Análise – Kingdom Come: Deliverance (Actualização: The Amorous Adventures of Bold Sir Hans Capon)
Tal como o protagonista da sua história, Kingdom Come: Deliverance, é um humilde aldeão à procura de reconhecimento. Da desconhecida Warhorse Studios, começou por ser uma boa ideia financiada por crowdfunding e hoje está aqui para mostrar o que vale.
[Actualização DLC “The Amorous Adventures of Bold Sir Hans Capon”]
Se nas primeiras horas do jogo original me dissessem que no futuro iríamos ajudar Sir Hans Capon a conquistar donzelas, diria de imediato que dispensava. Contudo, horas mais tarde a jogar Kingdom Come: Deliverance levaram a um dos melhores desenvolvimentos de personagem deste jogo. Hans Capon passou de menino-rico arrogante, a vítima relutante e, mais tarde, amigo incondicional do protagonista Henry. Por isso, foi com bastante agrado que fiquei a saber que iria voltar à sua companhia neste segundo DLC. Restava apenas saber se esta expansão justificava o meu regresso ao jogo.
Na boa gíria nacional, “The Amorous Adventures of Bold Sir Hans Capon” é um pretexto para Henry “segurar a vela” ao fidalgo de Rattay. Hans está enamorado por Karolina e a corte poderia começar. Contudo, como já sabemos o quão mimado e inapto é, Hans precisa de ajuda da “arte de amar”. Obviamente, Henry é chamado ao dever… outra vez. Só que, à boa maneira de Kingdom Come, nada é fácil em Bohemia. Em três novas missões, Henry irá ter de lidar com assassinos, torneios de dados, cadáveres e… poemas de amor…
Antes de dizer o que acho deste DLC, tenho de avaliar como a expansão anterior (em baixo), em conjunto com esta, modificam o jogo. Kingdom Come esteve longe de ser um jogo perfeito, mas foi (e é) um dos melhores RPG dos últimos tempos, mesmo que fique muito aquém de outros no seu género. Estas expansões, como todas as expansões de grandes jogos, só tinham o dever de pegar no que o jogo traz de melhor e elaborar nessa oferta. “From the Ashes”, como viram em baixo, foi um volte-face na jogabilidade de Kingdom Come. E este segundo DLC é uma nova “travagem a fundo”.
Estes pacotes de DLC foram planeados há muito tempo, se calhar bem antes do jogo estar terminado. O que me leva a pensar que, se calhar, a produção achava que, por esta altura, a comunidade só iria querer umas quantas missões diferentes da oferta do jogo base, talvez com alguma interacção fora do comum. No entanto, o primeiro DLC foi uma descolagem demasiado forçada da jogabilidade de acção, para uma mais estratégica e, honestamente, algo aborrecida. E este segundo DLC, apesar de apostar numas mecânicas mais consensuais, é outra descolagem, desta vez de carácter e de objectividade.
Notem que o tema “lamechas” ou as missões meio toscas nem chocam. É sempre agradável termos algo mais descontraído e há bons momentos de diversão ali pelo meio. A verdadeira questão neste conteúdo adicional é que não traz nada de verdadeiramente entusiasmante para jogar. As relações amorosas de Hans Capon são um completo vácuo de enredo no plano geral da história. De repente, Henry deixa de vingar a morte dos seus pais, para ajudar a fazer poemar de amor… Bem sei que há outras missões na história original ainda mais rocambolescas mas esta é capaz de ser a mais difícil de apreciar.
Por outro lado, mesmo não trazendo nada de novo, este DLC bem que podia ser mais durável. Terminei-o numas míseras duas horas de jogo, sendo possível até terminar bem antes. Para uma expansão que custa 9,99€ parece-me um pouco sobrevalorizado. Três missões sem grande emoção, na maioria dos casos a fazer recados, em duas horas? Confesso que também não sei como se poderia expandir mais o enredo, sendo a história já meio esticada para abranger as três missões. Mas, no final, fica sempre uma sensação de que podia durar mais ou ter mais conteúdo interessante.
Duas horas, contando com uns bugs. Já estava habituado aos erros do jogo base. Contudo, por esta altura pensava que a produção já tinha mitigado a maioria destes bugs. Não foi o caso. Em algumas fases, tive erros de diálogos e personagens bloqueadas, algo que frequentemente me obrigou a repor savegames. O que, aliado ao esquema meio limitador de salvar este jogo (com consumíveis finitos), me deu alguns momentos frustrantes. Este é, talvez, um dos maiores problemas de Kingdom Come, agora exacerbado por um DLC… Não era isto que esperava de uma expansão, sinceramente.
Em suma, “The Amorous Adventures of Bold Sir Hans Capon” é uma expansão para desenvolver a personagem do irritante snob, tornado amigo pinga-amor que é o jovem fidalgo. Será serviço aos fãs e pouco mais. É curto, a história é francamente acessória, tem problemas técnicos em demasia mas, o que salta à vista, é uma clara falta de foco. A produção dos Warhorse Studios não entenderam que os DLC devem ser expansões de algo novo ou, pelo menos, algo que amplie a qualidade do jogo base. Não estas poucas horas de uma história volátil. Esperamos que o próximo DLC “Band of Bastards” seja a redenção da produção porque, até agora, as expansões não entusiasmam.
[Actualização DLC “From the Ashes”]
Inúmeras actualizações e correcções depois, incluindo algum novo conteúdo e diversas adições, Kingdom Come tem agora muito do “polimento” que achámos que precisava na análise em baixo. O seu enorme potencial, porém, nunca foi posto em causa. Devido à sua dimensão, é bem possível que ainda andem por lá a desvendar a história de Henry. E ainda bem. Este novo DLC “From the Ashes” retoma uma parte da história principal depois de uma importante missão que é também um dos ápices do enredo. É impossível não contar um ou outro spoiler, pelo que a vossa leitura desta actualização deve ser cuidada. A questão, obviamente, é saber se traz alguma coisa interessante ao jogo.
A ideia deste DLC é que nos quer levar a um novo tipo de jogabilidade, uma descolagem do RPG puro do jogo original, sem o menosprezar. Para o activar, precisam de jogar uma boa porção do enredo principal até chegar a um momento em particular na história. Esse momento é rescaldo do infame combate que travam contra bandidos na aldeia de Pribyslavitz. Se já passaram pela missão “Nest of Vipers”, recordam-se que esta vila está ocupada e, se fizerem bem o vosso trabalho, libertaram-na do jugo dos bandidos. Pois bem, com casas e infraestruturas destruídas, numa ida ao Castelo de Talmberg, Sir Divish dá-nos a tarefa de ajudarmos na reconstrução desta vila.
Marius era a pessoa incumbida desta tarefa importante e é a ele que teremos de nos dirigir. Pois bem, à boa maneira de Kingdom Come onde nada é facilitado, esta nossa missão fica num impasse. Isto porque Marius precisa ser salvo das mãos de bandidos. Depois de libertarmos o arquitecto e de limparmos o seu acampamento de escumalha, está na altura de uma visita guiada à vila. Entretanto, Sir Divish visita o local e dá-nos, finalmente, a tarefa que está no cerne deste DLC. Tornar-nos num oficial de justiça (Bailiff) de Pribyslavitz em seu nome, encarregue de supervisionar a sua lenta reconstrução.
Depois de umas missões iniciais mais lineares, como a deslocação a Rattay para oficializar o nosso novo cargo e angariar mão-de-obra para a causa, vamos colocar mãos à obra. A reconstrução é morosa, como devem calcular. Que edifícios construir, onde os colocamos, que tipo de pessoas queremos por lá, que melhorias fazemos em cada edifício, entre outras decisões. Obviamente, o orçamento é limitado e temos de constantemente gerir também ganhos e custos de quase tudo. Por outro lado, quase tudo exige que sejamos nós próprios a deslocar-nos a diversos locais, dentro e fora da vila. Mesmo assim, a nova vida de Henry tem alguns luxos, como uma nova casa em Rathaus e uns novos cavalos para adquirir.
A nível de interface, temos de lidar com um famigerado livro de registo. Neste encontram todos os dados da cidade, incluindo habitantes, lucros, despesas e requisitos para cada edifício ou upgrade. E é só o que terão realmente de usar. Cada novo edifício é erguido de forma automática sem a nossa real intervenção. Afinal, somos um oficial de justiça e não um pedreiro ou carpinteiro. Contudo, há uma certa dose de insatisfação de não podermos realmente escolher o espaço em particular, a orientação das habitações ou formato das mesmas. E há alguma restrições do que pode ser construído e onde, algo que não concordo particularmente. Mas, pronto, a funcionalidade da vila é mais importante.
A dada altura, estas actividades parecem algo aborrecidas. E, se só fizéssemos isto durante mais um punhado de horas adicionais, até poderia ser. Contudo, a vida continua para Henry e outras quests e outros afazeres continuam activos. Comer, dormir, um pouco de diversão e um ou outro banho continuam a ser importantes para o protagonista. Assim, gerir a vila de Pribyslavitz não precisa ser um trabalho a tempo inteiro, na verdade. Podemos intercalar os afazeres de gestão com outras missões mais lineares. Isto, assumindo que estão a iniciar este DLC logo que se apresenta depois da missão “Baptism of Fire” ser concluída.
Se por acaso decidirem voltar ao jogo e activar este DLC depois de deambularem pelo epílogo, podem não ter o mesmo entusiasmo. Não só no epílogo as demais missões já deverão estar inactivas ou concluídas, como é bem possível que nem sequer consigam activar o DLC nessa fase. Uma vez mais a produtora Warhorse não facilitou a vida aos jogadores, uma vez que Sir Divish pode nem estar em Talmberg para activar a missão. Foi o que me aconteceu. Esperei várias horas, fui a Rattay e deambulei por Talmberg à procura desta personagem e só a encontrei passados largos minutos. Enfim.
A produção bem disse que este DLC foi desenhado para ser jogado durante uma passagem pelo enredo principal e não durante o epílogo. Com isso em mente, é bem possível que a experiência varie para quem já acabou a história principal. Recomendo vivamente que, ou reiniciem a história por completo, talvez aproveitando o novo modo de jogo Hardcore, ou simplesmente recuperem um savegame posterior à missão “Baptism of Fire” estar concluída. Foi o que acabei por fazer, de modo a conseguir ter algo para me distrair da tarefa de reconstrução da vila.
Não é que considere que o DLC seja demasiado fastidioso, o enredo e missões radiantes terminam em pouco mais de três horas adicionais. A questão, na realidade, é o contraste evidente criado por este DLC. Num RPG tão rico em actividades e com tanto para fazer em vários níveis de dificuldade e desafio, esta é só mais uma actividade complexa na mistura. Por outro lado, soa sempre a uma “reforma antecipada” para Henry, tirando-o de actividades mais lineares. Há algumas disputas para resolver entre os aldeões mas nada de particularmente complicado.
Num jogo tão dinâmico e cheio de aventura, “From the Ashes” é um travão autêntico no ritmo de Kingdom Come: Deliverance. Terá as suas vantagens para quem quer algo mais estratégico e não tanto de espada em punho. No entanto, não creio que agrade a todos, acabando por ser um investimento de tempo e recursos algo ingrato. Valerá a pena jogá-lo como fonte adicional de rendimento, se o dinheiro em jogo é um problema. Também é óptimo para ter, finalmente, uma casa própria e desanuviar um pouco dos combates e tarefas mais exigentes do jogo base. E a melhor notícia é que este DLC nem é caro, com um custo de apenas 10€.
[Análise original de 14 de Fevereiro de 2018]
Se nos seguem há algum tempo, sabem que sou fã dos jogos com narrativa forte. E com essa característica, só mesmo os Role Playing Games nos emergem nessa forma de contar uma história interactiva. No entanto, por mais que o género seja popular, nem todos os RPGs nos chegam a impressionar. E é inevitável que façamos comparações, nem sempre justas. Kingdom Come foi muitas vezes descrito como um “Skyrim sem dragões ou magia”. Considero esta uma classificação injusta mas, de certa forma, até compreensível. Tem mesmo essa profundidade narrativa e de jogabilidade, por vezes ultrapassando-a, mas foge, de facto, aos temas mais fantasiosos, procurando um rigor histórico sem precedentes. Sim, esta pode ser uma importante lição de História para todos.
Henry (ou Hal, como preferirem) é um filho de ferreiro que vive o “sonho” de um jovem Europeu na Idade Média: sobreviver como camponês, aprendendo o ofício do pai, não podendo ambicionar a pouco mais que perpetuar o seu status quo. O reino de Bohemia (antiga República Checa), porém, não vive dias normais. Uma guerra pelo trono levanta-se com a morte do Imperador Carlos IV e com a lascívia e impetuosidade do seu herdeiro Wenceslas. Do outro lado está Sigismud, o meio irmão de Wenceslas e Rei da Hungria, quer reclamar o trono pela força das armas. Pelo meio, está Henry cuja aldeia é dizimada pelas tropas invasoras. Com a perda dos seus pais e em situação desesperada, “há males que vêm por bem” e a sua ambição de ser “algo mais” é subitamente alimentada.
O enredo deste jogo confunde-se com a própria História. Estes eventos são inspirados em eventos reais extraídos de relatos históricos da Europa Central do século XV. O foco do jogo é replicar a vida na era Medieval, com todas as dificuldades inerentes. Não esperem, por isso, que Henry lance raios pelas mãos ou cavalgue dragões pelo céu. Henry não sabe ler, sequer. Também não esperem o conto vulgar do herói que surpreende meio mundo com as suas proezas. O protagonista é um simples aldeão que inicialmente nem sabe usar armas para se defender. Terá de lidar com injustiças, frustrações e perdas, aprendendo com os erros e, quem sabe, quebrar a Lei vigente. No fundo, esta é a história que nós próprios poderíamos viver, caso vivêssemos em Bohemia no ano de 1403.
Nesse rigor histórico, muitas das convenções de jogos modernos são postas de lado e nem sempre o “politicamente correcto” será respeitado. Isto porque este tipo de activismo não existia na Idade Média. A estratificação social, a misoginia e sexismo, a xenofobia, as influências religiosas e tantos outros fenómenos sociais estavam longe de serem considerados incorrectos, eram o padrão inquestionável. Essa abordagem é obviamente arriscada, com muitas das habituais vozes de protesto a chegarem já aos fóruns e redes sociais. Desde “não haver personagens de outras etnias”, até ao “retrato subserviente das mulheres”, muitas das recriações sociais do jogo já foram criticadas.
É discutível se um jogo precisa ser tão rigoroso em alguns pormenores mas, de facto, torna-se quase essencial que percebamos as diferenças sociais desta era. Entendo que a produção queria mesmo que esta fosse uma verdadeira viagem ao passado com personagens terrenas e credíveis, colocadas num quadro igualmente realista. Por outro lado, penso que esta recriação choca mais gente porque hoje em dia talvez tenhamos demasiadas exigências sociais reflectidas em jogos, filmes e outros meios de entretenimento. Obviamente, isto seria toda uma outra discussão. “Kudos” à produção pela coragem.
Quando vi os primeiros vídeos promocionais deste jogo, confesso fiquei algo apreensivo com o seu conceito. Não ajudou nessa minha dúvida ter experimentado uma versão inicial e algo experimental. No entanto, muita coisa mudou entretanto. Quem adquirir o jogo nestes dias, por exemplo na versão analisada por nós na PlayStation 4, irá notar um paradoxo: O jogo tem uma actualização que é quase o dobro (cerca de 23 GB) da dimensão dos ficheiros de instalação (cerca de 13 GB). Isto demonstra um empenho sério da produção, que usou este tempo para trabalhar em melhorias substanciais na experiência e balanceamento para o lançamento. A versão que testei nestes dias é um jogo bem mais amadurecido, mas nem por isso perfeito. Já explico.
Ao contrário de quase todos os RPGs modernos, Kingdom Come não possui um sistema de classes. Pelo contrário, permite personalizar Henry em vários tipos de habilidades comuns e ambivalentes. Podemos à mesma optar por ser um simples soldado com forte foco em combate, um ladrão que prefere assaltar incautos e arrombar portas ou até um mercenário a perseguir a melhor oferta, mas não há qualquer tipo de padrão a seguir. Pelo meio, podemos desenvolver habilidades comuns a todos, sem uma árvore de desenvolvimento definida. Isto porque o jogo permite evoluir por, simplesmente, fazer as actividades. Quantas mais horas dedicamos a usar a espada, por exemplo, mais rapidamente desenvolvemos o ataque e a defesa. Esta lógica permite criar uma personagem mais polivalente, ao invés de simplesmente escolher um caminho restrito.
Também é interessante constatar que temos uma reputação a manter e que vai influenciar muitas mecânicas de jogo. Nos diálogos, por exemplo, os nossos feitos, a nossa capacidade intelectual e até a nossa indumentária podem influenciar as respostas dos interlocutores. Se tivermos frequentes problemas com a lei, por exemplo, podemos ter reacções negativas constantes, podendo até ver os aldeões a fugir de nós. Se estivermos a trabalhar como guardas numa cidade, os cidadãos irão sentir-se mais intimidados e dar respostas mais precisas. Todo este esquema possui nuances interessantes que se moldam à forma como jogamos, o que torna a experiência muito mais individual.
Outro destaque interessante, é que as missões podem ser resolvidas de várias maneiras, sem haver uma forma linear de as concluir. Isto leva-nos a explorar possibilidades diferentes e a tentar opções. Numa missão inicial, por exemplo, temos de recuperar um anel de um falecido executado por um carrasco. Ora, este anel está guardado num baú na casa do carrasco e é preciso, digamos, “desviá-lo”. Podemos matar o carrasco e tirar-lhe a chave do baú, podemos roubar a dita chave do seu bolso enquanto dorme ou podemos enganá-lo a sair de casa e arrombar o baú, entre outras opções. Tudo depende da nossa perícia, moral e disposição. Obviamente que a forma como escolhem resolver esta missão terá consequências diferentes. Podem até nem aceitá-la, dado o risco de serem descobertos.
No menu da personagem podemos equipar dezenas de combinações de peças de indumentária, armadura e equipamento, com 16 slots diferentes para preencher. Como já disse, a indumentária tem um papel importante na apresentação e reputação do protagonista nos seus diversos papéis. Notem que o equipamento vai sofrendo desgaste e é preciso repará-lo constantemente. Ou vão a um alfaiate, armeiro, sapateiro, etc e pagam pelo serviço ou aprendem o ofício. E tenham cuidado com a higiene. Tanto o próprio Henry com as suas peças de vestuário e equipamento precisam ser lavados constantemente. Ninguém deve ir a um encontro com uma jovem todo sujo ou entra na presença de um lorde com uma espada cheia de sangue.
E não se assustem com este menu. Devo dizer que, apesar de uma certa complexidade inicial, torna-se francamente intuitivo a navegar e a usar. Dou particular destaque ao tal menu de itens para a personagem, onde temos uma utilização simples e encontramos uma descrição detalhada das características. Há tutoriais escritos para informações históricas e até relatos e biografias para nos dar uma melhor imersão nos eventos passados no jogo. Se se interessam por arte medieval, certamente irão gostar bastante do mapa de jogo, que mais parece uma recriação animada de um qualquer quadro da época. Esta arte, aliás, desde o vídeo introdutório com quadros animados, está patente por quase todo o jogo.
Falando da interacção, tenho de assinalar que, de um modo geral, não vai ser simples de dominar. Nota-se que a produção lutou um pouco para tornar cada interacção única, mas nem sempre tornou as coisas intuitivas ou práticas. Não ajuda muito que o jogo tenha sido desenvolvido para PC e portado para consolas. Há interacções algo complexas, como o arrombar de fechaduras que são de bradar aos céus usando um comando de consola. Neste caso, a mecânica escolhida obriga a usar os dois analógicos ao mesmo tempo, resultando em muitos dos raríssimos lockpicks partidos. Pior, se os partirmos, um guarda pode ouvir e deter-nos no acto. Esta dificuldade também se verifica no furto de carteiras com um mini-jogo que claramente não foi desenhado para consolas.
Onde esta dificuldade de controlos se torna mais desafiante é no combate. Se usarmos espadas, maços, machados ou outras armas de mão, até se torna intuitivo. Usamos o L1 para defender, os gatilhos R1, R2 e L2 para atacar e o analógico esquerdo para movimentar, com o R3 a servir para mirar o adversário. Terão ainda uma estrela de cinco pontas para escolher a direcção do golpe com o analógico direito. Contudo, o problema é a perda de energia (stamina) que nos deixa exaustos e os maus timings entre ataque e defesa, com as animações dos movimentos algo desfasadas. Depois de perceberem a lógica, tudo ficará facilitado, até lá, porém, torna-se frustrante perder combates porque demos golpes demasiado tarde e o inimigo acertou sempre antes de recuperarmos.
Contudo, foi o tiro com arco que, para mim, se tornou mais frustrante. Notem que não precisam mesmo aprender a arte do arco para combate, mas para caçar, por exemplo, é essencial. Desculpo a ausência de mira, mas não consigo ultrapassar a vibração causada pelo puxar da corda. É realista, sim, mas uma vez mais não foi pensado para consolas. Os analógicos não são precisos o suficiente para ajustar a pontaria e acabamos por perder o alvo muitas vezes. Pior, a energia (stamina) acaba após algum tempo e a seta é solta para algum lado que não seja o alvo. Desarmar a seta é possível, mas obriga a um outro timing frustrante. Agora imaginem fazer isto com o inimigo também a alvejar-nos.
Nem tudo é mau no combate porém. Seja qual for a arma que escolham, contem com um sistema de físicas francamente bom. As armas e armaduras possuem diferentes pesos e dinâmicas, onde uma espada ligeira ou um punhal são rápidos a disferir golpes, mas ferem pouco, um maço pode matar com poucos arremessos, mas é lento e obriga a dosear a energia. Uma boa couraça e um escudo dão-nos imensa defesa, mas tornam-nos lentos a movimentar. Mesmo combater montados num cavalo pode tirar-nos energia só pelo desgaste de rodar o animal e de trotear de espada em punho. E, felizmente, os inimigos sofrem do mesmo padecimento.
E falando nesse cavalo, saibam que a nossa montada possui uma Inteligência Artificial apurada, que nos ajuda em combate com coices e tudo. Estes companheiros equestres também possuem slots de equipamento (para armaduras e tudo) e também oferecem espaço adicional de inventário, tornando-se realmente inseparáveis. Todos os caminhos em Bohemia são longos e obrigam a muitas viagens a pé. Só quando tivermos um fiel cavalo é que vamos dar valor à sua utilização. Felizmente, temos sempre o fiel companheiro à distância de um assobio, neste caso, na tecla do triângulo.
Já falei de energia e já perceberam que é uma componente importante da acção. De facto, Henry e o seu cavalo precisam de gestão constante da energia (além da vitalidade, obviamente) e há diversas condicionantes nesta gestão. O peso do equipamento e do inventário pode deixar-nos demasiado sobrecarregados, impedindo-nos de correr ou de saltar, gastando muita energia em combate. Além disso, temos de dormir nas horas dedicadas e podemos comprar ou fazer comida e medicamentos para nos curar de danos, ferimentos ou envenenamentos que condicionam essa energia (ou então tomar algo para “nos dar asas”). De facto, passamos muito tempo a comer e beber, mas não demais ou ficamos enfartados e até bêbados.
Curiosamente, há uma forma muito frequente de apanharmos bebedeiras involuntárias. E, não, não é apenas por visitar tabernas e beber muitas bebidas espirituosas. Basta salvar o jogo. Sim, leram bem. Salvar o jogo manualmente pode levar a uma ligeira bebedeira. Isto porque há uma mecânica associada que obriga a beber um licor especial, limitado a três unidades no nosso inventário. O jogo tem salvamento automático em cada sector novo ou depois de dormir, tornando os checkpoints algo longínquos. Isto obriga a manter o stock deste líquido sempre disponível para a eventualidade de precisarmos de salvar no momento. Contudo, ao salvar o jogo muitas vezes seguidas, Henry fica “mais alegre” e lá se vai a reputação.
Há, de facto, muita atenção ao detalhe em imensas mecânicas e lógicas. Se mantiverem comida perecível no inventário, não só esta perde propriedades, como pode ficar estragada e envenenar-vos, por exemplo. Se não repararem o equipamento, este torna-se mais um empecilho ineficaz e perde valor nos vendedores. Terão de procurar casas de banho para lavar tudo como deve ser e manter boa aparência ou só lavar o possível numa tina de água. Tantas pequenas coisas que impressionam. Mas, onde esta atenção ao pormenor se torna gritante é no mundo vasto e aberto à exploração que este jogo oferece.
Usando o motor gráfico CryEngine 3, Kingdom Come é uma peça de arte. Usando o ciclo de dia e noite e meteorologia variável, os diversos cenários tornam-se vivos. Também os muitos animais que povoam as zonas de mato, as diversas árvores, arbustos e toda a vegetação autóctone da Europa Central, tornam-se francamente envolventes e realistas. Só tenho pena que a distância de rendering (draw distance) na PS4 Pro seja tão curta, sobretudo a cavalo e em com um ângulo de visão maior. O cenário está sempre a lutar para acompanhar o movimento, fazendo objectos “surgirem” quando nos aproximamos. Talvez seja uma questão de optimização a rever, mas prejudica francamente a acção.
Também a rever estão algumas animações de personagens e animais que vamos encontrando, assim como as expressões faciais e animações gerais das personagens com que interagimos. Em certos diálogos, as personagens surgem em posições ou perspectivas estranhas, além do sincronismo de lábios precisar de mais algum trabalho. Não considero que sejam situações graves, mas não estão a par do que temos visto em outros jogos do género. Porque este jogo aposta tanto na narrativa e nestas conversas entre personagens e porque os modelos faciais de um modo geral são tão credíveis, esperava algo um pouco mais refinado.
Infelizmente, encontrei outros problemas adicionais para a produção trabalhar. Tive uma série crashes para o dashboard da consola, aparentemente, aleatórios e que obrigaram-me a repetir áreas inteiras graças aos tais checkpoints longínquos. Também encontrei uma série de bugs como portas que deviam abrir bloqueadas, ficar preso em vegetação, objectos que desaparecem, etc. O empenho da produção em melhorar o jogo é assinalável, dando como exemplo a tal actualização “day one” de grande dimensão que já mencionei. Estou certo que a qualidade geral do jogo compensa estes erros e que a produção vai continuar a trabalhar para esmagar estes bugs. Até lá, porém, recomendo alguma paciência.
Veredicto
Kingdom Come: Deliverance é um daqueles RPGs de mundo aberto que sabe transportar-nos para a acção de forma credível. Possui uma complexidade algo elevada, sobretudo ao início, mas que assenta numa lógica acessível e de fácil compreensão. Infelizmente, não é perfeito, tendo algumas falhas nas lógicas de interacção e alguns erros técnicos de assinalar. No entanto, este épico medieval é também uma enorme demonstração de vontade de uma pequena produtora à procura de reconhecimento. Da minha parte, tem esse reconhecimento, dando-me um jogo francamente envolvente e ambicioso, que só precisa de um polimento maior.
- ProdutoraWarhorse Studios
- EditoraDeep Silver
- Lançamento13 de Fevereiro 2018
- PlataformasPC, PS4, Xbox One
- GéneroRole Playing Game
Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.
Mais sobre a nossa pontuação- Visualmente deslumbrante
- Atenção aos detalhes
- Enredo com rigor histórico
- Envolvência geral
- Problemas técnicos diversos
- Faltas de optimização de grafismo
- Alguns problemas nas lógicas de controlo em consola
Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.