Análise – Marvel’s Avengers
Na esteira de um dos maiores sucessos da história do cinema de super-heróis, os Vingadores foram um sucesso estrondoso no grande ecrã. Como indivíduos, os heróis que os compõem já tinham o seu próprio estrelato. A fórmula deste Marvel’s Avengers, tal como nos filmes, é saber doseá-los numa aventura que nos envolva.
E que tarefa essa para a Crystal Dynamics e para a Square Enix. Pegar numa marca enorme (gigante, mesmo) e criar um jogo que fosse, não só fiel ao emblemático universo da Marvel, mas também uma óptima aventura para jogar. Confesso que percebi mal o conceito deste jogo no meu primeiro contacto. Foi durante a Beta que joguei os primeiros instantes do jogo, menos umas quantas cenas intermédias, além de um punhado de missões. Na altura, pensei mesmo que esta seria apenas mais uma história de super-heróis com uma jogabilidade tipicamente desnivelada, usando um ou outro super-herói numa parte da história. Em parte, esta descrição até se aplica ao jogo. Mas, não é bem um título de acção linear. Trata-se, isso sim, de um autêntico “looter-shooter”, disfarçado de jogo de aventura. Uma fórmula que não esperava encontrar numa franquia tão famosa.
O enredo podia muito bem figurar numa qualquer banda-desenhada deste famoso grupo de heróis. Naquele que seria o Dia dos Vingadores, um dia para celebrar estes super-heróis, uma sabotagem no mítico porta-aviões voador, o Helicarrier, quase destrói a cidade de São Francisco. Pior, a sua explosão causa uma estranha mutação nos habitantes da Costa Oeste, tornando-os em “inumanos”. De quem é a culpa? Bom, a opinião pública aponta o dedo aos “super-humanos” no centro das celebrações, o grupo é levado a julgamento e, inexplicavelmente, o Dr. Bruce Banner, o lado bom de Hulk, acaba por admitir: “Os Vingadores são um perigo para a humanidade”. E, com isto, acabam banidos, os seus bens arrestados pela misteriosa AIM Corporation e a sua imagem é para sempre manchada.
No rescaldo de tudo isto, os Vingadores ainda têm de lidar com uma enorme perda. Steve Rogers, o Capitão América e líder efectivo dos heróis, está dado como desaparecido, tendo sido visto na última vez a correr para o reactor do Helicarrier antes deste explodir. Banidos, Thor, Bruce Banner, Natasha Romanoff e Tony Stark não têm alternativa senão desaparecer da ribalta. Contudo, a história não poderia terminar por aí. Cedo no jogo, conhecemos uma jovem chamada Kamala Khan, que é grande fã dos Vingadores. Khan estava presente no grande desastre e, não só acredita na inocência dos heróis, como ela própria ganhou uns estranhos poderes. Nasce assim Miss Marvel uma heroína improvável e elemento catalisador do regresso dos Vingadores.
Em termos de enredo, esta é uma história que engloba uma série de clichés conhecidos dos típicos contos de heróis de banda-desenhada. Na realidade, há um grande paralelo com os filmes, com o início do jogo a fazer lembrar tanto os eventos de Avengers: End Game, com os heróis a “reassemblar” de uma situação quase impossível. Aliás, os paralelismos com os filmes são enormes, com os modelos dos heróis claramente inspirados no design de fatos e até de feições. Não, não temos actores conhecidos nos papéis, mas é óbvio que a produção não podia fugir muito ao Marvel Cinematic Universe, mesmo que garantisse não quebrar nenhum direito de imagem.
Quanto à escolha de personagens, há um motivo pelo qual os Vingadores foram tão bem sucedidos no cinema. Os heróis escolhidos foram, claramente, os mais populares. Com excepção de algumas personagens que só surgiram pontualmente, como Spider-Man, todos os heróis dos filmes são os que mais fãs reuniram ao longo dos anos. Iron-Man, Thor, Hulk, Captain America e à sua maneira, Black Widow e Hawkeye. Todos os demais, como Black Panther, Ant-Man, Dr. Strange e até os Guardiões da Galáxia, ganharam os seus fãs por causa de uma reinvenção da sua imagem, com séries de filmes próprias e tudo. É discutível se todos foram consensuais entre os fãs, mas serão os mais interessantes, sem dúvida.
Kamala Khan, ou Miss Marvel… não é assim tão interessante. Se fosse, não a estariam a conhecer só agora, garanto. Entendo a sua admissão como Vingadora, dando uma importantíssima mensagem de inclusão nos dias que correm. É uma mulher, é imigrante, é Muçulmana e é uma jovem. Acho que há espaço para este tipo de mensagens, tanto na banda-desenhada, como nos jogos. Afinal, são estes heróis que nos inspiram e queremos, de alguma forma, nos identificar com eles. O que não entusiasma, neste caso, não é a sua história ou mensagem, é mesmo o seu poder. Miss Marvel tem o poder de esticar e expandir o seu corpo, ficando com uma super-força nesse acto. Se isto é familiar, não estão sozinhos, também me fez lembrar o Sr. Fantástico dos Fantastic 4.
Não me entendam mal. A personagem em si tem imensa qualidade na sua construção. É uma personificação de qualquer fã de super-heróis que sonha um dia poder ser como eles. Vê o seu sonho realizado de forma inesperada, dando a ideia que, com força de vontade, tudo é possível, independentemente das nossas diferenças. E até gostei muito da actriz que empresta a sua voz à jovem, num excelente papel de Sandra Saad. Combinando a sua prestação com Troy Baker (Banner/Hulk), Nolan North (Stark/Iron Man) e Laura Bailey (Romanoff/Black Widow), temos momentos muito interessantes e, por vezes, divertidos. Só mesmo os seus poderes que não entusiasmam, que não é bom sinal quando é a personagem central da trama. Felizmente, não jogamos só com Khan.
De um modo geral, este jogo é o sonho de qualquer fã da Marvel. Depois de termos grandes jogos de super-heróis, um deles do próprio Homem-Aranha, jogar com Iron-Man, Thor ou Hulk é uma experiência fantástica. O jogo não perde muito tempo a colocar-nos na pele destes heróis, com uma introdução que serve como um “acepipe” das principais capacidades de cada um. Este é, basicamente, um jogo de combate, com habilidades únicas em cada um. Hulk é a força bruta, o tanque ideal para lidar com grupos. Iron Man é óptimo para sobrevoar o campo de batalha e atacar à distância. E Thor, bom, é tudo isto com imensa electricidade.
E cada um dos heróis tem a sua própria árvore de evolução e poderes adicionais para desbloquear. Ao longo do jogo, essas habilidades e poderes serão gradualmente apresentadas e depois temos de as evoluir para se tornarem ainda mais dramáticas. Podemos mesmo fazer missões de treino no Helicarrier para as aprendermos e aperfeiçoarmos o seu uso. Além disso, temos também peças de equipamento com vários níveis de raridade para ir evoluindo, peças essas que conferem mais alguns poderes passivos. E não podemos esquecer as imensas opções de cosmética, com diversos fatos diferentes das personagens para desbloquear, algumas clássicas.
Com esta lógica de cosmética, como devem calcular, surgem as micro-transacções. Em jogo, temos duas divisas, uma ganha em missões e a outra é premium… comprada com dinheiro real. Nada do que podem comprar com € é “pay-to-win”, como já disse, só se aplica aos itens de cosmética. E, em teoria, ainda podemos ganhar alguma da divisa premium em jogo, ganha na progressão, embora não nos dê para comprar todos os fatos. E os pacotes não são nada baratos, é preciso que se diga. Todos os que pretendem completar o jogo a 100%, desbloqueando todos os fatos do inventário, poderão ter de gastar uma boa verba.
Ao fim de umas missões de introdução à pancadaria, subitamente vamos com Kamala até ao Helicarrier abandonado e percebemos que não passa de um enorme Hub, como qualquer outro looter-shooter. O esquema de equipamento com raridades e a lógica de missões lançadas com uma party escolhida (ou de jogo individual com uma só personagem), são elementos francamente influenciados por títulos como Destiny e tantos outros. E se dúvidas houvessem, o facto do elemento Cooperativo estar omnipresente com matchmaking automático, desfaz qualquer questão. A fórmula não é má de todo, simplesmente, como disse lá em cima, não era o jogo que eu esperava jogar, claramente.
E isto é ainda mais evidente no chamado “end game”, terminando a história principal, algo que podemos fazer ao fim de umas 12 horas, intervalando com missões secundárias e de tutorial. A parte final do jogo é de puro “grind”, em busca do melhor equipamento e a evoluir cada personagem. Temos inúmeras missões de facções e de caça ao loot para esse efeito, algo que, se estão habituados ao género, saberão bem quantas horas vos gastam. E é bom que se empenhem em garantir o máximo de pontos de experiência e evoluções. Em breve a Crystal Dynamics vai inserir os Raids e o nível máximo (actualmente nível 50 de personagens e 150 de equipamento) deverá ser o mínimo para estes eventos especiais.
Entre as missões da campanha e a secundárias, onde temos algumas que são desenhadas para jogar com uma só personagem, geralmente enaltecendo as suas habilidades especiais, temos algumas em que realmente jogamos como equipa. Aqui entramos em acção com mais personagens, podendo jogar online com outros jogadores ou a solo com companheiros da Inteligência Artificial. E aviso já que a melhor opção é a primeira. Bem sei que o matchmaking nem sempre nos coloca com jogadores competentes, mas a IA do jogo, no que toca aos heróis, é francamente má. É um dos pontos mais frustrantes, chegando mesmo a prejudicar-nos pela sua inépcia. Onde o jogo brilha, é online e não há volta a dar.
Curiosamente, as missões multi-jogador (a chamada Avenger’s Initiative) podem até ser activadas no menu principal, podendo mesmo ignorar a campanha por completo. Como as missões escalam com o nível dos jogadores, não há nenhuma razão para passar por uma ou por outra exclusivamente. Mas, quando me apercebi que fazer estas missões no modo cooperativo eram mais fáceis e que depois as missões a solo seriam ligeiramente facilitadas quantos mais poderes desbloqueamos, a fórmula “secreta” tinha sido encontrada. Deliberado ou não, devem intervalar a campanha com umas missões online a bem de uma progressão consistente. Caso contrário, o tal grind no End Game será ainda maior para atingir o auge.
Mas, não esperem reais facilidades. Além de uma dificuldade latente em algumas missões, muitas vez porque precisamos evoluir, teremos de passar imenso tempo a ler explicações de como executar poderes. Explico: numa determinada missão de treino, deveria executar um poder com Hulk que, por mais que lesse a explicação, não a conseguia executar e, assim, não conseguia terminar o treino. Cheguei mesmo a ir online ver vídeos de como o fazer e, sim, estava a fazer bem, era só uma questão de timing que o jogo não explica. É só um exemplo de como a falta de orientação é constante. Por mais que, lá mais para o fim já estejamos habituados, o início o jogo parte de muitos pressupostos, demasiados até, que saibamos fazer tudo carregando avulsamente em teclas.
Há coisas que o jogo devia mesmo explicar, porém. Uma delas é uma clara necessidade de evitar grupos (mobs), por exemplo. Mesmo com Hulk, a IA dos inimigos tem apenas um foco: rodear os jogadores e atacá-los em bloco. Por outro lado, algumas sequências de jogo também dever ser jogadas de forma regrada e compassada, porque o jogo penaliza muito levar inimigos de um sector para outro, agrupando-os com outros. E em alguns modos de jogo, como de proteger pessoas ou controlar áreas, não interessa bem defender na zona, mas mais estar constantemente em movimento e a atacar. O que até vai contra o conceito destes modos de jogo.
Claro que as estratégias surgem quanto mais jogamos e quanto mais nos empenhamos na jogabilidade. Seguindo esta lógica, algumas das melhores habilidades estão bloqueadas na progressão de cada personagem. O que significa que, se não estão dispostos a participar no End Game e nas actividades online pós-campanha, é bem possível que percam o “sumo” do que este título oferece. E este é o risco que este tipo de “jogos como serviço” correm. Adicionalmente, este tipo de acção com super-heróis talvez não seja a melhor das bases para este género. Este deveria ser um jogo de serviço aos fãs, com uma história única e entusiasmante, com uma jogabilidade linear clássica. E foi o que pensei que aí vinha.
Por outro lado, nem tudo correu bem no plano técnico, ameaçando uma possível compensação do conceito na jogabilidade. Há muito boas ideias de design aqui, algumas delas inspiradas em jogos de sucesso e outras criadas pela produção para nos dar algo realmente seu. Mas, imensos pequenos pormenores causam imensa distracção escusada na jogabilidade. Alguns, são erros de conceito, como usar a mesma tecla para atacar ou abrir cofres, uma clara falta de visão num jogo de acção e que causas imensos momentos caricatos, a dar murros no ar, quando a ideia era só abrir um cofre. Também a câmara de jogo tem momentos que chega mesmo a jogar contra nós, tirando-nos muitas vezes o controlo da necessária perspectiva do combate. Mas, que todas as questões fossem essas.
Uma das piores questões de conceito neste jogo, tem a ver com os próprios cenários. Não, não são mal construídos, oscilando entre bases, desfiladeiros, cidades densas ou até o já mencionado Hub no Helicarrier. Há muitas zonas diferentes e bem construídas, mas vão reconhecê-las muito rapidamente ao fim de umas poucas horas. Basicamente, a produção repetiu tantas vezes as plantas dos mapas, que já os conhecemos mesmo antes de lá entrar. O “layout” repete-se tantas vezes, sobretudo nas missões da Initiative, que se torna mecânico navegar em novas zonas. Alie-se a isso uma constante cópia de objectos e peças de cenário e teremos uma perigosa receita para a repetição crónica.
E, não ficamos por aqui no que toca à parte técnica. De um modo geral, tudo tem imensa qualidade na modelação e no cuidado com as personagens deste complexo universo. Já falei da influência do design de personagens dos mais recentes filmes e há também muito cuidado no aspecto destas e de outras personagens… inéditas em videojogos, digamos assim para não entrar em spoilers.
O jogo precisa urgentemente de rever uma séries de erros e bugs, na maioria dos casos no plano visual. Mesmo tendo jogado na versão PC, teoricamente mais aprimorada, senti alguma falta de polimento. Temos problemas de texturas mal optimizadas ou com efeitos estranhos, peças de modelos que desaparecem, animações com más transições, entre outros problemas visuais que não são graves, mas também não fazem favores ao jogo.
Uma das questões mais flagrantes está noutro importante elemento, no áudio. Há uma constante falta de sincronismo do áudio, especialmente nas cenas intermédias. E, já que falo nisso, há imensas quebras de falas nos diálogos, frases que ficam a meio ou em que as personagens não mexem sequer a boca. Considerando as já mencionadas boas prestações dos actores que emprestam a voz, é algo que não faz sequer sentido.
Veredicto
Esperava em Marvel’s Avengers uma história maior, mais ampla e, se calhar, mais focada em cada personagem dos Vingadores, não tanto a de “Kamala e os seus amigos heróis”. Gostei muito da ideia de jogar na pele destes mitos da banda-desenhada e do cinema e a trama até era digna das melhores histórias deste grupo. Mas, acabando a curta campanha, ficamos com algo menos entusiasmante em mãos. Assim como está, deu-me a entender que o conceito mudou de rumo a meio da produção. Talvez começando por ser uma aventura mais linear mas mudou-se o foco para algo mais “a longo prazo”, quase um “jogo como serviço”. Seria óptimo, notem, se apenas tivesse a qualidade pretendida. É que esteve imenso tempo em produção e, pelo menos, deveria ter estar mais polido. Valha-nos as adições de conteúdo adicional e as actualizações. Ainda há esperança para os Vingadores e é óbvio que queremos ser um deles.
- ProdutoraCrystal Dynamics
- EditoraSquare Enix
- Lançamento4 de Setembro 2020
- PlataformasPC, PS4, Xbox One
- GéneroAcção, Aventura
Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.
Mais sobre a nossa pontuação- Jogar na pele dos Vingadores
- Excelentes prestações dos actores
- Boas ideias fruto de várias "inspirações"
- Alguns momentos visualmente épicos
- Alguma falta de polimento geral
- Diversas questões de design e conceito
- Ser um "jogo como serviço"
Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.