IndianaJones (2)

Análise – Indiana Jones and the Great Circle

Entre os meus filmes preferidos de todos os tempos, inevitavelmente lá estão as aventuras de Indy. Este não foi um herói muito bem representado em jogo no passado mas Indiana Jones and the Great Circle vem trazer justiça.

Confesso que tive imenso receio do que a MachineGames poderia fazer com este jogo e, sobretudo, com esta franquia. É óbvio que a Bethesda e a Lucasfilms Games queriam algo grandioso, em especial porque as adaptações em jogo de outras franquias populares não correram muito bem e, ainda mais flagrante, o último filme Indiana Jones and the Dial of Destiny foi um flop total (e é discutível se Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull foi algo positivo). Para os fãs mais fiéis de Indy, claramente a trilogia original é que figura nas suas preferências. São três filmes intemporais e cheios de carisma, do melhor que George Lucas e Steven Spielberg já nos trouxeram ao grande (e pequeno) ecrã. E foi exactamente essa a essência que a produção quis captar com este jogo.

Não podia haver maior homenagem aos filmes originais dos anos 80, nem melhor introdução à dinâmica de interacção com este jogo, que os primeiros minutos da história, em que revivemos toda a cena introdutória de Raiders of the Lost Ark de 1981. Desta vez, porém, somos nós mesmos Indiana Jones, num jogo de acção na primeira pessoa. Mas, não pensem que andaremos aos tiros pelos mapas, com algum shooter adaptado. Sim, temos um revólver e até podemos dar uns valente socos ou chicotadas mas esse não é o intuito do jogo, nem a personalidade do Dr. Henry Jones (Junior) se adaptaria a esse perfil mais violento. Indy é um professor de arqueologia que tenta evitar os inimigos, resolvendo enigmas e a devolver peças arqueológicas aos museus.

Contudo, não seria justo fazer simplesmente um paralelo com o primeiro filme. Calma! Há mesmo uma história única neste jogo. Mesmo que tudo o que gire em torno seja francamente familiar aos fãs dos filmes,e esta é uma nova história original com apenas alguns paralelos com as demais histórias já conhecidas. Há na mesma uma trama que roça temas históricos e místicos, há na mesma companheiros de várias capacidades, por vezes cómicos para interagir, vamos até rever caras conhecidas dos filmes. Há também umas quantas reviravoltas inesperadas e bastantes mistérios para resolver. Acima de tudo, há túmulos para visitar e todos concordarão é sempre bom desancar em fascistas.

Como já disse, o jogo arranca em 1937, quando Indy vai recuperar o célebre ídolo de ouro numa floresta Peruana. Contudo, essa aventura revela-se uma recordação em sonho para Indy, que acorda um ano depois no seu escritório. Indy está de volta à sua profissão de professor de arqueologia quando houve ruídos na Faculdade de Marshall onde lecciona. Quando investiga os ruídos, descobre um homem louco a falar latim, na verdade um impossível gigante. Quando Indy o confronta, este ataca com violência. O gigante acaba por fugir mas deixa um estranho pêndulo para trás e, pior, roubou uma múmia egípcia de um gato dos arquivos da Faculdade. É óbvio que Indy precisa resolver mais um mistério e reaver esse artefacto.

Agora que Indy deixou a sua noiva Marion Ravenwood, nada o prende realmente à secretária da Faculdade. O salteador de túmulos sorri perante uma nova oportunidade de pegar no chicote, casaco de cabedal e chapéu fedora para mais uma aventura pelo mundo. Para isso, viaja para o Vaticano, onde começa a sua epopeia, por descobrir uma enorme conspiração que envolve a Itália fascista de Mussolini e o Clero corrupto. O regime esconde uma perigosa seita secreta que parece estar a influenciar os destinos do mundo através de misticismo. E esta influência é mesmo crítica, já que metade da Europa está ocupada pelos Nazis, com uma Segunda Guerra Mundial a surgir perigosamente no horizonte.

Sem revelar muito mais desta história, porque merece mesmo ser vivida por todos, esta nova aventura tem todos os ingredientes que nos recordamos dos filmes. Passa-se entre os eventos do primeiro filme, Raiders of the Lost Ark e do terceiro, The Last Crusade nos finais dos anos 30. Leva-nos por locais icónicos e históricos, como o Vaticano, as pirâmides do Egipto, os Himalaias e até pela lendária cidade de Ur no Iraque. Teremos uma simpática companheira de aventura, Gina Lombardi, para nos ajudar. E é claro que os Nazis também cá estão, encabeçados pelo famoso arqueólogo Emmerich Voss que tem uma particular aversão ao protagonista.

Esta história seria impossível de contar sem um bom argumento, obviamente. Embora acredite que alguns detalhes podiam ser melhores, não consigo listar nenhum ponto menos positivo que estrague realmente o enredo ou que desaponte na experiência. Nem tudo funciona tão bem em jogo como funciona nos filmes, é certo, mas a produção fez uma óptima adaptação a este meio, expandindo um potencial filme num jogo interactivo. É óbvio que contribui imenso para o sucesso deste jogo as prestações dos actores, com um absolutamente fantástico Troy Baker a personificar Harrison Ford como Indy, Alessandra Mastronardi impecável no papel de Gina e, para mim a melhor prestação, Marios Gavrilis como o antagonista Voss.

Outro elemento que contribui bastante para a excelência deste jogo, é o seu visual. Este é um trabalho profundamente extenso de recriar locais históricos credíveis, numa era ida dos anos 30 pré-guerra, com uma quase insana atenção aos detalhes. Nota-se que a produção perdeu horas no planeamento e design de tudo, desde cidades vastas, a túmulos sombrios e húmidos. Nada mesmo foi deixado ao acaso para nos colocar “lá”, na acção da trilogia original de filmes, numa era em que o visual imersivo era tudo para o cinema e deveria ser tudo para os actuais jogos com este hardware tão capaz. A melhor crítica que posso fazer é dizer que The Great Circle é um autêntico filme interactivo, que podia muito bem ser realizado por Spielberg.

Isto é particularmente evidente nas suas vastíssimas cenas intermédias, onde notamos um cuidado enorme de recriar os planos, perspectivas e transições dos filmes originais, numa ode à cinematografia que dificilmente foi feita anteriormente ou será feita novamente. Mais que dizer que a produção meramente se “inspirou” nos filmes, nota-se que este jogo foi criado por autênticos fãs da trilogia do cinema, dada a fidelidade quase extrema dos pormenores mais críticos das suas cinemáticas. É até possível que os jogadores menos dados à cinematografia despercebam isto, mas para quem, como eu, é também apaixonado pela sétima arte, torna-se impossível não notar este estreito paralelo.

Um outro detalhe que saltará muito à vista, em particular porque se coaduna tão bem com a prestação de Troy Baker, é a recriação das feições do próprio Harrison Ford. Outros actores são igualmente recriados com fidelidade mas, nota-se o esforço tremendo para recriar o jovem Indy como o conhecemos, tornando esta aventura ainda mais “imersiva”. Já vimos imensas óptimas recriações de feições e movimentos de actores em outros jogos, se calhar até melhores. Neste jogo temos até alguns pormenores que roçam o famoso “uncanny valley”, com animações menos bem conseguidas ou demasiado subtis. Todavia, isso só nos faz recordar que não estamos a ver um filme. Para um videojogo, porém, é absolutamente fantástico ver um jovem Harrison Ford no ecrã, curiosamente bem melhor que o actual actor mais idoso, mas isso é outro assunto…

De facto, há dois pormenores que poderiam fazer deste jogo um sucesso… ou um flop. O primeiro era se a produção e o actor Troy Baker tivessem falhado em recriar “o” Indiana Jones. Isso está perfeitamente consolidado no que digo acima. O outro detalhe crítico era que despercebessem a essência do herói e o tornassem num “ávido atirador” ou algum “escalador de plataformas”. Nas primeiras promoções, vi logo que este não seria um Uncharted com uma “skin” de Indiana Jones. Mesmo assim, havia sempre um risco de “gamificar” tanto a interacção, que se torna irrelevante para a história que se quer contar. Por outro lado, a MachineGames é mais famosa pelos tiroteios rápidos e sangrentos da série Wolfenstein. Como é que isto poderia transitar para a interacção?

Como já disse, terão uma pistola, uma série de “armas” improvisadas e o fiel chicote para algo mais musculado. Mas, num todo, esses são apenas recursos secundários. Este é um jogo de acção furtiva, com imensa exploração e muitos enigmas ou puzzles para resolver. Haverão momentos em que terão de combater, seja ao soco ou a desancar incautos com um martelo. Todavia, na maior parte do tempo, vamos andar disfarçados ou a esgueirar pelas sombras, de diário na mão para resolver enigmas de várias dimensões, em ocasionais plataformas ou debaixo de musgo em algum túmulo. E é exactamente isso que os fãs de Indiana Jones queriam. Mas, não sei se os amantes deste tipo de jogos o querem, na verdade.

Esqueçam os tiroteios em sites arqueológicos de Nathan Drake em Uncharted ou as manobras acrobáticas de Lara Croft em Tomb Raider. Bem sei que esses outros dois salteadores de túmulos são profundamente inspirados nas aventuras de Indy mas este herói original não usa gel polvilhado com pólvora-seca, nem é uma garota de “capacidades” quase sobre-humanas. O que sempre atraiu os fãs de Indy é a sua humanidade, o seu improviso e o seu engenho, não o dedo no gatilho ou algum malabarismo (que os houve, é certo). Todo este The Great Circle consegue recriar essa essência em bom rigor. Com isso, porém, também torna o jogo um tanto lento, com muitas secções só para “andar” ou ficar a resolver puzzles mais complexos.

São sinais dos tempos, na verdade. Estamos bem longe dos jogos mais cerebrais e que tentam contar uma história mais pausada mas mais credível e envolvente. Todos reconhecerão que é preciso tempo para desenvolver enredos e construir personagens. Infelizmente, não é isso que se passa nos videojogos modernos (e até no cinema actual, que vive de contar histórias). Por isso mesmo, porque considero uma luta contra paradigmas, diria que esta aparente “lentidão” em prol da narrativa é de louvar. Este convite a observar os detalhes e a assumir que nada tem de ser feito a “correr”, é essencial para se contarem boas histórias para a posteridade. E olhem que a MachineGames nem sequer é conhecida por criar experiências pausadas ou para explorar com tempo, o que representa para si uma autêntica mudança de paradigmas.

Como os tiroteios não fazem parte do cardápio principal, a acção propriamente dita é um tanto “desajeitada”, tal como Indy como o conhecemos também não é um lutador nato. Apesar de inicialmente decidir atacar todos os inimigos que encontrava, dei por mim a entender que a penalização e a falta de armas ou balas é penalizadora de uma abordagem mais “violenta”. Procurar alternativas mais pacíficas, exactamente porque o combate é mesmo um recurso indesejável, torna-se essencial. A energia de Indy é escassa, é preciso usar ligaduras ou comer bolos para a recuperar. A energia (stamina) é também limitada, não permitindo grandes movimentos ou golpes mais arrojados, sob pena de Indy cansar-se e precisar de descansar entre pancadas. As armas partem-se e é preciso repará-las.

Em termos de interacção, o que eu gostei mesmo muito foi do chicote. Tal como as teias do Homem-Aranha ou os batarangs de Batman, replicar este chicote era absolutamente crítico para este jogo. Não é só uma arma interessante para, por exemplo desarmar meliantes, é mesmo uma útil ferramenta para resolver puzzles e para passar algumas plataformas. Também gostei da câmara fotográfica e como se integra com o diário de Indy. A ideia é fotografar pistas e dicas que depois figuram no diário para nos auxiliar a resolver alguns enigmas. Podemos fotografar imensos locais históricos para também organizar um compêndio de recordações. Por cada local explorado e fotografado, ganhamos pontos de aventura que podem depois ser usados para desbloquear uma série de melhorias e habilidades novas, inclusive para os combates.

Gostei igualmente da dinâmica dos disfarces, embora ache que o jogo poderia tentar algo um pouco mais profundo nesta mecânica, talvez tendo alternativas para passar certas áreas com disfarces diferentes. Por outro lado, as personagens não parece reagir muito realisticamente a certos disfarces. Podem, por exemplo, pedir bênção ao “padre Indy” mas não estranham que este “padre” ande a escalar pelas paredes ou tenha um chicote à cintura. Entendo que o intuito não é bem replicar algo mais dinâmico como a série Hitman, mas era curioso que fosse algo mais elaborado. Tal como está, porém, funciona bem para nos ajudar a chegar a alguns locais mais complicados mas não ao ponto de se tornarem uma “batota” para todos os momentos. Até porque algumas personagens não se deixam enganar.

Outro detalhe que gostei muito neste jogo, é a sua ligeireza em aprender a jogar. Para um fã de Indiana Jones, é muito fácil intuir o que fazer a seguir. Mas, acredito que mesmo os que nunca viram os filmes estarão à vontade em tudo o que se desenrola, contendo várias dicas atempadas para se ficarem perdidos. Se tiver de apontar algo aqui, é a forma como o diário de Indy se torna um pouco confuso de navegar, recordando com saudade um outro menu de dicas parecido, o outro diário de Nathan Drake em Uncharted, certamente uma inspiração para esta lógica. Era melhor que este diário fosse paginado por assunto e não por missão, por exemplo, que os tópicos fossem escritos e não opções para abrir em janela. No fundo, que não fosse tão complexo de navegar. Mas é só mesmo isto que acho menos positivo, num jogo muito acessível.

Onde esta ligeireza não faz muitos favores, porém, é na resolução de alguns puzzles. Enquanto que uns enigmas envolvem alguma forma de raciocínio ou alguma destreza com timings ou com certas lógicas, rigorosamente nenhum dos puzzles foi, diria, complicado. Em cerca de 25 horas de jogos, tive, para aí, dois ou três puzzles mais complicados para “puxar pela cabeça”, mais porque exigiam múltiplas interacções que pela sua dificuldade. No arranque do jogo, são dadas opções de dificuldade, que incluem estes puzzles. Apesar de escolher um nível mediano de dificuldade, confesso que nunca achei estes enigmas suficientemente desafiantes. Aliás, alguns são até demasiado simplistas, talvez porque a produção tivesse receio que os jogadores se frustrassem com algo difícil. Então, porque é que se criam níveis de dificuldade?

Veredicto

Confesso que gostaria muito mais que Indiana Jones and The Great Circle fosse mesmo um novo filme que propriamente um videojogo. Bem que o cinema precisava disso. Contudo, a produtora MachineGames quis mesmo criar uma aventura digna de Indy e conseguiu-o a todos os níveis, seja no visual, na sonoridade, no tom e até na acção em si. Este não é um mero “shooter”, nem um jogo de perícia. É uma aventura furtiva, com exploração e resolução de enigmas com uma grande vontade de nos contar uma história credível. É uma óptima peça de entretenimento mas que podia muito bem ser um filme bem realizado. Falha apenas em pequeníssimos detalhes, honestamente. Talvez os que não conheçam Indiana Jones percam um pouco do entusiasmo pela sua acção mais indirecta. No entanto, esta é uma autêntica “carta de amor” de fãs para fãs e acredito que pode muito bem ser um dos jogos do ano. Pelo menos para mim, sem dúvida, ascendeu ao topo.

  • ProdutoraMachineGames
  • EditoraBethesda/Xbox Game Studios
  • Lançamento9 de Dezembro 2024
  • PlataformasPC, PS5, Xbox One X
  • GéneroAcção, Aventura
e
Épico

Simplesmente imperdível, candidato a melhor do ano.

Mais sobre a nossa pontuação
Não Gostámos
  • Alguma simplicidade excessiva em certos puzzles
  • Acção não agradará a todos os jogadores

Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.

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