Análise – Life is Strange: Double Exposure
Os créditos de Life is Strange: Double Exposure já passaram e, como costume, é hora de fazer um balanço das nossas escolhas e entender se a produtora Deck Nine conseguiu criar o mesmo jogo de culto para os amantes de aventuras narrativas.
Este é também um título para os fãs de Maxine Caulfield, uma vez que, este novo capítulo da saga não deixa de atrair a atenção de todos aqueles que acompanharam a série de Life is Strange ao longo dos anos, em tempos nas mãos da lendária Don’t Nod. Max está de volta e a sua vida, pasmem-se, voltou a ficar muito estranha. Esta será uma análise sem spoilers, difícil como devem calcular, sendo uma sequela arriscada. Porque, se é verdade que o termo “obra-prima” deve ser usado com cautela, o primeiro Life is Strange esteve muito perto de o ser. Além de ter colocado a sua produtora original “no mapa”, Max permaneceu no coração dos fãs. Recuperá-la sem repetir a sua essência, ou, pelo contrário, sem a desvirtuar, é um desafio complexo para esta nova produtora.
Temos também de considerar as dificuldades de continuar a narrativa tão bem encerrada, partindo de uma conclusão das suas aventuras, as quais, lembramos, ofereciam dois desfechos completamente opostos, consoante as escolhas do jogador. Felizmente, as nossas preocupações foram algo infundadas, porque este Life is Strange: Double Exposure é, mais uma vez, um título excepcional, tentando honrar muito bem a mesma essência que o original nos trouxe, chegando mesmo a elevar a série de volta ao nível do primeiro capítulo, depois de tantas sequelas oscilantes na qualidade. Liga-se à primeira aventura de Max de forma muito natural, inteligente e melancólica. Explico-vos agora como.
“Viajar no tempo não resolve problemas”, por vezes até cria alguns bem maiores (que o diga Marty McFly). Em determinado momento da narrativa, Max, desconsolada, concorda com esta constatação por causa de mais uma situação paranormal em que se vê envolvida contra a sua vontade, a primeira digna de nota desde os eventos de Arcadia Bay. Esta constatação, só por si, basta para ilustrar a viagem de evolução do primeiro “Life is Strange” para este “Double Exposure”. Estão enganados, tanto aqueles que vêem nesta Max revisitada uma mera cópia da sua versão colegial, como aqueles que acham que o seu “novo” carácter não é consistente com o passado. Resumindo, Max é a mesma mas, inevitavelmente, amadureceu.
Com a maturidade, foi forçada a repensar os seus actso, num contexto marcado por acontecimentos impactantes. Após uma tragédia (relacionada com Chloe, com Arcadia Bay ou ambas, dependendo das escolhas do jogador), está num mundo onde não se reconhece, porque possui poderes inexplicáveis. O que cria um paralelo notório com a sua natureza artística, que certamente contribuiu para o seu desenvolvimento emocional ao longo dos anos. Estes são aspectos fundamentais que todos os jogadores atentos deste título devem valorizar. Podemos reencontrar Max perfeitamente consistente com a que já conhecíamos, apenas mais experiente, mais consciente e, em alguns aspectos, menos convicta, não propriamente apática, pois será a única realmente empenhada em desvendar um novo mistério que envolve a sua nova melhor amiga, Safi.
O novo cenário foi pensado para respeitar o imaginário que, tal como o da escola secundária de Arcadia Bay, satisfaz todos os fãs. A universidade é essencialmente uma versão mais sofisticada dessa escola, com as devidas diferenças relacionadas com a idade mais avançada. Continuam presentes as amizades voláteis, os grupos elitistas, as relações entre professores e alunos, locais de convívio, etc. É aquela “vida no campus” que fará com que os jogadores de longa data se sintam em casa. Os espaços onde deambulavam Max e Chloe foram simplesmente substituídos mas são objectivamente familiares. Max Caulfield, afinal, está agora uma década mais velha, sendo uma fotógrafa reconhecida internacionalmente, está na Universidade de Caledon por um semestre, num papel a meio caminho entre estudante visitante e professora, no sentido em que passa o tempo com os alunos mas, na prática, orientará um laboratório de fotografia como docente oficial.
Não esperem uma sequela que sirva de pretexto para trazer de volta algo que já tenham visto. É, aliás, importante mas não relevante que joguem o primeiro jogo da série (ou as sequelas). Esperem, antes, uma nova aventura que aproveita a primeira como base contextual para compreender os novos acontecimentos. Para agradar aos fãs, a produtora limitou-se a referências “nos pensamentos da protagonista” (que inevitavelmente relembra os acontecimentos traumáticos) nas aplicações de mensagens. Estas são usadas de forma muito interessante, complementadas com as misteriosas fotografias que surgem nos locais mais improváveis (sendo também os coleccionáveis deste título).
Como prometido, não anteciparei narrativos detalhes desta aventura, excepto em aspectos mínimos que considero essenciais. Em termos de enredo e apresentação de um mistério a desvendar, achei esta sequela é muito mais adulta e mais complexa que o que tivemos no jogo original. O primeiro Life is Strange era a história de duas amigas num contexto em que, gradualmente, surgia um elemento inquietante. Por seu lado, Double Exposure trata de um caso de homicídio, onde a protagonista assume o papel de investigadora. Notam logo que o tom é diferente, somente recordando a “vibe” do primeiro jogo na apresentação das personagens, que aos poucos se revelam e mostram as suas ambiguidades e ligações inesperadas.
É na condução da investigação, porém, que Double Exposure brilha. Recuar no tempo já não basta. Até podia funcionar com uma adolescente que, em pânico, alterava os eventos mais recentes mas aqui é preciso algo mais consistente. Reactivar as habilidades especiais após dez anos é para Max como “exercitar novamente um músculo atrofiado” (nas palavras dela), descobrindo, depois, ser capaz de fazer algo inesperado. Talvez devido à passagem próxima de um cometa que o trio de amigos observa do observatório da Caledon, Max descobre ser capaz de abrir fendas no próprio tecido da realidade. Pode assim viajar entre duas dimensões, o mundo da vida e o mundo da morte. A realidade em que vive é o mundo da morte, onde o homicídio já ocorreu e o assassino está à solta. No mundo da vida, porém, a vítima ainda está viva e está ameaçada pelo mesmo desconhecido. Naturalmente, Max começa a saltar de um mundo para o outro, tentando, ora identificar o assassino no seu mundo, ora prevenir o mesmo crime no outro, com a esperança de salvar uma vida.
Acredito que estejam a pensar que já chega multiversos! A verdade é que não temos aqui contradições lógicas excessivas, em que muita da ficção temporal cai. Gerir uma ideia assim é tão complexo, quanto os saltos no tempo do primeiro jogo. Do lado da jogabilidade, oferece uma série de soluções potencialmente infinitas. Max avança na investigação recolhendo objectos e informações ou a conversar com personagens em ambos os mundos, expandindo o seu conhecimento duplamente. No início, é desorientador mas o diário ajuda a manter o fio condutor da narrativa. Um exemplo simples: se queremos abrir uma mala vigiada numa das realidades, talvez no outro mundo essa mala esteja desprotegida, com a chave ao alcance. Para desbloquear o telemóvel de uma personagem que não recorda o pin, podemos falar com essa mesma personagem no outro mundo e perguntar por esse pin. São apenas alguns dos casos mais comuns que encontrarão.
Em termos visuais, esperem praticamente o mesmo conceito técnico de todos os jogos desta série. Voltamos a ter uma apresentação em jeito de cartoon ou série animada, em que o realismo está em segundo plano para nos dar uma arte mais “desenhada”. Obviamente, os tempos são outros e a tecnologia também evoluiu, dando-nos uma aventura visual credível e bem mais polida. Finalmente, merece destaque a banda sonora, sempre um ponto forte da série e que, uma vez mais, contribui para a atmosfera que alterna entre momentos de pura melancolia (em que podemos “pausar” a acção, com Max sentada a reflectir) e outros mais tensos ou dinâmicos (nas fases de investigação e exploração). A referência a bandas e discos indie regressa em força, embora pareça faltar um verdadeiro “tema dominante”, uma melodia que permaneça na memória como as do primeiro Life is Strange.
Veredicto
Apesar dos meus receios como fã, Life is Strange: Double Exposure é uma sequela perfeita. Sem desvirtuar o que poderíamos chamar de “alma” da série, propõe novas atmosferas, situações e personagens que relembram os pontos fortes que conquistaram os fãs no primeiro capítulo. Esta fidelidade não impede uma exploração de novos tema, novos tons e novas soluções narrativas e de jogabilidade. Max é mais madura, mais complexa mas o seu carácter determinado permanece o mesmo, não desistindo até desvendar um novo mistério. A jogabilidade substitui as viagens no tempo por algo mais virado para as transições dimensionais mas funciona muito bem. Mais importante, a narrativa principal mantém-nos colados ao ecrã, gerida de forma magistral e com o mínimo de momentos mortos. Max enfrentará o pior cenário possível… um cenário que nunca poderiam imaginar. Afinal, a vida é mesmo estranha… outra vez.
- ProdutoraDeck Nine
- EditoraSquare Enix
- Lançamento29 de Outubro 2024
- PlataformasPC, PS5, Switch, Xbox Series X|S
- GéneroAventura
Equilibrado e com boas ideias, os seus erros não o impedem de brilhar.
Mais sobre a nossa pontuação- Narrativa quase impecável
- Excelente caracterização das personagens
- Jogabilidade interessante e versátil
- Gostava de ter mais cenários para explorar
- Reiniciar o jogo é algo limitado, por motivos óbvios
Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.