Análise – Demon’s Souls (Remake)
Foi aqui que tudo começou. Bom, nem tanto se considerarem que a FromSoftware já andava nestas lides de RPGs de acção desde os anos 90. Contudo, foi só com o título original para PlayStation 3 de 2009 que ouvimos pela primeira vez a palavra “Souls” e o resto é história. 11 anos depois, Demon’s Souls está de volta, com um remake absolutamente genial para a PlayStation 5.
Estou profundamente dividido com este jogo. Por um lado, não consigo deixar de apreciar a magnífica obra de arte que é na nova consola, por outro, não consigo ultrapassar a quantidade de vezes que este jogo me matou. É assim esta fórmula única do género “Souls”, que atingiu o seu ápice com a mítica franquia Dark Souls. Ou se ama ou se odeia, tudo depende do nosso empenho em voltar a pegar no comando com determinação de passar aquele boss que teima em matar-nos. Este regresso ficou ao cargo a Bluepoint Software, com o apoio do Japan Studio. A Bluepoint já nos tinha trazido a remasterização de Gravity Rush e o fantástico remake de Shadow of the Colossus para a PlayStation 4. Agora, chegou a vez da nova consola e nada como este clássico de enorme relevância, uma excelente forma de entrar em beleza na nova geração.
Para quem não jogou o clássico, explico a história. O reino de Boletaria foi atacado em tempos por um ser monstruoso chamado de Old One. Pelo seu poder, um estranho nevoeiro trouxe demónios que consomem almas, invadindo o reino quase na totalidade. Eventualmente o Old One foi iludido a adormecer, parando a invasão e permitindo que os sobreviventes se reerguessem lentamente do desastre. Contudo, o Rei Allant desfez essa paz temporária por restaurar as Soul Arts e assim despertar o infame vilão. Quem é chamado a desfazer esta situação? Nós, claro. Como aventureiros, partimos para o nevoeiro para enfrentar todas as suas ameaças. Claro que as coisas não correm bem.
Sem querer revelar muito da história, há umas quantas revelações e reviravoltas neste enredo, levando-nos a uma importante decisão no final da trama. Lembrem-se apenas que este enredo tem uma boa estrutura e não se deixem frustrar pela jogabilidade tantas vezes exigente. Numa óbvia manobra de nos introduzir ao longo ciclo de vida e morte que nos vai acompanhar daqui em diante, assim que morremos uma primeira vez, acordamos no Nexus, onde algumas personagens nos dão auxílio nesta tarefa inglória. O Nexus é, assim, uma espécie de limbo que nos permite entrar nas zonas ocupadas e morrer “à vontade” sem perder a preciosa alma.
Se nunca jogaram um “souls” ou algum dos seus clones ou títulos inspirados, como o recente Sekiro, poderão estar perante um enorme desafio. Acredito que muitos serão atraídos para o jogo, não só por ser um título de estreia na PlayStation 5, mas também por causa do visual soberbo, sobre o qual já irei falar. Enquanto muitos outros jogos de acção se baseiam em sobreviver aos combates, a morte em Demon’s Souls faz parte de um processo. A ideia é matar os demónios e absorver as suas almas para ganhar poder. Mas, não esperem uma tarefa fácil. Não basta carregar nos botões avulsamente ou agir como se este fosse mais um “hack and slash”. Não é, obviamente.
Não, não vou tentar explicar como se joga um ARPG. É algo que, se não aprenderam até agora, terão de descobrir a custo. Este é um jogo de golpes, defesas e desvios, tudo com tempos certos, estudando os adversários para atacar ou evadir num timing quase perfeito, como um combate de atrito onde os erros se pagam caro. De um modo geral, a jogabilidade é praticamente idêntica ao original de 2009. Do que me lembro, apenas algumas animações e movimentos foram mexidos para se enquadrar com a qualidade geral de tudo o resto. No rigor, este é um Souls “puro e duro”, com a mão da FromSoftware bem evidente em quase tudo.
Aliás, até é possível seguir tutoriais ou vídeos de 2009 para jogar este novo Remake. Isto, porque uma boa porção das áreas de jogo possuem as mesmas posições de adversários, assim como as lógicas e mecânicas, inclusive as múltiplas armadilhas, que estão nos mesmos locais aproximados. Perde-se um pouco o elemento de surpresa, é certo, mas os novatos e os incautos ainda encontrarão estas “prendas” indesejadas. E, convenhamos, não é que os veteranos se recordem de todas as armadilhas. Confesso que não me apercebi de quase todas… já lá vai um tempo, deem-me um desconto.
Mas, não pensem que podem passar umas horas no youtube e tornam-se mestres de Demon’s Souls. Este é, ainda assim, um jogo de perícia e de persistência. E a nova atmosfera aprimorada é exímia a dar-nos alguns arrepios esporádicos. O jogo parece familiar, de facto, mas estive sempre na expectativa de quando a Bluepoint me iria surpreender com algo novo no virar da esquina. Chega a ser desconcertante entrar num túnel mal iluminado, com uns ruídos arrepiantes ao longe. É um bom exemplo de como a familiaridade não serve em todas as ocasiões, deixando-nos na expectativa perante um design criado para nos colocar constantemente na dúvida.
Falando então do alcance técnico deste remake, sinceramente, é para mim o jogo que mais me impressionou até agora na PlayStation 5. Começou logo com a cena introdutória que me pareceu um vídeo e não uma renderização, culminando em algumas cenas épicas de combates com bosses, com as suas texturas, animações e efeitos visuais absolutamente arrebatadores. A tal ponto que perdi uns quantos combates a apreciar algumas proezas técnicas. É verdade, o rigor visual fez-me desperceber inimigos e acabei a morrer de deslumbre, literalmente. Mas, pronto, já deve ter dado para perceber que morrer é normal neste jogo. Que seja por uma boa causa.
Notarão que, obviamente, os cenários estão amplamente diferentes, bem mais detalhados e ricos em pequenos e grandes detalhes. Em algumas secções, estão mesmo irreconhecíveis, gerando uma atmosfera bem mais credível e, por vezes, perturbadora. Há também muito empenho nas personagens em si, com novas falas dos actores originais, permitindo conhecê-las como nunca foi possível. Este empenho cria um jogo quase de raiz, onde apenas prevalece o design geral e o já mencionado combate. Imagino que a FromSoftware pudesse criar este mesmo jogo com este hardware moderno, o que é um excelente atestado de qualidade para a produção deste Remake.
Para que possam apreciar melhor o visual ou para que apostem mais na performance, temos dois modos visuais para escolher. O modo Cinematic permite rodar o jogo na resolução nativa 4K, mas tem um rácio de fotogramas (fps) inconsistente, adaptando-se consoante a intensidade do que se passa no ecrã. Já o modo Performance parece bloquear o rácio de fotogramas nos icónicos 60fps, reduzindo a resolução para 1440p, escalando depois para 4K. Não notei grandes diferenças na qualidade geral de modelos e cenários no modo performance. Devem haver, não duvido, mas foi o modo que preferi jogar. Dei mais importância à sua fluidez de imagem, ajudando bastante nos ritmos dos combates.
Também gostei de outras características que melhoram a qualidade geral do jogo em termos de interacção. A opção de ter os menus de interface desaparecerem quando não precisamos deles é bem vinda, assim com um nova perspectiva de câmara, bem melhor enquadrada. Para quem quiser algo mais “artístico”, há também uns quantos filtros para a imagem, inclusive um filtro esverdeado para quem sente saudades do aspecto do jogo na PS3. Outro pormenor muito bem conseguido, é o feedback visual, sonoro e háptico através do comando DualSense. Uma vez mais, este comando faz mesmo muita diferença.
Apenas tenho uns poucos reparos a fazer neste remake. Um deles será evidente para jogadores que nunca tenham jogado este título clássico. Em 2009, a FromSoftware não perdeu muito tempo a ensinar os jogadores ou a dar-lhes explicações de algumas lógicas. Como a mecânica da World Tendency que é ainda um conceito um tanto obscuro. Eventualmente, entenderão a sua lógica, tornando os locais mais luminosos ou obscuros consoante alguns actos ou eventos. Mas, fica por explicar como isto no afecta a jogar. E nem me peçam para explicar como funciona o modo multi-jogador cooperativo, continua tão confuso e exigente como em 2009, o que não é um bom comparativo.
Enfim, a Bluepoint parte do suposto que somos todos veteranos ou então que os novatos lá irão chegar com o tempo. Tratando-se de um remake, porém, era de esperar algumas liberdades criativas para introduzir uns tutoriais ou algum compêndio de explicação. Nota-se que a Bluepoint teve imenso respeito pelo material original, o que é algo positivo. Mas, depois, esse receio de alterar o original, transporta para o presente algumas falhas arcaicas. Os tempos são outros, os jogadores também. Não era preciso “levá-los ao colo” mas, já que se vai melhorar tanta coisa, era bom também melhorar aqui.
Veredicto
Sou capaz de dizer que, pelo menos até agora, o remake de Demon’s Souls é o título com melhor aspecto lançado para a PlayStation 5. Os nostálgicos da PS3 irão reconhecer a jogabilidade implacável, os inimigos desafiantes e todo o ADN da FromSoftware, habilmente polido e aprimorado pela Bluepoint Software e pelo Japan Studio. Na sua tarefa tão delicada de recuperar um clássico, houve algum receio de mexer em paradigmas, o que trouxe algumas lacunas do original de 2009. Contudo, não posso deixar de recomendar que este jogo faça parte da vossa colecção na PS5. Seja para reviver a experiência, seja para conhecer a génese de um género tão peculiar. Umbassa…
- ProdutoraFromSoftware/Bluepoint Games/Japan Studio
- EditoraSony Interactive Entertainment
- Lançamento12 de Novembro 2020
- PlataformasPS5
- GéneroAcção, Role Playing Game
Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.
Mais sobre a nossa pontuação- Visual arrebatador
- Ambientes por vezes arrepiantes
- Combate está intacto
- Modo Performance
- Alguma falta de ajuda em algumas mecânicas
- Modo cooperativo confuso
Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.