase para segundo plano. Sempre foi assim. Kojima fala a tal língua estranha, tanto a sua como a criativa. E o resultado é tão pessoal quanto memorável. Ou então, faz desligar a consola.
Então, vamos andar sempre a “filosofar” e a fugir de monstros? Não só, obviamente. Ligar as cidades Americanas, agora resumidas a vilarejos e mesmo bases subterrâneas, envolve missões de transporte. Inicialmente, Sam carrega tudo às costas, embora mais para a frente tenhamos também veículos para nos auxiliar. Como devem calcular, neste mundo pós-apocalíptico, as estradas estão quase inexistentes, assim como as infraestruturas auxiliares. Por onde passa, porém, Sam pode ajudar a reconstruir algo semelhante a uma civilização, garantindo também que ajuda os sobreviventes com a mais variada carga necessária, desde importantes medicamentos a… pizzas…
As missões são avaliadas por cuidado com a carga, tempo de entrega e outros factores. Enquanto aumentamos a reputação e recebemos “likes”, também vamos ajudando a civilização evoluir (uma metáfora um tanto irónica). Pelo meio, vamos conhecendo personagens, algumas com histórias interessantes. Numa delas vamos conhecer um pai e uma filha que… se casam, um cosplayer muito especial que nos oferece um gorro de marmota e até um cineasta com ilusões de fama. As histórias são quase todas descartáveis, obviamente, uma vez que há outra bem maior a decorrer nas missões principais.
Há três perigos em Death Stranding. O primeiro é óbvio, a ameaça dos BTs é constante. Geralmente começa a chover, não água normal, mas a tal Timefall que já falei e que envelhece tudo rapidamente, incluindo a carga se não tivermos cuidado. Combater os BTs é possível, vamos ganhando armas, como granadas do sangue especial de Sam, metralhadoras e até repelentes. Contudo, aconselho vivamente a experimentarem movimentação furtiva, andando lentamente, observando o Odradek que nos dá direcção e proximidade dos BTs e sustendo a respiração (R1) sempre que seja possível. Quando somos detectados, temos segundos para fugir do “líquido negro” ou surge um monstro gigante, seguindo-se uma batalha de um boss.
As batalhas com estes seres gigantes são quase sempre lineares, precisando de usar granadas em quantidades avulsas, disparando armas anti-BT e evadindo sempre que possível. Aconselho vivamente a arranjarem um trenó ou um veículo e a largarem toda a carga neles, porque cada queda ou impacto faz-vos perder ou danificar a carga. Embora tivesse encontrado seres impossivelmente gigantes, nunca achei os confrontos demasiado difíceis. Apenas temos de estar preparados com armamento correcto (sempre) e garantir que Sam não fica sem sangue, usando de sacos de transfusão ou comendo uns estranhos bichos flutuantes (cryptobiote). Depois é só uma questão de paciência, com ataques e defesas no momento certo.
Depois temos os grupos dissidentes. Há grupos de arruaceiros que deambulam pelo mapa, roubando os incautos, incluindo carga dos mensageiros e açambarcando tudo nos seus acampamentos. Vamos encontrar várias colónias destes insurgentes, que variam de agressividade. Alguns grupos apenas nos perseguem para nos tentar atingir com lanças, outros lançam dardos atordoantes que danificam veículos e ainda outros disparam a matar. Tenham só cuidado de identificar os seus sensores de luz amarela ou evitem completamente os seus acampamentos, a não ser que queiram ir lá buscar algo. Lá mais para a frente, surgem também os terroristas liderados por Higgs (Troy Baker). Estes têm a capacidade de manipular o ambiente e os BTs e são obviamente mais desafiantes.
Quando o combate é inevitável com estes insurgentes, notem, não é aconselhado usar armas letais. Sim, temo-las no inventário e são extremamente úteis em algumas secções especiais contra BTs… que prefiro não revelar. Contudo, contra os humanos, não convém usá-las. Isto porque se alguém morre neste mundo, acontece um voidout. E isto é também realidade se Sam morrer em combate. Basicamente, é como uma explosão termonuclear que abre uma cratera gigante no mapa. O que significa que, se abatermos um deles, teremos de ir até uma fornaça para destruir o corpo. Só o trabalho que isto implica, não o justifica. Usem armas não letais, como granadas atordoantes, balas não letais, etc.
O outro perigo é capaz de ser o menos evidente, mas o mais comum: o trajecto. Em Death Stranding, não há muitos caminhos óbvios. Alguns trilhos são criados pela nossa passagem constante por um local, marcando claramente uma passagem desgastada na vegetação. Contudo, na maioria dos casos, vamos desbravar caminho e, por vezes, subir ou descer escarpas. Para isso, temos escadas, cordas e mesmo pontes para erguer, fabricando os objectos ou usando uma ferramenta multifunções que é, basicamente, uma impressora 3D. A preparação é tudo e não devem contar apenas com os veículos para as missões. Se vos faltar algum recurso, podem ficar isolados, sem grandes hipóteses de sobreviver. Usem as bases para se equiparem e planear bem a rota no mapa, calculando recursos necessários.
E notem que há muito para planear. A dada altura Sam recebe exoesqueletos mecânicos que permitem levar mais carga ou andar mais rápido. Mas, essas pernas mecânicas precisam de baterias. É também importante repor a energia (stamina) e precisamos encher o cantil de bebida. Já deu para perceber que convém andarmos bem armados também. Depois, pelo menos uma corda e/ou uma escada é essencial. Também a gestão da carga é importantíssima, nem deve ser ser exagerada, como também deve ser equilibrada, preferencialmente com um trenó ou parcialmente armazenada num veículo. E notem que terão de tomar banho, urinar e defecar para fabricar granadas especiais contra os BTs. E não, não inventei nada nesta última frase.
Irão notar que inicialmente estão mesmo sozinhos a erguer passagens e a ligar as cidades. Mas, ao inserir as várias bases na rede da Bridges, passam a ter acesso à base de dados local que inclui… objectos criados por outros jogadores. Provavelmente, viram uma corda ou escada meio perdida no mapa, subitamente, veem dezenas de bases improvisadas, pontes, armazéns e até estradas. Este é o elemento multi-jogador de Death Stranding. Não interagimos directamente com os demais jogadores, mas indirectamente erguemos passagens ou pontos de carregamento de bateria ou de protecção de Timefall e esses objectos são todos semi-persistentes para toda a gente que partilha este mundo.
Semi-persistentes porque, segundo a produção, embora na altura que pegarem no jogo já existam até autoestradas erguidas, a Timefall faz questão de degradar estes objectos com o tempo. Ou seja, embora apareçam imensos itens no mapa, inclusive carga deixada cair ou roubada aos jogadores, tudo se degrada com o tempo. O que impede que um novo jogador chegue ao jogo e já não tenha de andar a pé por quilómetros. Bastava ir a uma base, fabricar um veículo e acelerar pelas estradas erguidas pelos jogadores (Queriam!). Esta degradação também acontece com os emoticons e animações que deixamos pelo mapa. Só não esqueçam de dar “like” neles antes de desaparecerem, preciso melhorar a reputação!
Por esta altura, entendendo (mais ou menos) o que este jogo é, já deverão ter decidido comprá-lo ou evitá-lo. Confesso que há momentos francamente aborrecidos nas viagens, com o jogo a obrigar-nos a percorrer vastas distâncias e depois a voltar para trás, por vezes a pé. Se quiserem fazer mesmo todas as missões e entregas, então, vão cruzar os mesmos caminhos e locais muitas vezes. O sistema de checkpoints e salvamento de progresso (não podem salvar em combate ou em veículos, aviso já), ajuda a voltar atrás em algumas ocasiões para repetir um trajecto menos bem planeado. Mas, é ainda possível ficar preso em algumas áreas sem forma de escapar, sobretudo com veículos carregados.
Há também um sistema de fast travel com Fragile (Léa Seydoux), mas que não permite levar qualquer carga e só funciona entre bases. Usei muito pouco, confesso. Outras mecânicas também não ajudam muito, como a impossibilidade de erguer pontos de carregamento eléctrico ou pontes fora da “rede” da Bridges, a ausência de coberturas ou cavernas em algumas zonas, com a Timefall a estragar-nos o equipamento, a constante falta de munições, etc. Por estes motivos, há momento frustrantes de lógicas que precisavam de algum equilíbrio nos níveis de dificuldade mais altos. Notem apenas que é bem possível que Kojima e companhia os revejam em actualizações futuras.
Tendo jogado este título nas últimas semanas numa PlayStation 4 Pro, é inevitável dar um merecido destaque ao seu visual apurado. Tecnicamente, o jogo é soberbo em vários níveis. Estou disposto a desculpar a fixação de Kojima com rabos (agora nús), mas duvido que outro jogo tenha representado tão bem um actor como Sam representa tão bem o actor Norman Reedus, inclusive a sua barba sumida e o cabelo “rebelde”. Todos os demais actores estão igualmente soberbos, com captura de movimentos e expressões faciais irrepreensíveis. Claro que há alguns elementos exagerados e sintéticos, mas isto não é um filme de animação (por mais que Kojima tente provar o contrário).
Por outro lado, todo o design de locais e direcção artística é impecável. Voltam as bases e objectos futuristas e credíveis que Kojima gosta tanto, inclusive peças de roupa e equipamento, com alguns a mercerem alguma personalização. As bases das empresas Bridges e Fragile são um contraste com o mundo feio e destruído cá fora, pejado de ruínas e em que a flora conquista tudo rapidamente. Os efeitos visuais da Timefall a degradar lentamente a relva e arbustos, entre outros efeitos, proporcionam momentos de incrível beleza visual. É mesmo uma experiência incrível a nível visual com a sua jogabilidade única, não há qualquer dúvida. Puxa pela PS4 Pro e não desaponta.
Veredicto
Este é claramente um jogo divisor. Se não entrarem no espírito de Hideo Kojima ou não forem fãs do seu trabalho, irão estranhar cada momento. Se, por outro lado, são mesmo fãs da sua fórmula, vão reconhecê-la amiúde, é verdade, mas não se livram do elemento de estranheza, ainda assim. Death Stranding é mesmo complexo, por vezes longo demais, por vezes curto demais, pressupõe que acompanhamos e interpretamos tudo com o avançar da história e não se perde muito a explicar pormenores. É visualmente deslumbrante também, o que só por si irá certamente atrair muita gente, só para verem o que a PS4 Pro consegue dar. Talvez a jogabilidade não seja a que esperam de um jogo de Kojima, que aqui inovou bastante. Seja como for, ame-se ou odeie-se, no final Death Stranding deixou-me um vazio. E dificilmente vou jogar outro jogo tão impactante.
- ProdutoraKojima Productions
- EditoraSony Interactive Entertainment
- Lançamento8 de Novembro 2019
- PlataformasPC, PS4, PS5
- GéneroAcção, Aventura, Survival
Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.
Mais sobre a nossa pontuação- Visual soberbo
- A história estranha mas de peso metafórico
- BB
- Cameo de Conan O'brien
- Pode ser amplamente aborrecido em alguns momentos
- Algumas lógicas desequilibram a jogabilidade
Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.