Análise – Far Cry 6
Se há empresa que gosta de explorar mecânicas até à exaustão, é a Ubisoft. No passado, essa saturação levou a algumas quebras de popularidade em séries famosas. Far Cry 6 está aqui com uma promessa de ser algo novo mas, infelizmente, nota-se bem que é um jogo da Ubi.
Como sempre, há dois tipos de jogadores nos títulos de mundo aberto à exploração: os que gostam de descobrir algo diferente em cada jogo e os que preferem jogar algo familiar, não se importando com o elemento de repetição. A série Far Cry teve autênticas reviravoltas de abordagem, saído de uma ilha tropical para uma África brutal, depois voltando a uma ilha tropical cheia de gente louca, depois foi para a Índia e até passou pela América profunda, cheia de tresloucados religiosos. Teve três spin-offs, um deles na pré-história. Far Cry 6, à partida, é um regresso ao tipo de ambiente do primeiro jogo, o tal que começou tudo e também do seu jogo mais popular, o terceiro. Estamos novamente num paraíso tropical, repleto de violência e loucura. Mas, os tempos são outros.
De facto, este Far Cry tem todos os ingredientes que gostamos na franquia: Tem um mundo aberto para explorar, muitos tiroteios e explosões para distribuir, com o objectivo do costume, que é libertar uma região inteira da influência de uma força opressora. Não há muito mais para fazer nesta fórmula de sucesso, sob risco de estragar o que já funciona. A Ubi aprendeu bem a criar um mundo curioso para descobrir, tendo elevando a fórmula quase à perfeição com Far Cry 5. Obviamente, cada jogo tem também de figurar um vilão amplamente explorado e tantas vezes exacerbado. Neste caso, está aqui um actor consagrado e perfeito para o seu papel.
Vaas, Pagan Min, Joseph Seed, três nomes de grande importância no universo Far Cry, talvez dos melhores vilões na história dos videojogos, pelo menos entre os mais memoráveis. Todos deixaram uma marca indelével nesta franquia, ao ponto de um dos DLCs deste sexto jogo permitir jogar na sua pele. Indiscutivelmente, a Ubi tem imenso cuidado a escolher os actores para estes papéis, criando um guião manufacturado para construir as suas personagens de forma especial. E nada como convidar um actor como Giancarlo Esposito, famoso em Breaking Bad, Star Wars: Mandalorian e tantas outras séries e filmes para encarnar o novo vilão, Antón Castillo.
O arquipélago de Yara, uma representação fictícia de uma “Cuba pouco libre”, é governada com mão de ferro por Castillo. Na sua produção intensiva de tabaco, foi descoberto um fármaco que se tornou um importante medicamento no combate ao cancro. Qualquer país poderia enriquecer o seu povo com esta descoberta, mas não Yara. Castillo esconde neste paraíso tropical uma incrível máquina militar que controla a população e a produção do medicamento milagroso, chamado Viviro. Habitantes são “recrutados” à força para os campos de cultivo, num formato que em tudo poderia ser chamado de “escravidão”. Quem se opuser, claro, é sumariamente castigado com prisão… ou pior.
Antón Castillo é, portanto, a personificação de todos os males nesta ilha, fazendo erguer uma resistência de rebeldes que, não só o quer remover do poder, como destruir a sua máquina financeira e militar. É aqui que surge o nosso protagonista, a personagem controlada pelo jogador, Dani Rojas, como tem vindo a ser habitual, pode ser do sexo masculino ou feminino sem alterações no enredo. Dani é um(a) recruta improvável dos rebeldes, levado(a) a juntar-se depois de testemunhar um ataque brutal que mata dois dos seus amigos durante uma tentativa de fuga. É que Castillo divide a população entre os colaborantes “True Yarans” e os demais que se tornam vozes de oposição ou simplesmente não colaboram. Estes últimos são alvos da sua ira.
A história, como devem já estar a prever, é uma de resistência. O grupo de rebeldes Libertad oferece a Rojas a hipótese de tentar novamente a fuga de Yara… se ajudar nos ataques de guerrilha planeados pelos resistentes. Eventualmente, o sentido de patriotismo de Rojas toma conta e acaba “doutrinado”. A ideia passa depois por galvanizar os grupos de insatisfeitos numa causa comum, contando para isso missões diversas de sabotagem, a executar diversos golpes para destruir a presença das forças governamentais, enfraquecendo a sua influência. Sim, é mesma fórmula de sempre que inevitavelmente culminará com a deposição do ditador e na libertação do povo de Yara.
Inevitavelmente, fazemos logo aqui um paralelo com outro jogo. É impossível não se recordarem das aventuras de Rico Rodriguez na série Just Cause (Square Enix). Não apenas na história, tão semelhante, mas também na jogabilidade, no palco escolhido e até na amplitude e espectacularidade dos combates. É perfeitamente discutível quem veio primeiro, se “o ovo” ou se “a galinha”. De facto, Far Cry e Just Cause sempre foram algo paralelos, pelo menos em essência. Contudo, neste jogo, as coisas parecem convergir um pouco demais. Não é que isso prejudique o jogo, notem, mas penso que já chega de arquipélagos tropicais nas mãos de tiranos a precisar de libertação.
Por outro lado, a fórmula de Far Cry está um pouco gasta. A ideia é ir libertando regiões, por eliminar soldados do governo em postos militares, destruir instalações da Viviro e outros actos semelhantes deste calibre. Uma vez libertados esses espaços, passam a ser ocupados pelos rebeldes e aumenta a dimensão da “revolução”. Lentamente vamos conquistando terreno, executando também missões específicas de procura de itens ou para encontrar (e eliminar) pessoas-chave. Enfrentamos os generais locais e as suas forças e acabamos com a região ou ilha completamente liberta. Depois é rebobinar e repetir.
Onde a fórmula se torna divertida é realmente nos tiroteios. Sempre foram o forte desta série, apostando em acção directa ou furtiva, esta última opção com muito mais destaque neste jogo. Temos uma ainda maior amplitude de armas e equipamento, com especial destaque para as curiosas armas artesanais, como um lança-chamas ou pistola de pregos, sem esquecer a brutal Supremo, uma de ataque massivo, que tem de ser recarregada consoante façamos mais estragos. É, de facto, nos caóticos tiroteios de larga escala, especialmente contra forças hostis em grande quantidade ou, pelo contrário, na sua acção “stealth” que o jogo nos entusiasma.
Como não podia deixar de ser, todas as armas podem ser personalizadas e melhoradas. Com o sistema de crafting podemos criar supressores de ruído, miras e diferentes tipos de munição e até decorar as armas com pinturas coloridas. É importante que concebam armas específicas para ataques mais directos ou mais silenciosos. Para isso, também temos de angariar recursos e encontrar uma mesa para instalar as novas peças. Curiosamente, neste jogo a caça de animais para reunir ingredientes não é tão explorada, com uma boa quantidade dos recursos facilmente encontrados em caixas ou espalhados pelo mapa. Os defensores dos direitos animais, com certeza, agradecem.
Neste jogo também regressam os companheiros especialistas, neste caso nem tanto combatentes humanos ao vosso lado, mas sim animais de companhia com dentes afiados. Chamam-se Amigos e são um enorme destaque no jogo. Começamos com o crocodilo Guapo que é um autêntico “míssil com escamas”, atacando implacavelmente os adversários. Mas, o meu preferido é Chorizo, um pequeno cão “salsicha” que distrai os inimigos no seu adorável andarilho. É perfeito para ataques furtivos, permitindo que nos esgueiremos perto dos incautos ou que os evitemos por completo.
Tudo isto é realmente interessante de descobrir, especialmente quando atingimos um poder de fogo enorme e nos tornamos um “one man army”. As Supremo são devastadoras quando são bem usadas, armas artesanais como o lança-chamas são visualmente fantásticas, as metralhadoras são uma satisfação enorme a cada tiro, as espingardas sniper, as pistolas… enfim, todas as armas têm o seu charme e aplicação. Conjugando o poder de fogo, a estratégia de abordar cada missão de forma diferente, os Amigos e tudo mais, temos um festival de acção na primeira pessoa inegável. Isto, claro, nas primeiras horas de jogo.
Não seria um Far Cry se não fosse tão repetitivo. Conforme disse no início, há quem ame e há quem odeie esta receita de caos reciclado. Há qualquer coisa que apela na rotina de entrar no jogo e libertar mais uma porção de Yara, enquanto a história se arrasta um pouco a acompanhar esta repetição. Há quem prefira investir em horas e horas de jogo, explorando-o até já não haver mais para ver, mesmo que isso signifique jogar sempre da mesma forma, sempre com os mesmos efeitos e desfechos. Yara é uma região vastíssima, gigante, e entendo que alguns se queiram perder por lá. Mas, é um formato que obviamente não agradará a todos.
Infelizmente, não é só a repetição que impede a jogabilidade de Far Cry 6 de ser melhor. Para mim, a pior faceta deste jogo, aquela que me parece francamente difícil de justificar, é quão pouco inteligente é a Inteligência Artificial do jogo (desculpem a contradição). Desde inimigos especados à espera de serem abatidos, veículos que param mesmo na nossa frente para serem cravejados de balas, até uma falta de sentido de preservação ou sentido táctico dos inimigos, a IA funciona apenas e só como “tiro ao boneco”. É também francamente desequilibrada, atingindo-nos certeiramente a metros de distância disparando sem mirar.
Bem sei que o jogo privilegia o ataque furtivo, mas o tiroteio directo está lá como opção, tendo mesmo a “punição” dos inimigos chamarem reforços. Sempre foi assim em Far Cry e sempre achei que, mesmo sem ganhar prémios de eficácia, a IA era competente a dar-nos desafio, flanqueando e agindo de forma táctica. Aqui, deixa muito a desejar, tornando os embates um tanto estranhos e previsíveis. Para terem uma ideia, se constantemente corrermos pelo mapa, os inimigos não se reposicionam de forma inteligente e é muito fácil apanhá-los de costas. O mesmo acontece em veículos ou montado em cavalo, já agora, uma novidade neste jogo.
Outra questão que me frustrou demasiadas vezes foi um problema que encontrei na versão analisada na PlayStation 5. A implementação do comando DualSense está cá, tirando proveito das funcionalidades únicas do comando. Contudo, achei que a sensibilidade geral da mira algo incerta. Também não consegui ultrapassar muito bem a inconsistência de performance nesta plataforma. O jogo tem uma beleza visual impressionantes no cenário e nos efeitos visuais mas depois as faces das personagens das cenas intermédias não impressionam muito. Não são todas falíveis, notem, Esposito, claro, tem das melhores recriações digitais no jogo. Mas, não é, de facto, uma norma no cuidado visual.
Outros aspectos menos positivos são a perda de performance clara em momentos mais intensos. Não há reais quebras graves no rácio de fotogramas mas nota-se que a consola “luta” um pouco em certos momentos para manter a qualidade. Também não sei bem o que se passou com a implementação dos reflexos neste jogo. De um modo geral a água tem um reflexo estranho à distância. E em determinados ângulos, as poças de água podem parecer autênticos espelhos. Sem acesso às demais versões, não consigo dar um termo comparativo. Ainda assim, parece-me que, pelo menos na versão PS5, o jogo precisa de uma optimização no futuro próximo.
Veredicto
Implementando um novo cenário, uma nova história e um novo vilão de classe, pode ser o suficiente numa nova entrada de uma franquia consolidada. É, contudo, necessário que a fórmula evolua para não entrar num “ritmo” repetitivo. Far Cry 6 faz o seu melhor para trazer a mesma receita de sucesso dos jogos anteriores mas, onde Far Cry 5 fez tanto para inovar e surpreender, aqui a produção preferiu algo mais comedido, reciclando ideias e trabalhando num novo cenário. Resulta, mesmo assim, num jogo divertido, com uma história e um vilão à altura da série… mesmo que a sensação e “dejá vu” seja constante e haja alguma falta de polimento.
- ProdutoraUbisoft
- EditoraUbisoft
- Lançamento7 de Outubro 2021
- PlataformasAmazon Luna, Google Stadia, PC, PS4, PS5, Xbox One, Xbox One X
- GéneroAcção, Aventura
Podia ser melhor mas tem alguns pormenores positivos que podem agradar a muitos jogadores.
Mais sobre a nossa pontuação- Yara e a sua vastidão para explorar
- Antón Castillo, claro
- Chorizo, claro
- Muito momentos de diversão e caos
- Inteligência Artificial falível
- Algumas questões de performance na PS5
- Algumas personagens precisavam de mais cuidado
Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.