Análise: Hearts of Iron IV
Num histórico impressionante de jogos de estratégia em tempo real, a Paradox Interactive não pára de nos surpreender. Agora, surge o quarto capítulo de uma série, na forja há já algum tempo e muito antecipado pelos entusiastas. Hearts of Iron IV inicia, finalmente, a sua investida e nós estivemos no palco de batalha para relatar a experiência.
No dia 6 de Junho, data do lançamento deste jogo, comemorou-se um dos maiores e mais importantes eventos para a História da Humanidade. Precisamente há 72 anos, em 1944, dava-se início à Operação Overlord, mais conhecida por “Dia D”. Nessa data, os Aliados invadiam a Normandia e iniciavam a guerra para libertar a Europa do jugo do Terceiro Reich. Se formos analisar a História, porém, os conflitos que levaram a esse evento já tinham provocado uma espiral de violência entre os países Aliados e a expansionista Alemanha Nazi. Desde 1936 que acontecimentos históricos, políticos e militares estavam a prever o inevitável. E este novo jogo de estratégia da Paradox dá-nos a escolher duas possibilidades: Acompanhar todos esses eventos históricos e reviver as famosas manobras militares escritas nos livros ou… reescrever a História.
O intuito deste jogo, notem, não é colocar-nos aos comandos das tropas em batalha, mas sim comandar estratégias de uma nação. Iremos tanto tomar decisões de nível militar, como a gerir a escalada de negociações diplomáticas que levem à guerra ou à paz, angariar tropas e armamento, desenvolver armas e tecnologia, movimentar as tropas entre defesa e ataque, ajustar fronteiras, entre outros focos estratégicos. Não gerimos os combates no solo, no mar ou noar, nem sequer vemos representações realistas dos campos de batalha. Recordem-se do jogo de tabuleiro Risco e terão uma ideia simplista da acção deste jogo. No entanto, o que este jogo não é (de certeza) é simples. As contrapartidas de muitas das acções, as ramificações políticas ou sociais e as suas consequências, tornam este jogo incrivelmente complexo. Mas, já vou falar mais nessa complexidade.
Confesso que não tive oportunidade de jogar os jogos anteriores desta série. Mas do que pude apreciar em imagens e vídeos, este quarto título beneficiou (e muito) das inovações de interacção implementadas pela Paradox nos seus mais recentes RTS. A evolução visual, sobretudo ao nível do interface, simplificação de painéis e menus, além dos polimentos à jogabilidade, tornam este jogo bem mais apetecível a nível visual, sem desprimor pela qualidade de Hearts of Iron III que tem ainda a sua legião de fãs. Se estão familiarizados com os jogos da Paradox (como Stellaris, por exemplo) vão reconhecer muitas lógicas e opções, sobretudo na posição de ícones, menus e sub-menus e também nas interacções de facções, movimentos de tropas, etc.
O que mais me incomodou neste novo jogo, honestamente, é a enorme curva de aprendizagem que, mesmo assim, surge. Quando a produção nos enviou um guia em vídeo para o jogo, avisando da sua complexidade, percebi que estava perante uma batalha árdua. De facto, a falta de tutorial e a rapidez com que alguns eventos escalam, tornam a experiência algo injusta nas primeiras tentativas. É bom que percam tempo com este guia, porque, de facto, o jogo não é muito intuitivo. Só mesmo depois de algumas horas de aprendizagem vão entender como o jogo se desenrola e como devem agir em conformidade com as limitações políticas, sociais ou militares do momento. Até lá, vão-se frustrar por tentar criar uma divisão de artilharia e não entender porque não conseguem… até descobrirem que não há canhões para os equipar.
Para nos ajudar a progredir de forma mais pausada, o jogo pode ser jogado em três opções de dificuldade e em vários níveis de velocidade. Também é possível iniciar o jogo no ano de 1936 ou avançar logo para o início da Guerra em 1939. Sugiro que joguem no nível de dificuldade mais baixo no arranque, não acelerem muito o tempo e comecem sempre em 1936. Terão tempo de sobra para seguir o guia, iniciar algumas construções e reforçar fronteiras. E também será bom escolher um país apropriado. Podem escolher uma das principais nações em conflito como o Reino Unido ou EUA no lado dos Aliados, ou mesmo a Alemanha Nazi. Idealmente, porém, devem escolher uma nação neutra ou afastada dos conflitos para poderem ter tempo de se organizarem e entenderem as mecânicas do jogo. Claro que escolhi Portugal, pela altura do Estado Novo de Salazar e com a vizinha Espanha prestes a entrar em Guerra Civil.
Não foi fácil, mesmo assim. É que não podemos simplesmente criar unidades de infantaria e esperar que os conflitos não escalem. No meu caso, por exemplo, as movimentações de tropas de Franco na fronteira obrigaram-me a investir em bunkers e apostar mais na progressão tecnológica para produzir radares de modo a detectar aviões que violavam o espaço aéreo. A gestão de fronteiras complicou-se quando finalmente a Alemanha Nazi se aliou a Franco e em Portugal tivemos um desvio do Fascismo para a Democracia, fruto de novas políticas implementadas. Subitamente, Portugal ficou ameaçado pelas tropas do Eixo e tive de me juntar aos Aliados, inimigos dos Nazis e de Franco. Inevitavelmente entrámos na Guerra, mesmo sabendo que, na realidade, Portugal foi neutro nesse conflito.
Este é o grande trunfo de Hearts of Iron IV. Não é tanto o de recriar todos os eventos que aconteceram realmente, mas também dar-nos a possibilidade de criar um novo rumo para a História. Dei por mim a enviar tropas como ataque preventivo contra os potenciais invasores. A dada altura, porém, já estava a marchar para norte, tomando completamente a Galiza. Depois, graças aos meus investimentos em tecnologia, estratégias militares e poderio bélico, comecei a notar que podia invadir o resto de Espanha, sob pretexto de expulsar as tropas Nazis. Entretanto, os Aliados iniciavam o desembarque na Normandia e Portugal já estava a invadir França desde o Sul. No Pacífico, o Japão atacou Macau, obrigando-me a criar uma força expedicionária de Fuzileiros para proteger as colónias, acabando por também invadir a China. Uma conjectura historicamente impossível, mas terão uma ideia das possibilidades.
Fiquem cientes que todos os eventos se irão desenrolar com precisão histórica… até lançarem uma pedra no charco. Por exemplo, podemos criar projectos para fabricar rockets e até mesmo a bomba nuclear como factor dissuasor. Com um poderio militar invejável nenhum país nos vai desafiar sem o receio de retaliação. Pelo contrário, quando iniciei a invasão da Espanha, muitos foram os países com ofertas de paz e tratados de parceria. E é interessante como a máquina militar ajuda no progresso de um país. Apesar de aumentar as importações de petróleo, borracha ou alumínio para produzir mais armas e veículos, exportei mais matérias primas e, melhor, uni o país em termos sociais e políticos. Felizmente que não temos de lidar com factores económicos. As “compras” e “vendas” são feitas com pontos de experiência, senão a factura dos meus exércitos, frota naval e força aérea era pior que a actual dívida pública.
Só tenho pena que todo esse poderio militar e as enormes batalhas possíveis com tanto avião, navio e tanque, se resumam a uma pequena figura animada, qual peça de jogo do Risco. Podemos ter centenas de tanques em terreno e só teremos um pequeno modelo a disparar de foram genérica, contra uma divisão inteira de infantaria que é só um boneco a dar tiros avulsos. Como disse, é um jogo de estratégia pura e os conflitos no campo de batalha não são simulados. É como se estivéssemos sempre a olhar para um mapa gigante e a mover peças de forma estratégica. Resumidamente, somos como um Marechal de Guerra a tomar decisões políticas e militares. Era bom que a Paradox olhasse para o que Total War consegue fazer neste campo.
A nível técnico, é óbvio que este jogo tem imensos elementos com quadros, menus e ícones a encher o ecrã, ao início de forma confusa e caótica. No entanto, apesar da tal curva acentuada de aprendizagem que já falei, todos os quadros são competentes e objectivos. Possuem fácil leitura e as representações são intuitivas. Será preciso desenvolver a tecnologia associada a novas armas ou veículos, idealizar novas estratégias militares para ganhar batalhas, evoluir modelos e versões de equipamento, treinar novas tropas, atribuir funções de Estado e de gestão, etc. Irão perder algum tempo a ler descrições e ajudas, mas eventualmente irão reconhecer que está tudo muito bem arrumado no seu devido lugar. Tudo isto é fruto da tal lógica que a Paradox tem vindo a implementar nos seus últimos jogos do género.
Vão apreciar o rigor de representação de nações, facções políticas e muitos dos líderes militares como os Generais Patton ou Rommel, mas também os líderes infames da História como Churchill ou Hitler. Também é de assinalar o rigor técnico de modelos de aviões, tanques, navios ou armas da época. Infelizmente não há marcas conhecidas, apenas representações genéricas como “Fighter Aircraft” ou “Heavy Tank”, mas é possível reconhecer alguns modelos aproximados.
A nível visual, não podemos esperar muito de um jogo que não quer apostar no realismo ou na representação fiel das batalhas. Mesmo assim, é graficamente competente, com animações de modelos das tropas em movimento, ciclos de dia e noite, meteorologia e outros efeitos decorativos na acção. Tudo isto sem grandes soluços ou quebras de performance, numa programação relativamente simples, mas com muitas interacções e eventos em simultâneo. Uma nota positiva vai ainda para banda sonora épica e sons envolventes.
Veredicto
Há mesmo um “coração de ferro” neste jogo. De facto, os eventos da Segunda Guerra Mundial inspiram qualquer amante da estratégia militar. Livros foram escritos dos feitos desta batalha. Agora também temos este jogo. Há já muitos títulos deste género, até mesmo passados nesta altura da História da Humanidade. Hearts of Iron IV torna-se único pela sua componente “sandbox” que permite alterar o rumo da História. Não é fácil aprender a jogar e é muito complicado sobreviver às batalhas se não dominarmos todas as áreas de acção. Atrás da sua dificuldade inicial, porém, está um jogo viciante e robusto que merece a vossa atenção. Afinal, derrotar o Terceiro Reich, conquistando Berlim ao lado dos Aliados, ainda hoje, não tem preço.
- ProdutoraParadox Development Studio
- EditoraParadox Interactive
- Lançamento6 de Junho 2016
- PlataformasPC
- GéneroEstratégia
Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.
Mais sobre a nossa pontuação- Rigor histórico ou reescrever a História
- Muitas horas a construir um Império
- Tecnicamente polido e robusto
- Curva inicial de aprendizagem
- Falta de um tutorial
Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.