Análise – Marvel’s Guardians of the Galaxy
Confesso que, quando peguei no comando para jogar Marvel’s Guardians of the Galaxy, não tinha grandes expectativas. Nada tenho contra a produtora Eidos Montreal e até sou fã dos Guardiões na banda-desenhada e no cinema. Era só uma questão de associação com outro recente lançamento de um jogo Marvel.
Falo, claro, desse outro jogo recente da responsabilidade da Square Enix, o inconsistente Marvel’s Avengers. Embora tenha recebido importantes expansões e melhorias, a insistência em criar “jogos como serviço” por vezes leva a decisões menos consensuais. Por isso, quando soubemos que outro jogo da Marvel e da Square Enix estava a caminho, conseguem compreender o nosso cepticismo. O que descobri, porém, foi algo muito diferente do conceito de Avengers, num jogo bem mais convencional. Apesar de alguma familiaridade óbvia, tem uma fórmula diferente e nem sequer precisa estar permanentemente online. Então, dei por mim rendido. Estava entusiasmado a jogar com o quinteto mais divertido da galáxia.
Para qualquer jogo baseado em super-heróis de banda-desenhada funcionar, notem, é preciso um elemento muito importante: a fidelidade ao material original. Ok, em tempos já tivemos alguns títulos de reinventaram personagens das comics de forma exemplar e que funcionaram muito bem. Contudo, Guardians teve uma visão muito peculiar e popular com os dois filmes (mais um a caminho) de James Gunn. Mesmo com alguma margem criativa, era tecnicamente impossível fugir à fórmula actual dos Guardiões. Embora não tenhamos as feições e vozes dos actores dos filmes, toda a imagem e “atmosfera” das películas foi, pelo menos, tida em conta.
Isso não significa, porém, que a história tenha de ser igual à retratada pelo Marvel Cinematic Universe. Anos depois de uma devastadora guerra espacial, alguns fazem pela vida como mercenários no caos e desordem. É o caso de Peter Quill, autointitulado de Star-Lord, que lidera os Guardiões da Galáxia. Este grupo de rufias é composto pelo terráqueo e pelo guaxinim Rocket, a assassina Gamora, o guerreiro Drax e… Groot… ele próprio. Numa das suas missões para enganar mais um cliente, os seus egos complexos acabam por colocá-los em apuros, ao inadvertidamente tropeçar numa nova ameaça de dimensão estelar que… mais não digo… Não quero mesmo estragar o enredo, que é dos elementos mais importantes deste jogo.
Quero só acrescentar um dado importante para quem conhece a história recente desta trupe. Neste enredo, o Titã Irado e antagonista do costume Thanos, foi (finalmente) morto por Drax, portanto a grande nova ameaça tem de ser outra. Notem também que, pelo meio, temos também a importante história paralela das origens de Peter e da sua relação com a sua mãe Meredith, também uma porção de enredo importantíssima, tanto nas comics, como nos filmes. Arrisco dizer que os fãs dos Guardiões vão gostar muito da fidelidade ao lore. E penso que, mesmo quem não é fã, consegue apreciar o empenho da Eidos em criar uma narrativa envolvente e bem escrita.
Mesmo com este enredo novo, porém, temos alguns ingredientes presentes que “emanam” dos filmes. Começa, claro na óbvia banda sonora dos anos 80, passa pela química das personagens, com especial destaque para Rocket que consegue enervar toda a gente, a comicidade latente e por vezes forçada, os egos maiores que a pequena nave Milano e Groot… a ser Groot. Tudo coisas que vimos e gostámos tanto nos filmes. Obviamente, a banda-desenhada foi a base de tudo, começando aí a inspiração. Contudo, ao fim de uns minutos a jogar, esta visão inspirada na versão “cinematográfica” de Star-Lord e companhia torna-se bastante familiar.
Claro que esta fidelidade à imagem dos “Guardiões de Gunn” traz algumas questões menos positivas. Tão dependente que está na narrativa e na interacção entre personagens, os diálogos são constantes, por vezes demasiado frequentes. A sério, há uma quantidade inimaginável de diálogos, tudo muito bem escrito, fiel ao material original, é certo, mas torna-se constante e, por vezes, algo irritante (estou a olhar para ti, Rocket). Isto cria alguns momentos em que a comicidade se desgasta com piadas menos elaboradas e alguns momentos “cringe”. Felizmente, são raros, quase sempre compensados com outros momentos geniais logo a seguir.
Mas, não pensem que é tudo piada em jogo. Há alguns momentos mais profundos que abalam a relação entre os Guardiões e o seu propósito. Pode ser divertido arremessar Rocket para o outro lado da ravina por causa do seu tamanho, mas é claro que o pequeno guaxinim falante não vai gostar. E isso vai afectar o seu relacionamento com o grupo. Subitamente, entendemos que, mesmo que não seja sempre levado a sério, Peter Quill é um influente líder improvável que tem de gerir estas personalidades tão vincadas, tomando decisões que podem ter reverberação mais tarde. O que gera momentos com algumas decisões difíceis lá mais para a frente.
O mesmo acontece em combate. Star-Lord que me desculpe mas, mesmo sendo a personagem com que jogamos e tendo uma alcunha tão imponente, é o elemento mais fraco da equipa. Com as suas duas pistolas e botas-foguete, vamos podendo fazer algum dano, especialmente com alguns upgrades e novo equipamento que vamos desbloqueando. Mas, o objectivo não é bem ser um “one man army”, até porque não conseguiria. O segredo está na forma com usa e gere a equipa. Quando o quinteto está em combate, cada um tem uma habilidade única para usar. Só jogando em equipa é que os Guardiões vencem os confrontos mais desafiantes.
Gamora consegue disferir ataques de elevado dano, quase sempre finalizadores. Drax é hábil a remover escudos de inimigos. Rocket tem armas fantásticas para causar danos em grupos. Groot tem poderes de bloqueio que imobilizam os adversários. Lá mais para a frente terão até quatro poderes especiais para cada um. Peter tem de gerir estes poderes e os seus “cooldowns”, ao mesmo tempo que auxilia com os seus próprios ataques. Pelo meio, pode até pode chamar a equipa para os motivar com um discurso que dá boost de energia aos seus aliados. É um formato de combate muito interessante e intuitivo, obrigando-nos a jogar de forma estratégica, ou invés de criar um mero “shooter” que, convenhamos, seria “só mais um”.
Apenas acho que este combate leva algum tempo a tornar-se interessante. Aliás, todo o jogo demora um pouco a tornar-se realmente interessante. O início é algo lento a desenvolver, obrigando-nos a andar muito pelo cenário, com algumas secções de plataformas, introduzindo muito lentamente os inimigos, estes inicialmente bastante acessíveis. Entendo que é uma forma do jogo dosear as explicações das várias mecânicas, aproveitando para introduzir os poderes e habilidades únicas das personagens. É que também teremos de as usar para alguns sucintos puzzles do ambiente, por vezes combinando poderes para transpor secções. Isto exige tempo para explicar, bem sei. Apenas podia ser mais célere, só isso.
Também tive alguma dificuldade em “digerir” a linearidade dos vários níveis. Embora alguns sejam bastante amplos, com alguns coleccionáveis para descobrir com alguma exploração básica, há sempre um rumo claro a seguir. Como já disse, há algumas secções em que precisamos resolver pequenos puzzles ambientais com recursos às habilidades de cada personagem, mas nada realmente desafiante. O foco tão grande nos diálogos e na narrativa, obrigam a esta linearidade. Especialmente nos primeiros minutos, notarão que vão andar muito (sempre na conversa) até chegar a uma zona ampla que serve para combater inimigos (também sempre na conversa). Torna-se algo repetitivo de planeta em planeta.
Contudo, temos sempre “intervalos” na acção com cenas intermédias cheias de vontade de nos entreter, por vezes com momentos marcantes e profundos, não apenas com piadas fáceis. Este jogo de Guardians of the Galaxy é como um filme de animação em que, por vezes, nos “emprestam o comando” para escolher diálogos ou combater. Algumas das decisões que tomamos no papel de Peter podem mesmo alterar alguns eventos, pelo que podemos “ver um filme” diferente em cada passagem pelo jogo. Não são alterações muito profundas, notem, mas são notórias. Convidam mesmo a jogar novamente, terminando as suas cerca de 15 horas totais.
No campo visual, este é também uma grande produção técnica da Eidos Montreal. Deslumbra em quase todos os níveis, notem. A modelação e design das personagens são fantásticos, com muita atenção às expressões faciais e animações. Ajuda bastante o excelente casting de vozes para as milhares de linhas de diálogo que já mencionei. Também o design geral dos ambientes e os efeitos visuais são realmente fantásticos, muito coloridos e dentro do espírito da tal inspiração dos filmes de James Gunn. É realmente uma experiência de arregalar o olho, ao mesmo tempo que faz um bom “serviço aos fãs”.
Mesmo com este entusiasmo pelo jogo, porém, não posso deixar de assinalar algumas questões. Tive a oportunidade de jogar este título numa Xbox Series X, como seria de esperar, numa das suas melhores versões. Contudo, isto não impediu algumas falhas nas animações e algumas secções em que se notaram quebras de fotogramas (fps).
Noutros lados, também gostava que o sistema de mira das armas do protagonista fosse menos “bloqueado” aos alvos. Algumas mecânicas de movimento não são muito apuradas e as sequências em que controlamos a nave Milano são perfeitamente dispensáveis, mesmo que sejam visualmente espectaculares.
No final, fiquei com uma sensação geral que o jogo ainda precisava de algum polimento adicional antes do lançamento. Não acho que nenhum destes problemas que assinalei seja grave e, de facto, como digo sempre, não há nada que uma actualização não possa resolver.
Veredicto
Como fã incondicional de Marvel’s Guardians of the Galaxy, tanto da banda-desenhada, como dos filmes, coloco o “selo de aprovação” neste jogo da Eidos Montreal. A sua fidelidade ao material original, sem ter de forçosamente repetir os clichés do costume cria um jogo divertido e com uma imagem, enredo e mecânicas muito próprias. Como disse lá em cima, cheguei a este jogo com poucas expectativas mas saí dele muito satisfeito. Pelo que diverte e entusiasma, diria que é talvez dos melhores jogos da Marvel dos últimos tempos, mesmo com os seus defeitos.
- ProdutoraEidos Montreal
- EditoraSquare Enix
- Lançamento26 de Outubro 2021
- PlataformasPC, PS4, PS5, Switch, Xbox One X, Xbox Series X|S
- GéneroAcção, Aventura
Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.
Mais sobre a nossa pontuação- Design geral de personagens e locais
- Diálogos e decisões com impacto
- Enredo no geral
- Química entre as personagens
- Alguma repetição
- Lentidão a "abrir" a jogabilidade
- Questões pontuais de performance
Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.