ManorLords (9)

Análise – Manor Lords (Acesso Antecipado)

O fenómeno que gira em torno deste jogo é assinalável. Manor Lords é um trabalho de paixão de um único produtor e que foi lançado em acesso antecipado. Mas, ninguém o diria, parecendo um título quase final de um grande estúdio.

Ok! Esta apreciação será talvez um pouco positiva demais. Ao fim de umas horas, notarão realmente que o jogo precisa de muito tempo para atingir o potencial pretendido. Afinal, esta não é uma versão final do produtor e a Slavic Magic, na verdade, composta apenas pelo produtor singular Greg Styczeń, não tem nem dimensão nem orçamento para criar um AAA. Contudo, do que já podemos jogar, entendemos porque é um dos jogos mais desejados do momento no Steam, com mais de três milhões de “wishlists” e agora uma impressionante massa de mais de 170 mil fãs a jogá-lo e a ajudar o produtor na sua visão. Foram sete anos de dedicação para chegar aqui e isso nota-se no extenso cuidado em criar algo significativo para quem esperou. Mesmo numa fase antecipada.

Este é um puro jogo de estratégia mas tenham calma com as expectativas. Sim, é um jogo de construção de cidades, neste caso de aldeias medievais, com um profundo sistema de economia e gestão. Tem também um surpreendentemente competente combate, bastante entusiasmante na sua simplicidade. Todavia, mais que dizer o que é Manor Lords, é preciso dizer que este jogo não é. Não esperem muita profundidade de tabelas e estatísticas elaboradas ou alguma evolução complexa de infraestruturas, como um típico Sim City ou algum clone posterior. Também não espere que o seu combate, com elementos de conquista de um vasto mapa seja algum Total War. Empresta muitos elementos destes e de outros jogos, sem dúvida, mas não é, de todo, a sua intenção emulá-los.

Penso que essa é mesmo a essência deste jogo, o que tenta fazer é criar algo que seja intuitivo, simples e, de certa forma, sem aquela “gordura” excessiva que vemos nos títulos deste género. Contudo, como irão ver, esta simplicidade nem sempre funciona bem, parecendo que o jogo reclama algo evoluído mais nas suas lógicas. Quero pensar que essa maior complexidade até está planeada mas precisa de tempo para ser modelada. Mas, isso pode ser uma “espada de dois gumes” se considerarmos os sete anos na forja mais o facto de apenas uma pessoas estar a desenvolver o jogo. Por outro lado, o entusiasmo do produtor tão contagiante, em conjunto com a imensa participação da comunidade, dá esperança.

Aquilo que leva muita gente a ficar surpreendido com Manor Lords é que, de facto, numa primeira abordagem não parece que este seja um jogo de uma só pessoa, produzido há anos e com um orçamento modesto. O jogo tem uma qualidade geral invejável, um polimento pouco normal para um pequeno Indie, encontrando-se limitado apenas em alguns detalhes mais profundos da oferta. Diria que, no geral, o essencial do jogo está bem concebido, a precisar de alguns ajustes e correcções que o autor não perde muito tempo a corrigir logo que sejam detectados. As páginas de apoio estão repletas de boas reacções, apesar dos bugs e vários erros de lógica que ainda são perceptíveis. Algo espectável e facilmente mitigado com tempo e dedicação. Mas, essa é só mesmo a primeira abordagem.

Em muitos aspectos, nota-se que nesta fase Manor Lords está mais empenhado em deslumbrar-nos com esse primeiro impacto, especialmente no visual, que propriamente em aprofundar as lógicas. Como seria de esperar, este é um jogo em que a economia é tudo. Criar casas para os cidadãos, dando-lhe trabalhos para executar de modo a subsistir ou fazer dinheiro com isso, no fundo, a base de quase todos os jogos deste género. Nem mesmo o tema medieval é novidade, havendo alguns jogos mais ou menos elaborados a buscar também um elemento de sobrevivência que este jogo apenas roça a superfície. Esse é, aliás, o mote para o resto da oferta: superficialidade.

É que na sua simplicidade, o jogo peca por escassez. O maior dos exemplos é a falta de um bom sistema de tutorial, uma introdução diga que explique realmente todos os detalhes importantes. Há breves dicas que são úteis mas é normal ficarmos parados à espera de “algo” que nunca acontece. Um bom exemplo é como o jogo não explica que para construir uma Mansão (a Manor) é preciso construir cinco casas de cidadãos. Essas casas, aliás, são a base de toda a economia do jogo, uma vez que se podem transformar em negócios familiares. Contudo, nada disto é devidamente explanado no arranque do jogo. E é claro que vamos tentar fazer o que sempre fazemos num RTS, construir um negócio comum para a aldeia e erguer um exército.

Pura ilusão. A grande chave para o sucesso é pensar pequeno, construir casas, depois uma Mansão, depois apostar num pequeno negócio como foco (minério, caça, manufactura ou algo assim) para vender e ganhar dinheiro e só depois continuar a evoluir. Ou melhor, seria essa a melhor lógica se o produtor não estivesse constantemente em busca do equilíbrio. Uma recente actualização fez com o preço de um bem muito vendido perdesse rapidamente o seu valor e até deixasse de ser procurado. Portanto, a fórmula é ainda incerta. Uma coisa é certa, o sucesso neste jogo não assenta propriamente na violência.

Como já disse, o combate é surpreendente, de tão simples mas, ao mesmo tempo, tão entusiasmante de dominar. Podemos controlar as tropas em formações, podemos dar-lhes comandos simples de avançar, recuar, atacar ou defender, ao mesmo tempo que tudo se desenrola em tempo real e com animações credíveis que nos colocam “lá”. Há até um certo nível de personalização nas tropas que treinamos entre os cidadãos. Só que para chegar a esse nível, digo-vos, é preciso trilhar um longo, longo caminho. Seria algo esperado, se o jogo sistematicamente não nos mandasse bandidos ou exércitos inimigos para nos atacar. Encontramos, então, o primeiro paradoxo do jogo.

A alternativa a treinar soldados é contratar mercenários. Pagando (bem) a estes soldados, podemos erguer um (caro) exército privado que é facilmente comandado ou dispensado. Só que para os contratar precisamos de dinheiro… que não temos. O dinheiro ganho no comércio de bens pertence aos cidadãos. A única forma de o obter é cobrando impostos. Se o fizermos, caímos nas más graças do povo que, gananciosamente, acha que meros 10% dos lucros são demais. Então ganhamos pouco dinheiro para contratar um grupo mercenário de 26 homens. É o suficiente para dispersar um grupo de bandidos, sim, mas jamais para travar um exército invasor. E olhem que, a não ser que desliguem essa componente, serão muitas vezes acossados.

Então entramos noutro bloqueio inesperado. É declarada guerra contra o nosso feudo e os invasores simplesmente conquistam a nossa região, pegam fogo a tudo, matam meia população, pilham quase todos os bens e… nada… Não há forma de dar a volta sem recursos, pessoas e dinheiro. O jogo fica num impasse mas a frase “game over” nunca aparece. Outro impasse bem mais flagrante, mesmo nas primeiras horas, é começar a construir casas e infraestruturas sem um madeireiro para cortar troncos. É algo facilmente ignorado, pensando que basta contratar um lenhador ou que possamos comprar troncos no comércio externo. Não podem! Ignorem isto e rapidamente notarão que estão bloqueados porque o próprio madeireiro precisa de um tronco para ser construído.

Outros detalhes omissos prendem-se com a produção agrícola. Honestamente, nesta fase é mesmo melhor ignorarem esta opção do jogo, a de construir grandes terrenos lavrados para produzir alimentos. O jogo não explica bem que é bem mais produtivo produzir casas com hortas, capoeiras ou currais. São produções locais que alimentam aquela família, ao invés de um terreno comum, sujeito a rotação e, pior, ao mau tempo que o torna temporariamente inexplorável. A única vez que apostei em produção agrícola, acabei a comprar comida no comércio exterior ou as pessoas passariam fome no Inverno.

Tudo isto, porém, é francamente possível de ultrapassar ou mitigar. Basta que a produção não assente numa só fonte de alimento ou de rendimento. Basta que se façam provisões para trabalhar no Verão e descansar no Inverno. Basta ainda que se aposte num bem para vender em massa e angariar dinheiro para investir quando não produz. Mas, repito, nada disto é devidamente explicado. Na sua simplicidade que já mencionei tantas vezes, acabamos por perceber como tudo funciona, tornando-se relativamente intuitivo. Todavia, depende muito da vossa dedicação e intuição, algo que não devia acontecer.

Tudo bem, um tutorial resolveria tudo isto ou, pelo menos, ajudava. E isso levaria muito tempo para o produtor criar, enquanto outras áreas do jogo são mais urgentes. Há imagens que saem fora do quadro, texto em falta, imensas opções bloqueadas e que é preciso desenvolver, etc. Há também imensas pequenas falhas de ergonomia, de automatismo ou simples falta de noção do que melhor funcionaria ali. Tudo leva tempo e a solo é ainda pior alocar atenção e meios para produzir. Quando compramos um jogo em acesso antecipado, jamais poderemos esperar um jogo completo. Mas, lá está, por esta altura já estamos “fisgados” e o entusiasmo em querer mais do jogo acaba por nos desapontar mais.

Um bom exemplo de como o jogo pode melhorar muito é na ausência de estatísticas apuradas. Como em qualquer RTS, queremos perceber qual a função de uma família ou porque é que uma família está parada e não produz. Também seria bom entender o que é mais rentável produzir numa área mas não noutra. Penso que o produtor poderia ter aprofundado isto melhor para não ser tão críptico. Eventualmente, encontrarão todas as respostas mas, nada é evidente numa primeira abordagem, envolvendo muita tentativa/erro e alguma persistência. Falta aqui bastante trabalho no que se chama de “qualidade de vida”.

Por fim, a parte técnica. Como já disse, este é um jogo que deslumbra visualmente, tendo imensa qualidade visual para arregalar o olho já nesta fase de acesso antecipado. O design do jogo é muito sóbrio, sempre a tentar ser historicamente correcto. E ainda podemos carregar num botão e deambular pela cidade para vermos os nossos feitos e tudo. Claro que nem tudo é perfeito, especialmente na detecção de caminhos e colisões. Ainda assim, o visual não é, de todo, um problema neste jogo, onde se complementa muito bem com uma banda-sonora muito bem escolhida com temas medievais.

Conclusão

Como já é habitual num acesso antecipado, vamos evitar dar-vos uma avaliação final nesta fase, uma vez que Manor Lords precisa de muito, mesmo muito trabalho. Não invejamos o trabalho pela frente deste “one man show” que é a produtora Slavic Magic, observando um jogo com enormíssimo potencial mas uma notória ausência de profundidade em quase todos os campos. Para um RTS a sua simplicidade não é muito favorável, preferindo esperar que seja mais profundo nos elementos de estratégia. O combate é também um tanto simples demais, havendo espaço para melhorar. Num todo, o jogo está ainda muito embrionário. Mas, notem, a experiência e o potencial são mesmo reais. Dentro de uns meses, queremos voltar ao “burgo” e ver como está a mansão.

  • ProdutoraSlavic Magic
  • EditoraHooded Horse
  • Lançamento26 de Abril 2024
  • PlataformasPC
  • GéneroConstrução, Estratégia
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Sem pontuação

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Esta análise foi realizada com uma cópia adquirida pela redacção.

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