Análise – Hitman III
A estrear numa nova geração de hardware, Hitman III é também o final de uma trilogia que sempre soube surpreender a cada novo capítulo. A Io Interactive empenhou-se para trazer-nos um final satisfatório. Contudo, parece que a sua ambição já está noutro lado.
Não há dúvida que, como um todo, a trilogia Hitman lançada em 2000, uma espécie de “reboot” desta famosa franquia, foi uma excelente surpresa. Na altura, sobretudo no PC via DirectX 12, trouxe-nos um jogo verdadeiramente brilhante visualmente, ao mesmo tempo que nos proporcionou algo novo no género da acção furtiva, apostado em muitas boas ideias de jogabilidade. O segundo título expandiu esta oferta em todos os aspectos, preenchendo o que a IoI chama de “Mundo de Assassinato”. O formato de lançamento episódico foi revisto, para que pudéssemos desfrutar de um jogo inteiro e não uma porção faseada lançada a conta-gotas. O terceiro jogo tinha, assim, a obrigação de “fechar em beleza” a trilogia, aproveitando o novo hardware disponível para novamente surpreender tecnicamente e encerrar de forma esclarecedora a história do Agente 47.
Os eventos da história pegam exactamente onde Hitman 2 nos deixou. Apercebendo-se de uma conspiração que o envolve como “peão” numa trama de dimensão global, o Agente 47 alia-se a Lucas Grey para finalmente levar a luta contra a própria organização Providence. Ao que parece, 47 estava a ser usado por um dos membros para executar uma purga de elementos-chave. Uma vez mais, vamos andar à volta do mundo, em missões que envolvem eliminar a influência desta organização. Esta é também uma viagem à origem do programa de assassinos da ICA, com algumas respostas a perguntas que pairavam desde o primeiro jogo. No final, porém, já sabemos que 47 voltará à sua actividade de mercenário, o futuro da franquia está, assim, assegurado.
A história é só um pretexto para enquadrar as várias missões que são dadas. Seguindo a ordem dada, o jogo segue a mesma lógica do segundo jogo, com briefings e debriefings que visam explicar os desenvolvimentos. De um modo geral, porém, cada missão tem uma trama própria e que pode ser jogada de forma individual. Devo dizer que, em termos de argumento, não senti grande entusiasmo nesta história. Há mesmo momentos que precisavam de melhor escrita ou, pelo menos, mais desenvolvimento, especialmente em certos diálogos meio toscos. Honestamente, esperava mais dos momentos de revelação e interacções entre as personagens chave. O próprio final é anti-climático, quanto a mim. A IoI está aqui claramente em “velocidade cruzeiro”… e não é só aqui que isso se nota.
Fica bem claro que a Io Interactive já está a olhar para outros rumos. Aliás, não consigo deixar de pensar que, em certos momentos, o Agente 47 está neste jogo (demasiado) próximo do protagonismo de um tal “James Bond”. A primeira missão no Dubai no seu tom geral, podia muito bem ser uma cena introdutória de um qualquer filme de 007. É algo negativo? Não propriamente. Mas, estamos a falar de duas personagens tão distintas. O Agente 47 é um assassino a contrato. Não é bem um agente secreto ao serviço de um governo que se infiltra num hotel de luxo para saborear uns aperitivos e beber champanhe. Felizmente, as demais missões levam-nos de volta ao pragmatismo da série, mas é inevitável não sentir a inspiração do novo Project 007 neste jogo. Repito, não é algo propriamente negativo mas também não faz favores a Hitman III.
Quando nos volta a colocar no papel do assassino silencioso e nos leva a eliminar alvos de forma furtiva, está lá toda a fórmula que deu a esta trilogia a sua fama. Uma boa parte do seu charme, são as mecânicas furtivas que nos dão imensas abordagens para a mesma missão. Continuamos a ter oportunidades únicas que podemos explorar e disfarces para tirar proveito de alguns dessas oportunidades. Agora sinto que temos uma ainda maior margem para investigação de alguns locais de modo a encontrar formas engenhosas de levar a cabo as missões e as missões secundárias de cada mapa. Já agora, tive mais curiosidade nestas pequenas histórias paralelas, que propriamente nas missões principais. O que diz muito, novamente, da escrita da história que serve de base ao jogo.
Se tiver de realçar algo em particular, são mesmo as novas localizações. Todos os locais que visitamos estão modelados de forma exímia, dando-nos locais credíveis e cheios de detalhes curiosos. Já mencionei o Dubai onde visitamos o enorme Burj Al-Ghazali, uma imitação do real Burj Al-Khalifa, o maior edifício do mundo. Mas, quem sabe o destino mais interessante seja Dartmoor em Inglaterra, local da génese da organização Providence. Mas, de um modo geral, desde uma discoteca barulhenta em Berlim, Alemanha aos frios montes Cárpatos na Roménia, passando por uma quinta vinícola na Argentina e uma base operacional da ICA na China, diria que a descoberta destes destinos e como explorá-los a cada missão, compõe de forma competente toda a jogabilidade oferecida, chegando mesmo a alterá-la consoante o mapa.
Neste terceiro título são introduzidas duas novas lógicas. Os novos atalhos permitem passar porções do mapa para áreas de interesse de forma mais célere. Estes atalhos são devidamente marcados em cada mapa, desbloqueados pela nossa passagem. Anteriormente, já tínhamos algo semelhante, com pontos de entrada e disfarces que desbloqueávamos para cada mapa. Agora temos desnecessárias portas, escadas e acessos marcados a amarelo, que mais parecem algo acrescentado à pressa. Ah! É preciso o pé-de-cabra para abrir algumas delas. A IoI fez o possível para, de certa forma, os integrar nos mapas, contudo, não podem ficar realmente escondidos ou perdem o sentido. Ao encontrarmos estes acessos garridos, quebra-se um pouco a imersão desejada.
A outra novidade na jogabilidade, essa sim, parece-me bem mais útil. Mas, infelizmente, é mal aproveitada. Temos agora acesso a uma nova câmara no telefone do Agente 47. Com ela, podemos até fazer zoom e explorar os mapas à distância, tirar imagens de pontos chave e até hackear de forma simples alguns sistemas. Serve, por exemplo, para desligar um monitor de segurança para que possamos passar. Dado que a tecnologia também avança no mundo de Hitman, faz todo o sentido que se usem gadgets para suportar a actividade furtiva. Apenas acho que também esta novidade foi colocada de forma acessória, uma vez que a usamos no início e depois parece quase inútil no resto do jogo.
Porque podemos usar o tutorial do primeiro jogo para aprender a jogar este terceiro título, deixa bem claro que, tirando as novidades acima citadas, a jogabilidade está praticamente intacta. A ideia é que podemos jogar os três jogos integrados em Hitman III, correndo todas as missões do primeiro, segundo e terceiro jogo de forma linear, aproveitando também algumas melhorias técnicas da terceira revisão do motor gráfico. Se este terceiro jogo mudasse demasiado a fórmula, haveria aqui um fosso entre os dois primeiros títulos e este terceiro. Acontece que sempre que jogamos um novo jogo, esperamos algo substancialmente novo. A atitude conservadora da IoI é perfeitamente compreensível, mas então não devíamos estar a jogar Hitman III, mas sim, Hitman 2.5.
E esta noção fica ainda mais clara na parte técnica. Já mencionei que os novos destinos são realmente detalhados e fantasticamente modelados. E, sim, há um salto visual assinalável neste terceiro capítulo, ainda mais evidente se conseguirem adicionar os dois primeiros jogos no terceiro para os comparar entre si. Digo “se conseguirem” porque, na sua ambição de trazer um jogo exclusivo na Epic Games Store, a IoI passou uma “rasteira” aos jogadores do PC. Quem tinha Hitman 1 e 2 na plataforma Steam, terá notado que o seu progresso não transita para o terceiro jogo. Pior, se não comprarem os passes respectivos, nem poderão jogar os níveis de Hitman 2. Parece uma enorme falha no tal “mundo” que a produção queria criar.
A Io Interactive já fez saber que está a tentar mitigar o problema, ao pedir que os jogadores do PC que já tivessem os dois jogos anteriores no Steam, não comprem o passe porque irão arranjar uma solução. Mas… não houve tempo para constatarem que, de facto, isto iria acontecer? Ou foi mais “prático” esperar até dias antes do lançamento para revelar esta limitação, talvez de modo a evitar má publicidade no lançamento? Não posso responder pela produção, obviamente. O que sei é que nas consolas esta limitação não se verifica. Menos mal, na Epic Games Store, se comprarem Hitman III durante os 10 primeiros dias após o lançamento (ou o pré-encomendaram), recebem o primeiro Hitman de borla para lá integrarem os seus níveis. Pelo menos, ficam com 2/3 do prometido…
Já falei do argumento pouco inspirado, da jogabilidade conservadora e sem grandes novidades e até das falhas de marketing no conceito da trilogia. De um modo geral, estas questões não afectam a qualidade do terceiro título e poderão ser perfeitamente passageiras em alguns casos. O que não posso deixar de assinalar como negativo, porém, foram os problemas graves que encontrei a jogar. Nos primeiros dias de lançamento, os servidores do jogo simplesmente não aguentaram a pressão. A minha conta IoI era dada como inexistente, ou com progresso a 0%, além de ter visto outras questões de ligação. Lentamente, a situação foi melhorada mas, à data desta análise, ainda persistem. Este é o mal dos jogos que necessitam de ligação permanente online.
Por outro lado, por duas ocasiões perdi todo o meu progresso em Hitman III e ainda tive de lidar com inúmeros crashes inexplicáveis, alguns em zonas específicas e reportadas como tendo um “bug”. Não foi ainda lançada nenhuma actualização, havendo mesmo jogadores que nem entram no jogo sequer. Com cinco níveis (seis na realidade, mas o último é um epílogo), seria de pensar que analisar este jogo fosse relativamente simples. Contudo, ao ter de lidar com estes problemas, este período acabou alargado de forma frustrante. Por outro lado, a IoI parece francamente lenta a responder aos problemas, certamente algo causado pela pandemia mas que não explica tudo.
Veredicto
Embora repita a fórmula de sucesso que o primeiro jogo introduziu, o fim da trilogia trazido por Hitman III é bastante conservador. A jogabilidade é praticamente a mesma, com duas excepções que não merecem grande destaque. A história é um tanto insípida, com um desenrolar e um final pouco apelativo. Tem alguns problemas técnicos e uma “rasteira” pregada aos fãs de longa data da trilogia no PC. Embora os novos locais e proezas técnicas deslumbrem, parece mais um pacote adicional de mapas que um novo título por seu mérito. Cumpre o objectivo de fechar a trilogia mas, individualmente, não acrescenta nada de significativo, chegando mesmo a roçar perigosamente numa notável perda de identidade.
- ProdutoraIo Interactive
- EditoraIo Interactive
- Lançamento21 de Janeiro 2021
- PlataformasPC, PS4, PS5, Xbox One, Xbox Series X|S
- GéneroAcção, Aventura
Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.
Mais sobre a nossa pontuação- Alguns momentos visualmente deslumbrantes
- Os novos destinos em jogo
- Poder jogar a trilogia num só jogo (quando funciona)
- Novidades de jogabilidade não acrescentam nada de especial
- Problemas técnicos no PC
- A incrível falha comercial com Hitman 1 e 2
Esta análise foi realizada com uma cópia adquirida pela redacção.