Análise: FarCry 4
Sobrevoo uma área num Girocóptero para investigar um campo inimigo. Ao aterrar sou mordido por uma cobra debaixo de fogo inimigo. Corro a ser perseguido por uma águia. Sigo disparando para o animal e inimigos e acabo por atingir um ninho de vespas e sou violentamente atacado, acabando por morrer, literalmente, atropelado por um rinoceronte… Bem vindos a Kyrat… Eis FarCry 4, muito sério no seu objectivo em nos matar!
Não exagerei no meu relato. Isto aconteceu praticamente nas minhas primeiras horas de jogo, logo a seguir ao prólogo. Se em FarCry 3 o mundo era injusto, neste jogo está disposto a fazer-nos a vida negra, chutar-nos onde dói mais e ainda rir-se na nossa cara. E não é que seja difícil, notem. É um jogo duro, visceral e cru, chega a ter momentos muito frustrantes e de dificuldade extrema, mas num todo é na mesma um shooter na primeira pessoa onde continua a prevalecer a nossa destreza no gatilho. Mesmo que às vezes se esqueça um pouco disso. Aqui matam-se inimigos, caçam-se animais e tomam-se decisões morais, mais ou menos duvidosas. E não há regra nem lei excepto a nossa moral. É isto o mundo de FarCry desde o segundo capítulo da série e que desde então só tem evoluído em qualidade.
Neste quarto capítulo, Ajay Ghale, tem uma missão emocional: depositar as cinzas da sua falecida mãe nas montanhas de Kyrat, realizando o seu último desejo. Mas, assim que chega à região, algures nos Himalaias, cedo descobre que o país está subjugado à opressão de um perigoso ditador de péssimo gosto em indumentária e cortes de cabelo (e com alguns tiques) de nome Pagan Min. Este insiste em descobrir o paradeiro de Ajay e rapta-o. Numa sucessão de eventos, a missão do protagonista passa a ser a de sobreviver, não só ao exército governamental de Min, como também da agreste paisagem de Kyrat, pejada de perigos e animais selvagens. Pelo meio, Ajay conhece uma resistência de rebeldes de nome Golden Path que o irá ajudar a cumprir o desejo da sua mãe, mas com uma condição: tem de ajudar a resistência a eliminar Pagan Min e ainda descobrir o mistério do famoso mito de Shangri-La.
A história do jogo não é, forçosamente, magnífica. Nem precisa, quanto a mim. Está é repleta de momentos decisivos, personagens fortes e traz um antagonista que é uma pérola no enredo, como foi Vaas no jogo anterior. Min é capaz de nos surpreender sempre que surge. Por exemplo, nos primeiros momentos de jogo, se decidirem não fugir enquanto o antagonista atende uma chamada, passados alguns minutos Min regressa e ajuda-nos a depositar as cinzas da mãe de Ajay, terminando o jogo em menos de 15 minutos (mesmo!). Genial e imprevisível como todo o jogo consegue ser!
Contem com umas quantas decisões morais que terão de tomar e que podem alterar o rumo da história. Isto é uma novidade em FarCry 4, embora já tivesse sido mais ou menos abordado no segundo jogo da série. Há momentos da história em que temos de tomar uma posição ou escolher um lado. As missões são diferentes consoante a escolha, o que nos faz pensar que um dia vamos repetir tudo de novo.
No que diz respeito ao local onde a acção se desenrola, Kyrat, já vos dei no início um pequeno vislumbre da rudeza do local. Desde os verdejantes vales, aos picos nevados, passando por alguns locais absolutamente deslumbrantes e outros bastante inóspitos, esta região fictícia inspira-se nas regiões dos Himalaias no Tibete. Existem diversas aldeias e vilas, grutas e passagens montanhosas. A área é gigantesca e aberta à exploração, um ponto forte habitual na série FarCry. Com esta paisagem, vem toda a geologia, flora e vida animal local. Como contraste com o jogo anterior, se antes contávamos com paisagens paradisíacas tropicais, agora estamos em altitude com algumas lagoas, muitos arbustos e, lá mais para cima, com rochedos e neve.
A vida animal em Kyrat, alterna entre pacíficos porcos e macacos até aos violentos tigres e rinocerontes. Há também elefantes para dominar e até para usar como transporte ou máquina de guerra (que diversão, meus amigos). Regressa a já mencionada caça aos animais para obter as suas peles e assim fazer upgrades a acessórios como a nossa carteira (para levar mais dinheiro), coldres para carregar mais armas e até a própria mochila onde guardamos o nosso loot. Usando uma faca ou o arco-e-flecha, removemos a pele intacta, dando-nos mais unidades por animal. Se optarmos pela via “John Rambo” e desatarmos a metralhar o macaco, a pele perde qualidade e só nos dá uma unidade. Assim como em FarCry 3, é discutível se os direitos dos animais são salvaguardados neste jogo, pelo menos visualmente. Isso dava-nos uma grande discussão. Fiquem com a ideia que nenhum animal (real) foi magoado na feitura desta análise. Foi tudo píxeis e bits, ok?
Quando não os conseguimos matar, porém, alguns viram-se e de que maneira! Todos os animais possuem um certo receio do homem, menos o raio do Rinoceronte. Além de implacável, resiste às balas e bem podem tentar desviar-se da sua carga. Se implicar convosco, é morte certa. Ou fogem ou sobem uma elevação qualquer ou metam-se num carro e façam-se à estrada. Até minas e granadas lancei e o raio do bicho não pára. Pior que o Rinoceronte é irritarem um elefante. Mas aí temos uma vantagem. Sempre que virem um, tentem saltar-lhes para cima e poderão “conduzi-lo”. É um enorme aríete cheio de músculo e presas empaladoras. Andei uns bons minutos de elefante e foi das coisas mais divertidas que fiz neste jogo.
Falando de armamento, temos uma panóplia de armas que são o “habitué” destes jogos de acção na primeira pessoa. Talvez o arco-e-flecha ou facas de arremesso seja uma forma curiosa de combater ou caçar, mas vão acabar por escolher as espingardas de assalto, snipers ou pistolas para o dia-a-dia perigoso de Kyrat. Se vos chatearem muito, há granadas, minas anti-pessoal ou C4, além dos lança granadas e lança rocket, como um kit de fogo-de-artifício pessoal. Uma vasta maioria das armas possui upgrades e pinturas a gosto, algo a que já estamos habituados desde o jogo anterior. Quem não teve aquela sniper com pintura de tigre? Podemos comprar armas ou ganhá-las consoante libertemos Torres ou Outposts, ou ainda apanhamo-las dos adversários. Lembrem-se sempre que as balas são limitadas, sobretudo ao início com os nossos coldres e porta-munições limitados. Vão gastar imenso dinheiro a comprar munições.
Se andar de elefante não é para vocês, calma. Há uma panóplia de aparelhos para vos levar aos remotos pontos do mapa que vão desde simpáticas carrinhas de caixa fechada a moto-quatro e snowmobiles para a neve. Ou estão estacionados com a chave na ignição ou são conduzidos por amigos aos quais podemos pedir que nos emprestem, ou mesmo conduzidos por inimigos aos quais podemos “forçar o empréstimo”. Se a vossa “cena” é voar, regressam as asas-delta e os ziplines e algumas novidades. Uma que já mencionámos, é um simpático Girocóptero que funciona como um pequeno helicóptero. Infelizmente, não tem qualquer protecção e é limitado em altitude, mas é muito prático e fácil de usar. Outra novidade são os pára-quedas que são muito práticos para quando não há hipótese de ir pelos caminhos convencionais. Estes veículos ou meios de locomoção permitem fazer fogo enquanto os conduzimos ou operamos, algo que também é uma novidade neste jogo. Para isso, alguns têm uma função de piloto-automático em que o veículo percorre sozinho o trajecto traçado enquanto nos ocupamos com os meliantes. Genial. Mesmo que palmilhar o mapa seja agradável, é nos veículos que encontramos forma de explorar o mapa por terra ou, preferencialmente, pelo ar.
E explorar é mesmo preciso. Tal como no jogo anterior, é preciso encontrar as célebres torres de transmissão que, depois de conquistadas, desvendam o mapa. Existem os Outposts ocupados e que depois de libertos de inimigos se tornam postos de mantimentos, desbloqueiam missões secundárias e tornam-se pontos de “Fast Travel“. Uma forma simpática de atravessar território em poucos segundos. Além disto, libertar a área disponibiliza inúmeros cofres de bónus e coleccionáveis que estão espalhados em redor. Além destas zonas, estes cofres e coleccionáveis têm o péssimo hábito de se encontrarem em alguns locais de difícil acesso como grutas, templos talhados nas montanhas ou até em escarpas.
E para as tais escarpas, Far Cry 4 vem equipado com um novo gancho que nos permite ancorar a pontos específicos para subir ou descer locais íngremes. Ao início, serão raras as vezes que o vão usar, mas depois torna-se quase imperativo usá-lo, sobretudo em missões de acção furtiva, onde entrar pelo portão principal está fora de questão. O gancho com arpões é lançado com uma tecla e depois podemos subir ou descer por ele, até mesmo saltando e sempre com acesso à arma.
Outra novidade gira, já que falamos de ataques furtivos, é usar o isco. Quando caçam animais coleccionam a sua carne. Não, não é para comer. Para regenerar energia temos as célebres seringas de recuperação que regressam. Não, neste caso a carne serve para isco. Querem tomar um Outpost sem grande esforço? Lancem um pedaço de carne para o meio da vila e recostem-se a admirar como um Urso ou um Tigre limpam os adversários todos. Se ainda estiverem mais “calões”, têm a hipótese de chamar aliados da Golden Path. Assim conquistam um Outpost sem um único tiro! Mas onde está a piada nisso?
De regresso (embora de forma adaptada, é uma herança de FarCry 3), está a evolução da personagem com base em pontos desbloqueáveis por pontos de experiência ganhos com o progresso de missões e objectivos. Desta feita, temos apenas duas variantes da evolução (em vez das três do jogo anterior) mas com a mesma lógica. Funciona como uma árvore de evolução, em que o próximo nível só fica disponível se desbloquearmos o anterior. Do lado Tigre estão as evoluções de ataque, como capacidades de matar em salto ou vindo de baixo, do lado Elefante estão o escudo ou a capacidade dos medicamentos nos curarem com mais eficácia. Convém manter a evolução nestes dois pontos equilibrada porque o jogo vai-se tornando, logicamente, mais difícil com a evolução. De nada nos serve termos um bom ataque, sem uma boa defesa, lembrem-se.
Se gostam de jogar acompanhados e a Inteligência Artificial não chega, existe o fantástico modo Cooperativo com “drop in/drop out”. Isto significa que, se optarmos por jogar o modo carreira ligados online, podemos a dada altura “invadir” ou “ser invadidos” por outro jogador que entra numa sessão cooperativa. Assim, podemos executar missões ou explorar o mapa com a companhia de um amigo ou um completo desconhecido. Às vezes dá muito jeito.
Uma nota para os “Playstationers”: Na versão Playstation 3 ou 4, quando instalarem o jogo, este dá-vos 10 Keys to Kyrat. Isto são 10 chaves que podemos oferecer aos nossos amigos na Playstation Network e que lhes dão acesso a 2 horas de modo cooperativo para jogarem connosco, mesmo sem possuírem o jogo. É uma oferta algo estranha que nos parece entrar em conflito com o Share Play, mesmo que este apenas permita 1 hora de partilha do jogo de cada vez.
No menu principal irão encontrar ainda o modo competitivo, chamado FarCry 4 Chronicles. Este modo possui diversos tipo de jogo, em que os vastos mapas abordam as mesmas dinâmicas do jogo, inclusive a interacção com os animais de Kyrat. As diferentes equipas possuem armamento e perks também diferentes, numa acção multi-jogador assimétrica. Os Rakshasa, uma facção que surgirá lá mais para a frente na progressão do modo carreira, são indígenas mágicos que actuam de forma mais furtiva, recorrendo a teleportes por exemplo, enquanto que os conhecidos Golden Path são mais bélicos, agressivos e convencionais. As sessões são divertidas pela dinâmica única da acção desta assimetria do combate. Os pontos fortes de cada lado, acabam por equilibrar a coisa.
Já agora, neste mesmo menu temos a hipótese de criar os nossos próprios mapas no Map Editor ou descarregar mapas feitos por terceiros para missões únicas. O que é fantástico, mesmo não tendo suporte para o multi-jogador, com missões para serem jogadas a solo ou no modo cooperativo. Ficámo-nos pela criação de um pequeno outpost para uma missão a solo. É de louvar a inclusão do famoso editor nas consolas, sabendo que desde o primeiríssimo jogo que existia no PC. No entanto, a colocação dos objectos e terreno torna-se mais complexa com o comando da Xbox/Playstation, do que com um teclado e rato. Com alguma prática, até fica fácil. Imediatamente vemos o aspecto final e até podemos testar. Demora algum tempo até termos toda a lógica assente e o limite de memória não nos permite abusar muito. Penso que perdi demasiado tempo a criar o mapa, porque no fim tinha mais elefantes que o desejável e acabei por ser “atropelado” sem dó por um dos paquidermes. Satisfeitos com o resultado, colocamos as regras do mapa (assalto, defesa, etc) e podemos salvar e partilhar o mapa na comunidade e sermos galardoados com algumas críticas. É melhor apagar o mapa que fiz…
Ainda falando das capacidades gráficas dos mapas, já vos falei das paisagens deslumbrantes, mas vamos voltar atrás para falar da evolução do motor gráfico Dunia 2 da Ubisoft. Sim, é o mesmo motor de FarCry 3. Mesmo assim, nas novas consolas Playstation 4 e Xbox One (versão analisada aqui), a evolução gráfica é palpável. O motor foi amplamente actualizado para tirar proveito das capacidades desta geração de hardware. Se o jogo anterior era magnífico, este ultrapassa-o em detalhe e pormenor, sem grandes perdas de qualidade ou performance, mesmo nos momentos mais caóticos. A vegetação luxuriante ou a neve, as animações de plantas ao vento ou animais em movimento são também fantásticas. Talvez ainda não atinja o grau de realismo que já vimos em outros títulos, mas não deixa de ser deslumbrante e sem grandes reparos. Mas o jogo é-nos familiar, aqui e ali lembra-nos FarCry 3. Tivesse mar e paisagem tropical, sentiriam ainda mais o déja vú…
Uma nota final muito positiva para os actores nesta série, assim como para as animações faciais e captura de movimentos. A Ubisoft já nos habituou a isto e não é nada de estranhar que tanto o voice-cast seja magnífico, como as expressões e sincronismo de lábios sejam igualmente bons.
Veredicto
No meio do caos, não da perigosa Kyrat mas sim dos lançamentos da Ubisoft, com os diversos problemas de outra série de sucesso, FarCry 4 é um jogo muito sólido e cheio de personalidade. Apesar de nos fazer sentir que herda bastante do jogo anterior, apesar do seu enredo algo pobre e de muitas vezes nos irritar ao ponto de lançar o comando pelo ar, consegue cativar-nos e proporcionar longas horas de diversão. O modo cooperativo é muito bom para jogarmos com amigos ou desconhecidos, já o modo competitivo é somente agradável, embora meramente acessório. O editor de mapas vai-vos ocupar algumas horas, também, mas é o modo carreira que vos vai cativar. Largas horas a atacar inimigos ou a fugir de animais selvagens, com momentos únicos e só possíveis no universo FarCry. Apareçam em Kyrat e apreciem a natureza… se sobreviverem.
- ProdutoraUbisoft Montréal
- EditoraUbisoft
- Lançamento18 de Novembro 2014
- PlataformasPC, PS3, PS4, Xbox 360, Xbox One
- GéneroFPS
Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.
Mais sobre a nossa pontuação- Mundo aberto deslumbrante
- Muitos desafios e missões
- Evolução da personagem
- Pagan Min
- Enredo algo pobre
- Consegue ser frustrante, por vezes
Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.