Análise – Kerbal Space Program 2
De vez em quando, uma pequena ideia torna-se num sucesso. Depois expande-se ao ponto de gerar um culto e uma inevitável sequela. Só que, para Kerbal Space Program 2 a descolagem não correu bem.
O primeiro jogo é ainda hoje um objecto de culto. É um título que “brinca com coisas sérias”, não sendo bem um jogo, ou melhor, não sendo só um pequeno jogo com personagens divertidas. É um autêntico simulador espacial, com físicas apuradas e um notório cuidado com a ciência por detrás da exploração espacial. Desde a construção de um humilde avião, até ao conceito de um foguete e até de uma estação orbital para a exploração do espaço, há uma elevada dose de dificuldade, mesmo que seja tudo, obviamente mais simplificado que na vida real. Não iríamos tirar o lugar a Elon Musk, mas tínhamos um óptimo ponto de partida para ir às estrelas (virtuais). E então, veio o segundo jogo.
Agora nas mãos da Intercept Games (originalmente em produção na Star Theory Games mas acabou com outras ambições maiores) e com edição da Private Division, a escala deste segundo jogo seria um pouco maior que a visão original do pequeno estúdio Mexicano Squad. Os primeiros vídeos promocionais mostraram muitas coisas familiares mas o que se destacou, desde logo, foi o novo visual, bem mais apurado. Não creio que os fãs de KSP se importassem assim muito com o aspecto do jogo mas era, sem dúvida um upgrade lógico para uma nova era.
Contudo, para KSP2 a nova produção queria algo bem mais ambicioso. Prometeram melhorias substanciais nos vários sistemas, mais e melhores tecnologias que abordam novos conceitos de voo espacial e interplanetário e, claro, ainda mais formas de despenhar as naves e torturar os pequenos astronautas, chamados Kerbals. Ou seja, para regozijo dos fãs, o que se prometia era “mais e melhor” da mesma oferta, uma espécie de “remake” com muito mais ambição técnica. O que é exactamente o que se pede em qualquer sequela de um jogo de culto.
Em KSP2 a estrutura de jogo está praticamente intacta. Continuamos a criar uma nova campanha (onde escolhemos o logótipo e cores do nosso programa) e escolhemos o nível de dificuldade. Aconselho inicialmente a explorar o jogo com calma num nível mais baixo para perceberem os limites da simulação. Infelizmente, neste acesso antecipado a produção ainda não lançou o modo multi-jogador que prometeu, pelo que esta carreira a solo é actualmente a única forma de jogar. Mas, já falaremos mais dela.
A primeira melhoria técnica que irão notar é nos menus. O trabalho de redesenhar todo o interface é louvável, trazendo alguma modernidade ao conceito. Nem tudo é brilhante no novo design, porém, já que alguns elementos aparecem demasiado agrupados e algumas caixas de diálogo são um pouco grandes demais. Um bom exemplo disto são as caixas de dicas que são um pouco volumosas e tapam outros elementos importantes até as dispensarmos. Felizmente, podem desligá-las se preferirem.
Para esta nova era de curiosidade, esta franquia recebe a modernização necessária, dando aos pretensos exploradores espaciais uma chance de criar os seus veículos espaciais, inclusive novos rovers, ao mesmo tempo que experimentam a complexidade de explorar o espaço. Antes que tudo se inicie, porém, é preciso explicar como tudo se processa, como funcionam todas as dinâmicas de construção e como explorá-las para essa conquista. O primeiro jogo não era muito bom a explicar funcionalidades, com sucintas caixas de diálogo e uns poucos tutoriais simples.
Em KSP2 a produção decidiu criar toda uma “ground school” para aprendermos quase tudo o que é essencial para dominar o jogo. Os tutoriais são animados pelos simpáticos Kerbals e explicam o básico (e não tão básico) de quase tudo o que irão fazer em jogo. São algo extensos mas considero um importante passo em frente no que toca à iniciação de quem não está muito habituado a este tipo de simulação. Apenas gostaria que fossem um pouco mais práticos. Mas, tudo bem, servem muito bem o seu propósito de introduzir os novatos nesta franquia.
Depois de tudo aprendido nos tutoriais, é tempo de meter mãos à obra. Mas, calma com as expectativas. Este é um jogo difícil em que a dinâmica de “tentativa/erro” é imperativa. Como já disse, embora “simplificado”, na sua profundidade nada é realmente “simples” neste jogo. Mesmo com os tutoriais aprendidos, mesmo com as dicas, mesmo com alguma ajuda nas físicas e nos conceitos simplificados, não é fácil explorar o chamado “Kerbolar System”. Não apontem logo para a pequena lua, ambicionem primeiro sair da atmosfera e… sobreviver.
Por outro lado, recordem-se sempre que este é um título em Acesso Antecipado. Nesta fase, algumas coisas não vão funcionar muito bem (já lá vamos) e há muitos elementos que ainda não estão implementados. O que é uma má notícia para os fãs do primeiro jogo. Além de umas quantas novas partes de construção, que incluem novas motorizações e plataformas, o jogo está muito básico em termos de conteúdo. E alguns dos elementos em falta são mesmo ausências de peso e uma boa parte das promessas desta nova geração.
Uma das maiores faltas é a da árvore de evolução tecnológica, o que torna a o único modo de jogo algo limitado. No primeiro KSP tínhamos de desenvolver ciência para desbloquear novas peças. Aqui esta árvore não existe e está tudo desbloqueado de origem no modo “sandbox”. Por outro lado, não temos forma de fazer experiências científicas nas naves. E também não temos todas as tecnologias ainda presentes. É normal que o conteúdo se vá desenvolvimento nesta fase mas deixa um pouco a desejar este pormenor de escassez de elementos de evolução.
Quanto à promessa de colonização de outros planetas, novos sistemas solares, angariação de recursos e o já mencionado modo multi-jogador, tudo isto está previsto, sim, mas vai demorar. Por causa disto, por agora devem pensar neste jogo como uma espécie de Kerbal Space Program 1.5. O modo de carreira não é bem uma carreira e o que foi prometido nesta sequela para expandir a oferta ainda não está disponível. Esta é uma das limitações de apostar logo num jogo em acesso antecipado. Mas, há outras.
A falta de conteúdo aprofundado não é, para mim, o maior problema de KSP2 nesta fase. Sim, a falta de uma progressão é um factor importante para quem quer algo mais sustentado mas temos a oportunidade de usar a base das lógicas de simulação de uma forma mais ou menos ampla. O que mais vos vai chatear mesmo a sério, são os inúmeros bugs e erros de lógica que vão encontrar. O primeiro KSP não era propriamente exemplar neste aspecto mas podia jogar horas seguidas até encontrar um ou outro erro.
KSP2, porém, está cheio de pequenos mas desconcertantes bugs. Por exemplo, o lançamento de um foguetão assenta numa lógica de estágios e fases sequenciais. Agora imaginem que ao activar a fase seguinte, o jogo ignora a ordem e activa tudo de uma vez… Depois, há peças que desaparecem, a câmara ficou fixa numa perspectiva que não permitia sequer ver a nave, peças de construção ficaram “no ar” e não podiam ser apagadas, enfim, falta muito, mesmo muito, polimento neste jogo.
E este polimento também é necessário na performance. É uma contradição dizer que o salto na qualidade visual neste jogo é gigante. Há momentos em que, apesar dos Kerbonautas serem pequenos anões verdes, ficamos bem impressionados com a qualidade das animações, efeitos e texturas. Contudo, com tanta qualidade visual a performance é absurdamente baixa. Num PC que excedeu as exigências técnicas, tive quebras de fotogramas (fps) acentuadas, por vezes ficando-se nos 10fps. Nem é preciso muitos elementos no ecrã, apenas uma nave mais complexa.
Os cálculos para a placa gráfica e CPU neste tipo de simulação são evidentemente puxados mas ninguém nos disse que era necessário um “computador da NASA” para conseguir sequer desenhar uma estação espacial funcional. Ok… talvez seja necessário na vida real, admito, mas não num videojogo. E parece que tentar mexer nas opções gráficas é uma incógnita, porque acabei sempre com fps baixos com algumas construções. Este é um caso sério de necessidade urgente de polimento.
Veredicto
Enfim, são os soluços de um lançamento em acesso antecipado de um jogo francamente complexo e com mudança de estúdios pelo meio. Kerbal Space Program 2 poderá ainda ser uma óptima expansão de conteúdo e de visão do primeiro jogo mas apenas quando for devidamente polido e lançar todo o conteúdo previsto. Por agora, é uma evolução visual positiva mas não tão boa em termos técnicos. Como nos programas espaciais reais, é preciso ter paciência para ir corrigindo erros e um dia, finalmente, já não destruímos naves e vamos mesmo conquistar o espaço. Vale a pena o esforço? Acho que sim.
- ProdutoraIntercept Games
- EditoraPrivate Division
- Lançamento23 de Março 2023
- PlataformasPC, PS5, Xbox Series X|S
- GéneroSimulação
Este título ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.
Mais sobre a nossa pontuação- Novo visual dos menus
- Novos tutoriais
- Grafismo bem mais apurado
- Novos rovers e motorizações
- Performance inconstante
- Falta de progresso na carreira
- Falta de vários elementos de conteúdo importante
Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.