Análise – Just Cause 4
Este jogo marca claramente uma mudança de rumo para a série. Ao contrário dos antecessores, Just Cause 4 não quer reinventar nada, nem sequer quer surpreender ninguém. Os Avalanche Studios carregam claramente no travão. E isso tem consequências.
Não sei se foi intencional ou não (provavelmente não), mas este jogo chegou-nos tarde. Tão tarde que já nem o esperávamos. A questão burocrática por detrás da sua chegada, porém, não nos demoveu de o avaliar da melhor forma. Aconteceu que, por acaso, neste tempo de espera vimos o seu lançamento ser envolvido em polémica. Como sempre acontece em qualquer Just Cause, a sua acção explosiva e exagerada não é nunca consensual. Contudo, Just Cause 3 acabou por provar ser um jogo agradável, com imensas actividades divertidas e bastante qualidade, equiparável à ambição da produção de fazer algo maior e melhor. Contudo, parece que Just Cause 4 não se pauta pelos mesmos objectivos.
Se vos disser que Rico Rodriguez está de volta para libertar mais um país da opressão de um regime, não vos vou surpreender. Solís é um país fictício na América do Sul onde uma poderosa organização para-militar chamada Black Hand governa pela força, liderada pela implacável Gabriela Morales. Solís é também palco da meteorologia mais extrema que possam pensar, com a Black Hand a planear usá-la para fins militares. Mas, a previsão do estado do tempo é de queda de balas, com probabilidade de explosões, se Rico está na região. Até porque, parece que o seu pai teve ligações com os mercenários e há um sentimento de culpa inerente que tem de ser sanado.
Em cada Just Cause, o enredo é claramente um elemento excedente, passando a maior parte do tempo a tentar justificar o caos que se instala. Na verdade, se temos um mundo aberto para explorar, estilo sandbox, com missões secundárias espalhadas um pouco por todo o lado, não precisamos mesmo de seguir nenhum fio condutor… até agora. Este quarto capítulo tem, claramente, um “rédea” mais curta na forma como o jogamos. Continuamos a poder explorar o mapa como queremos, mas as missões orientam-nos mais para libertar regiões de forma objectiva e compassada, pedindo um ritmo muito mais pausado. E não é só na história que este jogo abranda o passo.
É inquestionável que a maior das ofertas dos jogos anteriores, é o caos “over the top” que nos dava. Podíamos destruir quase tudo o que nos aparecia à frente e sair impunes também de quase tudo. Havia um sistema de alerta para a oposição aparecer, cada vez mais em força, mas nunca senti um real desafio na sua oposição. Na verdade, em Just Cause 3 até parecia que tinha uma batota de invulnerabilidade ligada, uma vez que era raro morrer no meio de tanta bala ou explosão. Era frequente entrar numa base pejada de inimigos e defesas e, num punhado de minutos, desancar tudo e todos, libertando a dita base. Repetia-se mais umas bases destas e região libertada.
Just Cause 4 não é tão recompensador, infelizmente. A minha experiência nos primeiros minutos foi de alguma frustração, por outros motivos que já vou falar. Mas, ao ultrapassar esse primeiro impacto, esperei mesmo encontrar aquela jogabilidade “do costume” de Just Cause 3. O que encontrei, porém, foram lógicas meio estranguladoras da diversão. As explosões parecem menos gigantes, os objectos para destruir são mais raros mas, o pior para mim, é aquela impunidade característica de Rico francamente reduzida. Rico tem menos energia e menos balas. Não me lembro em JC3 ficar sem munição tantas vezes como aqui. O foco está nos equipamento e acessórios de Rico mas, nem aqui as coisas estão bem.
Não havia nada mais simples que apostar nas qualidades do jogo anterior e acrescentar umas quantas novidades. Só que a produção quis complicar. Desaparece aquela complicada árvore de evolução baseada em cumprir desafios, felizmente. Em troca, porém, temos uma complicação. O gancho com corda continua exemplar no seu uso, mas agora temos uma espécie de “slots” para modificadores neste gancho que vamos ganhando ao progredir nas missões. Neles escolhemos se queremos pequenos foguetes, balões ou explosivos. Torna tudo muito mais confuso e pouco intuitivo. Não era preciso mexer nesta mecânica, sinceramente. Depois de várias horas, desisti de tentar perceber a lógica destes slots.
Com os slots, perdemos o uso D-Pad para mudar de armas, o que sinceramente não faz sentido. Agora só podemos ter duas armas, as tais que ficam sem munições muito rapidamente. E a troca das mesmas é das mecânicas mais estranhas que já vi: carregar e manter premido o botão quadrado (PS4) ou o X (Xbox). Sim, o mesmo botão para recarregar munição. Também não faz sentido que agora os explosivos sejam limitados às armas que usamos ou ao gancho que dispara C4. Limita tanto esta importante componente de jogo, que frustra. Usei muito mais o gancho para “prender” inimigos, que armas de fogo para os eliminar. Até porque estes camaradas são autênticas “esponjas” de balas.
Numa série que foi sempre sinónimo de tiros e explosões, Just Cause 4 parece assim muito mais comedido na violência. Fica claro que a produção não se empenhou tanto no caos e, sim, numa linearidade que não é bem vinda. Nada é realmente memorável ao fim de umas horas a jogar, os inimigos são quase sempre os mesmos, as missões são repetidas em conteúdo e objectivos. Não chega que tenhamos agora uma espécie de “jogo do Risco” para libertar regiões, com os nosso “soldados” a realmente lutarem pelo território (se bem que tenham a pontaria algo desafinada). A dada altura estamos a fazer quilómetros para uma missão igual à anterior e não parece haver nada que o justifique.
A produção bem tentou dar-nos novos elementos, como uma visão especial para Rico, que permite procurar pontos de interesse, missões de oportunidade, armas ou veículos. Esta visão especial é muitas vezes integrada em missões, nem sempre de uma forma construtiva. Mas, não é nada de especial e, por vezes, é só uma chatice. Na maioria dos casos, tudo é bastante previsível, quase sempre envolvendo aceder a um computador, carregar em botões ou usar o gancho para puxar qualquer coisa. Esta visão especial nem é propriamente essencial para concluir as missões. Enfim…
De tudo o que já falei, fica bem patente o meu desapontamento com a jogabilidade de Just Cause 4. Mas, ainda não falei do pior aspecto da experiência. Há qualquer coisa de muito errado no desenvolvimento deste jogo. Não, não tem nada a ver com as capacidades técnicas do motor gráfico usado, o motor proprietário e com provas já dadas, Apex. Este jogo, simplesmente, não foi concebido com o mesmo nível de qualidade esperada de um título lançado em 2018. Diria mesmo que não tem a mesma qualidade técnica de Just Cause 3, o que é uma marca francamente negativa para a equipa da Avalanche Studios.
Tudo começa logo nos primeiros instantes, ainda nas cenas intermédias. Felizmente, podemos saltá-las todas, a bem da nossa sanidade mental. Todas, mesmo todas, as personagens parecem toscas, como num jogo do início dos anos 2000. As animações faciais são muito más mas a optimização texturas e a modelação das personagens é o pior de tudo. Just Cause 3 não foi um primor nestes pormenores, admito, mas cumpriu sempre em trazer-nos um grafismo competente. Este jogo, parece que, ou não houve tempo para aprimorar, ou foi entregue a estagiários a dar os primeiros passos nestas lides. Podem achar que é uma afirmação algo dura, mas joguem e verão que não estou a exagerar.
Esta falta de qualidade é, aliás, uma constante no resto, que ironicamente contrasta com o que a produção tentou criar com Solís. Esta é uma região bem mais tropical e luxuriante que a anterior Medici. A ideia seria tornar tudo mais preenchido por vegetação, com diferentes áreas de selva, lagos e até montanhas geladas. As imagens promocionais levam a crer que este jogo é um primor visual. E, se tudo tivesse qualidade, era um jogo lindíssimo. Contudo, na realidade o jogo sofre imenso nesta busca de detalhe, tendo problemas graves de optimização, sobretudo à distância. Basta voar num avião ou helicóptero e vão notar “borrões” e modelos mal concebidos ou sem detalhe. Os reflexos na água são estranhos, os efeitos visuais são, por vezes, de má qualidade. Enfim, houve aqui um retrocesso claro.
Notem que joguei este título numa PlayStation 4 Pro. Embora não seja o pináculo do hardware disponível no mercado, é, ainda assim, uma consola com capacidade de nos trazer óptimas experiências visuais. Assim, é complicado justificar esta falta de qualidade em jogo mas ainda mais evidente nas cenas intermédias. Lendo um pouco sobre o que se passa nas várias plataformas, vejo que o mesmo acontece na Xbox One X e até no PC, esta última plataforma sofrendo de problemas bem mais graves de estabilidade. Nos dias que correm, não me lembro de outro jogo deste calibre, com tanto a perder, ser tecnicamente inferior ao antecessor. Aconteceu aqui, pelo menos.
Veredicto
É com imensa pena que digo que Just Cause 4 é um desapontamento. Queria apenas que a produção repetisse a fórmula do jogo anterior, removendo alguns elementos menos positivos, dando-lhe um novo palco e algumas melhorias visuais. Convenhamos que, quando falamos desta série, lembramo-nos de tiros, explosões, caos e o sotaque de Rico para apimentar a coisa. Mas, a produção tinha outras ideias, preferindo criar uma experiência menos violenta, mais linear e francamente mais aborrecida. E com a evolução das capacidades técnicas das consolas e dos PCs, também não é justificável o que vemos no ecrã. Parece que os Avalanche Studios apenas “cumpriram calendário”. E Rico Rodriguez não merecia este tratamento.
- ProdutoraAvalanche Studios
- EditoraSquare Enix
- Lançamento4 de Dezembro 2018
- PlataformasPC, PS4, Xbox One
- GéneroAcção, Aventura
Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.
Mais sobre a nossa pontuação- Solís é muito mais rico e variado
- A nova lógica de "jogo do Risco"
- Podemos saltar as cenas intermédias
- Rico mantém o seu sotaque "suave"
- Modelos faciais e animações no geral
- Optimização, sobretudo à distância
- Missões aborrecidas e repetidas
- Muito menos "explosivo"
Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.