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Análise: Mafia III

É, talvez, uma das melhores séries do seu género, com mundo aberto, condução, tiroteios, mas acima de tudo por causa de enredos sóbrios e adultos. Mafia III tem aqui uma enorme responsabilidade de dar continuidade ao sucesso da série, ao mesmo tempo que se aventura por novos caminhos.

Os primeiros dias de Mafia III foram atribulados. Primeiro a 2K Games e as suas respectivas representações locais decidiram que a imprensa não tinha direito a receber o jogo para análise. Esta postura provocou atrasos nas avaliações, mas poderá ter sido intencional. O jogo foi lançado nas plataformas com alguns problemas técnicos em todas as plataformas. Como se não bastasse, no PC surgiu com um desagradável bloqueio a 30FPS e ainda mais problemas de performance e estabilidade. O seu primeiro fim de semana foi de expectativa se a Hangar 13 conseguia resolver os problemas antes do descalabro. Na madrugada de Sábado, uma correcção surgiu e parece que o jogo entrou na desejada “velocidade cruzeiro”. Ainda haverá trabalho para a produção, mas finalmente estamos em condições de visitar New Bordeaux.

É difícil acreditar que houve um período na história da Humanidade em que o racismo, xenofobia e exclusão social eram amplamente aceitáveis. Mas, sim, em plenos Estados Unidos da América nos anos 60, tratar a população Afro-Americana como “raça inferior” era “normal”. Por esta altura, a “Cosa Nostra” dominava uma boa parte do crime organizado um pouco por todo o lado, com os seus tentáculos na prostituição, droga, contrafacção, roubos e extorsão. New Bordeaux, a cidade fictícia inspirada na real Nova Orleães, é uma representação extrema dessa realidade, onde o crime parece compensar. E o protagonista Lincoln Clay é um produto directo das desigualdades sociais que criam criminosos por exclusão de partes.

Clay sobrevive como pode. Por entre racismo e desigualdades, a mão que o ajuda é mesmo do líder da chamada “mafia negra” Sammy Robinson. Agindo como pai emprestado, Sammy recebe o recém chegado Clay, vindo da Guerra do Vietnam, onde o governo que o odeia também o treinou a matar nas Operações Especiais. Esse conjunto de capacidades ganhas será muito útil para um propósito: Sammy precisa que Clay o ajude a pagar um favor à Máfia Italiana, liderada pelo infame “Sal” Marcano. A tarefa parece simples: roubar dinheiro da reserva federal num assalto “simples” para saldar a dívida. Só que lidar com a máfia nunca traz bons resultados e nem tudo é o que parece. Lincoln Clay acaba traído e dado como morto. Mas a sua história apenas começa aqui. Qual fénix renascida das cinzas, ressurge com uma sede de vingança.

Acreditem que o melhor deste jogo é mesmo o seu enredo. Contado por cenas intermédias em jeito de documentário, vamos seguindo os eventos de uma investigação do Governo dos EUA à vida de Clay. Lidando com questões sociais muito delicadas, com temas adultos sobre a moral ou a falta dela, entre cada missão do modo de história vamos acompanhando diversos intervenientes a explicar os eventos que levaram Clay a agir como juiz, júri e carrasco de “Sal” Marcano. É uma história de gente imperfeita que tem a vingança como pano de fundo, mas onde a nossa mão tem um papel a cumprir. Pelo meio, vamos ajudando a tornar New Bordeaux um pouco mais justa para todos, mesmo que por vezes tenhamos de tomar decisões menos consensuais.

Graças ao magnífico elenco de vozes e um guião sólido, é bem possível que esta seja uma das melhores histórias que irão ver em videojogo este ano. Irão apreciar as animações baseadas em captura de movimentos e as expressões faciais dos protagonistas. Vão gostar do ambiente de filme documentário e recordar muitos filmes policiais dos anos 60. Sobre o ambiente gráfico da componente jogável, já vou falar mais à frente, mas no que toca a cenas intermédias que contam a história de Lincoln Clay, há muito que não jogava um jogo puxado pela narrativa desta forma. Só é preciso que a jogabilidade e performance acompanhem esta qualidade.

Já devem saber o que esperar de um jogo Mafia. Mundo aberto à exploração, com condução competente e muitos tiroteios, tudo embrulhado numa reprodução de época fiel e dada ao detalhe. Se no jogo anterior vimos Empire Bay dos anos 40/50, New Bordeaux do final dos anos 60 (mais precisamente de 1968) é um local totalmente diferente. A paisagem urbana do centro, contrasta com os pântanos a sul, repletos de jacarés. Além de outros pormenores facilmente identificáveis como a arquitectura e design da época.

Também as modas mudaram, as roupas são bem menos formais, as músicas são de protesto e mesmo os veículos são mais musculados. A nível histórico, parece que o jogo está impecável. Até mesmo com os transeuntes brancos a demonstrar abertamente que odeiam os negros e outras minorias étnicas, algo que a produção faz questão de informar no arranque do jogo que é apenas uma representação artística essencial para transmitir o ambiente desta época.

Ao som de Jimmi Hendrix, Elvis Presley, Creedence Clearwater Revival, Iron Butterfly, Rolling Stones e tantos outros vultos da história da música dos anos 60, por entre anúncios absurdos como uma pomada para hemorroidas ou como a marijuana pode causar a morte, os rádios dos veículos e em algumas habitações são também fascinantes. De facto, toda esta ambiência de New Bordeaux é tão fantástica que, por vezes, até esquecemos que isto não é uma viagem no tempo para visitar um pedaço de história, mas sim um videojogo.

Todo o fascínio pelo ambiente do jogo, porém, é constantemente quebrado pelas suas inúmeras questões técnicas. Não, não estou a falar do tal bloqueio a 30FPS que já foi levantado na versão PC (versão analisada). Estou mesmo a falar de bugs de lógica, problemas de mecânicas de jogo, glitches visuais, físicas estranhas e outros problemas de estabilidade.

Mafia III não podia ser perfeito, nenhum jogo hoje em dia pode ser. Algumas das suas falhas, mesmo não sendo essencialmente graves, desapontam porque mancham um jogo brilhante em vários níveis. O que é pena e faz-me crer que a produção perdeu demasiado tempo a embelezar o jogo, ao invés de melhorar a sua jogabilidade. Talvez a produção pudesse extrair ideias já concebidas de outros jogos, sem necessariamente ter de reinventar nada neste género. Mas houve interesse em ser diferente, nem sempre com bons resultados.

Começando pela jogabilidade que está assolada por bugs de lógica e mecânicas falíveis. Já deu para perceber que Lincoln Clay vai ter de tomar New Bordeaux de assalto e roubar a própria Máfia dos seus recursos. Cada uma das missões dadas ao protagonista, seja pela CIA, seja pelas facções anti-Marcano que vai encontrando, envolvem alguma forma de captura e bases. O objectivo é tomar conta dos negócios escuros da máfia, dá-los a uma das três facções de uma aliança tremida e, eventualmente, ir tomando os distritos da cidade, um de cada vez.

Ora, esta mecânica é extremamente aborrecida pela sua constante repetição: Vamos a um ponto no mapa, matamos toda a gente, roubamos dinheiro, destruimos recursos ou roubamos veículos para depois dar tudo a uma das três facções, provocando o favor de uma e o aborrecimento às outras. Limpar tudo e repetir. Mesmo que, pelo meio, hajam algumas variantes nas missões, como perseguições por automóvel, interrogatórios a personagens ou outras tarefas específicas para cumprir, vão fazer a mesma coisa vezes sem conta.

Seria óptimo ter mais variedade nas missões que apenas este tipo de acção. Não que não aprecie a lógica de conquista de “bases”, mas acabamos sempre a fazer o mesmo em cada missão. E ao tiro com meliantes mafiosos ou com a própria polícia há um enorme contraste inteligência artificial. Ou ficam impávidos a olhar para nós a cometer um acto ilícito, ou desatam a disparar sem dó. E isto acontece quase sempre sozinhos (lá mais para frente podem chamar reforços), rodeados e com poucas armas, munições ou kit de tratamento. Morrer neste jogo é muito frequente, por vezes com um só tiro à queima-roupa de um adversário que não vimos e que não possui o seu respectivo marcador vermelho no mapa.

Sendo o tiro uma das principais componentes deste jogo, seria de esperar que esta lógica estivesse mais refinada. Mesmo assim, não diria que é incompetente, apenas precisa de trabalho ao nível da precisão e danos das armas. E o sistema de cobertura também precisava de um ajuste, uma vez que, por exemplo, Clay não consegue disparar para os lados sem se levantar da cobertura… sendo alvejado sem dó dos outros lados.

Também não consigo gostar da condução. Temos magníficos automóveis que são representações fictícias de grandes bólides desta época. Desde as clássicas “banheiras” com “tail finn”, aos monstruosos V8, há de tudo um pouco, com sons a corresponder. Até desculpo não termos perspectiva dentro do habitáculo, mas, nem mesmo na opção de condução “simulada”, a condução é consistente. Invariavelmente, vamos derrapar a cada aceleração ou travagem, mas o pior é a curvar. A partir de uma velocidade que só o jogo sabe, o veículo deixa de virar de forma competente e o choque com a parede ou outro veículo é inevitável.

As físicas de condução, lógicas de tiro e Inteligência Artificial não são, de facto, as melhores. Mas ainda não acabei e de enumerar os problemas deste jogo. Falta mencionar da sua constante instabilidade técnica. Não falo de crashes ou freezes, só tive dois nas vastas horas de jogo nesta análise, ambos antes da tal actualização de sábado. Há quem reporte mais, mas honestamente não foi o meu caso. O que quero destacar neste campo técnico são mesmo as inúmeras questões de efeitos visuais e de grafismo.

Não só as texturas parecem enevoadas em algumas circunstâncias, como o jogo não parece estar a correr na resolução correcta. Parece que ao escolher 1080p o jogo corre na verdade numa resolução mais baixa “upscaled”. É também muito frequente haver problemas nos shaders, sobretudo em superfícies metálicas. Os veículo, por vezes, parecem ter uma “aura” prateada. Depois há as questões dos filtros de cores, sobretudo em mudanças do ciclo de dia ou com a meteorologia dinâmica. Mesmo depois de uma actualização da Nvidia com drivers dedicados ao jogo, muitos destes problemas subsistem.

Com tanto pormenor negativo e, aparentemente, só o enredo a “salvar” a honra, será Mafia III um mau jogo? Não! Ao longo da história dos videojogos, tivemos paradigmas de qualidade. Quando, em tempos, gostávamos dos jogos pela sua jogabilidade, nos dias que correm os critérios são incrivelmente diferentes. Subitamente, damos valor a fotogramas por segundo, qualidade quase cinematográfica ou grandes actores conhecidos nos papéis principais. Com toda a honestidade, tudo isso pode pesar para decidir se um jogo é bom, mas nada disso deve ser a razão definitiva.

Um jogo deste género não deve ser acéfalo, deve contar uma boa história, pelo menos cativante. Não pode ter personagens plásticas, mas sim com personalidades que causem a mínima empatia. Deve ter uma jogabilidade que não o comprometa e que nos envolva na história. Tem de ter qualidade visual, sim, mas não ao ponto que “roube” tudo o resto. Acima de tudo, tem de nos agarrar de forma a que os seus argumentos não sejam toldados pelas suas falhas. Mafia III, quanto a mim consegue.

Sim, tem falhas técnicas notórias, missões repetitivas, tarefas redundantes como coleccionar revistas da Playboy dos anos 60… bom, aqui não há nada de errado… ahem. Mas debaixo das suas falhas está um jogo brilhante, que só tem de sobreviver às más críticas com actualizações e melhorias da sua produção. Nem todos os jogos podem ser colossos neste género “sandbox” como Grand Theft Auto V foi. Mas aplaudo o enorme esforço da Hangar 13 em nos contar uma arrojada história, fora dos padrões com toda a certeza, com todo um ambiente histórico memorável. Só falta mesmo a jogabilidade corresponder e a produtora já prometeu melhorias.

Veredicto

Os problemas, resolvem-se. Já um mau conceito perece logo. Mafia III tem tudo para ser um jogo fantástico, mesmo com alguns problemas técnicos que, por agora, o impedem de brilhar. Bugs, glitches, problemas de mecânicas e inteligência artificial, obscurecem um pouco a fantástica história de Lincoln Clay com a sua missão de se vingar em New Bordeaux. Contudo, está aqui um bom jogo sandbox, com condução, tiroteios e exploração com fartura. Estou certo que a Hangar 13 e a 2K vão tratar muito bem deste título e fazer-lhe justiça com actualizações que o melhorem. Quanto a mim, já estou a atrasado para levar justiça à “cosa nostra”. Vemo-nos no Bayou

  • ProdutoraHangar 13
  • Editora2K Games
  • Lançamento7 de Outubro 2016
  • PlataformasPC, PS4, Xbox One
  • GéneroAcção
?
Sem pontuação

Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.

Mais sobre a nossa pontuação
Não Gostámos
  • Problemas técnicos diversos
  • Missões repetitivas
  • Falhas na Inteligênca Artificial

Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.

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