Análise – Mass Effect: Legenday Edition
Há determinados jogos que nos preenchem as medidas. Jogos que nos cativaram, que nos surpreenderam ou que simplesmente recordamos como “perfeitos”. Regra geral, na altura em que surgiram, foram o pináculo da jogabilidade ou do visual do momento. Anos mais tarde, as empresas decidem ressuscitá-los desse lugar privilegiado e as coisas nem sempre correm muito bem. Mass Effect: Legendary Edition corre esse mesmo risco.
Para mim, fã incondicional desta trilogia (vamos fingir que Mass Effect: Andromeda nunca existiu), não é difícil arranjar pretextos para jogar novamente com o Comandante Shepard e companhia. Os três jogos são únicos, à sua maneira, com altos e baixos na oferta. São também uma visita guiada à capacidade evolutiva da Bioware a contar excelentes histórias e a proporcionar uma excelente jogabilidade. Capacidade, essa, que infelizmente temos vindo a definhar nos últimos tempos. O primeiro Mass Effect era o mais rude da trilogia, muito limitado em todos os aspectos, foi, mesmo assim, um marco de qualidade para a produtora da Electronic Arts. O segundo jogo foi um consolidar dessa qualidade, com quase tudo melhor, maior e com mais refinamento. Já o terceiro jogo conseguiu maravilhar-nos tecnicamente e desapontar-nos narrativamente. Os três, como um todo, são, sem qualquer dúvida, uma das melhores séries RPG de todos os tempos.
Com tudo isto na mente, a reunião de projecto entre a equipa técnica e a EA terá sido relativamente simples. Uma popular trilogia de uma produtora a passar por tempos incrivelmente complicados, regressaria, devidamente polida no visual e na jogabilidade mas sem alterar toda a narrativa que apaixonou milhões. Nada podia correr errado com esta missão, certo? Tal como nas missões do Comandante Shepard, também a missão da Bioware não seria assim tão linear. Estamos a falar de jogos com algum tempo (ME1 de 2007, ME2 de 2010 e ME3 de 2012), com visuais e conceitos que foram evoluindo a cada episódio (e até cada DLC). Por outro lado, esta comunidade não perdoaria nenhuma alteração profunda no próprio conceito.
A ideia da Bioware foi uma de uniformização, respeitando muito o ADN original de cada jogo. O jogo mais datado, Mass Effect 1 seria actualizado em quase todos os aspectos mais arcaicos, desde a jogabilidade dos tiroteios e da condução, até ao seu visual, com modelos, texturas e resolução devidamente revistas. Já os outros dois jogos seriam menos polidos, passando apenas por um aumento de resolução e outros pequenos detalhes que, já agora, são comuns à trilogia. O último detalhe seria um ajuste ao hardware actual, especialmente no campo da compatibilidade com as mais recentes tecnologias visuais (ainda que nem todas, como vamos ver). O verdadeiro desafio, porém, foi o do interesse da indústria em ver um clássico ressurgir.
Tive a oportunidade de testar esta trilogia onde sempre senti que os jogos melhor se sentiam, no PC. Finalmente podemos jogar estes títulos nas maiores resoluções (até 4K) com suporte para monitores widescreen. Também temos um verdadeiro suporte para gamepads no PC, algo que, em particular no primeiro jogo, era francamente complicado de conseguir. Tudo acaba uniformizado, visando um óptimo aspecto geral, mais polido, com mais detalhe e até alguns objectos adicionais aqui e ali, algo que, claro, só os fãs mais atentos notarão, bem sei. A história, essa, para o bem e para o mal não sofreu nenhuma alteração de conteúdo ou de rumo. E ainda bem.
As animações do primeiro jogo, assim como o design de níveis e de personagens, dão a entender que este é claramente o jogo mais arcaico. O esforço foi notório de incluir até alguns novos efeitos especiais, com especial foco na iluminação que, de certa forma, tenta trazer o jogo mais para os padrões do terceiro título. Ainda assim, penso que se desvirtuou um pouco a atmosfera deste primeiro jogo. Mass Effect era claramente o título mais sombrio, com secções mais “sinistras”, dignas do mistério da própria trama. Ao alterar a iluminação de forma tão radical, traz-se o jogo a padrões mais modernos, sim, mas parece-me que também se perde um pouco da sua essência.
Por outro lado, nem tudo correu bem nesta nova iluminação e nas novas texturas de elevada resolução. Algumas personagens, como o Capitão Anderson, possuem um tom de pele estranho que a luz não favorece. Não é o único, o Embaixador Udina e outros sofrem do mesmo problema. Por outro lado, diversos erros de sombras “flutuantes” e diversos bugs nos efeitos visuais, como os cabelos “metálicos” ou as armaduras “polidas”, denotam alguma falta de optimização. Noutros lados, a “pressa” também é notória na falta de um simples “slider” de ajuste na distância da câmara ou na amplitude do campo de visão.
Já que falamos nisso, porque não mais opções de optimização gráfica no PC? Esta é uma questão transversal aos três jogos, já agora. A Bioware terá achado que os jogos se aguentam bem no novo hardware, sem grandes opções no menu para os vários ajustes possíveis. Também senti muita falta dos avanços técnicos das tecnologias mais recentes, como o Ray Tracing, FidelityFX ou DLSS. Tudo foi construído na plataforma do terceiro jogo, o que implica que estamos “retidos” no DirectX 11. Notem que a esta trilogia tem momentos de deslumbre visual, apesar de tudo. Apenas se esperava um pouco mais de “modernidade”. É talvez por isto que a trilogia não chega às novas consolas.
Falando de coisas mais positivas, gostei bastante da nada subtil melhoria na jogabilidade do primeiro jogo. Ao contrário do segundo e terceiro, continuamos a ter armas sem recarregamento de munição, apenas temos um “aquecimento” (cool down) que temos de gerir. Contudo, finalmente estas armas perdem a limitação de classes e são bem mais “domadas”, especialmente as infames espingardas sniper. O incompreendido veículo Mako foi também à revisão e voltou com um comportamento mais convencional. Continua a fazer parte dos níveis mais “chatos” em jogo, não há dúvida, mas agora já não nos frustra tanto a controlá-lo.
Se todo o “amor” foi para o primeiro jogo, então o que foi feito nos outros dois? A jogabilidade é praticamente a mesma mas há notórias pequenas alterações nos efeitos de luz e em diversos planos de câmara, mais cinematográficos e… menos controversos (se gostam de Miranda, vão reconhecer essas alterações). Também notei algumas pequenas alterações na vozes e em algumas falas de várias personagens. Tudo na remasterização dos dois jogos mais recentes é bastante subtil. Por vezes, meramente cosmética. Mas, quando uma série é tão jogada ao longo dos anos, é inevitável que se preste atenção aos pequenos pormenores.
Alguns desses pequenos pormenores valem bem a pena, porém. Um deles é a inclusão de um subtil mas bem vindo novo modo de fotografia no menu principal. Os controlos são os esperados, com alguns ajustes na imagem e com alguns filtros e efeitos interessantes. Nada reinventa, é certo, mas é o modo que não esperei que fizesse tanta falta nestes jogos. Realmente, com tantos momentos épicos nesta série, a sua adição faz todo o sentido. Confesso que não me prendo muito neste modo em quase nenhum jogo. Ainda assim, quantas vezes quis imortalizar as enormes batalhas com os Reapers ou os locais exóticos que visitei e não tinha uma forma de o fazer com a devida liberdade?
Outro detalhe que gostarão de descobrir é o novo editor da nossa personagem. Saibam que há mais algumas opções de personalização, além da enorme benção que é o(a) nosso(a) Comandante Shepard transitar de feições entre os três jogos, além da habitual transferência do savegame. É algo particularmente importante na versão base feminina (FemShep). Também gostarão de saber que os mais 100GB de espaço ocupado são convenientemente agrupados num simpático launcher, comum aos três jogos. Também os seus menus foram igualmente uniformizados para ajudar na navegação.
Outra boa notícia está no conteúdo total desta nova reedição, com muito para jogar. Por esta altura, todos os fãs mais assíduos já terão as edições mais completas dos três jogos, pelo que a ideia de ter incluídos todos os DLC e expansões pode não atrair os veteranos. Contudo, este é um bundle completo, que inclui missões especiais, campanhas e até pacotes de armamento e armaduras adicionais, anteriormente disponíveis apenas em edições especiais ou exclusivos de uma ou outra plataforma. Acreditem, algumas das expansões, especialmente as de ME2, valem bem a pena.
Infelizmente, temos a lamentar algumas perdas. A segunda expansão para o primeiro Mass Effect, a infame Pinnacle Station, foi omitida porque a Bioware não conseguiu recuperar o código original deste DLC. Embora tenhamos ou outro DLC, Bring Down The Sky, o jogo mais curto nesta trilogia acaba por perder um pouco de conteúdo, o que é pena. Outra omissão igualmente relevante é a remoção do modo cooperativo online de Mass Effect 3. Talvez não fosse o modo mais popular mas era, ainda assim, uma importante parte do jogo, afectando mesmo o seu controverso final.
E aqui chego a um momento em que tenho de enfrentar os factos. Sim, sou um daqueles que já mencionei ter as edições mais apetrechadas destes três jogos. Já em 2012 foi lançada uma edição dos três jogos que também incluía quase todo este DLC. Aquilo que não incluía também é discutível se adicionava muito ao jogo. Para mim, o único elemento que pode justificar realmente uma nova aquisição, especialmente no PC, é mesmo o “upgrade” técnico do primeiro jogo, nem tanto dos outros dois. Em termos de conteúdo, até ficamos um pouco a perder se as duas porções da jogabilidade se perdem. Tudo isto a preço de jogo final, mesmo que sejam 3 jogos num. Soa um pouco a aproveitamento quando, por esta altura, já devíamos estar a pegar em Mass Effect 4.
Veredicto
Reviver esta trilogia de uma forma tão modernizada, foi uma experiência memorável, com especial destaque para o primeiro jogo. As melhorias técnicas e a tentativa de uniformizar os três jogos são bem vindas, mesmo que o primeiro jogo seja realmente o mais beneficiado. Esta reedição, porém, é difícil de justificar além das melhorias visuais e alterações de jogabilidade no primeiro jogo. E nem todas as alterações correram bem. Mesmo assim, Mass Effect: Legendary Edition é a melhor oportunidade para descobrir esta série realmente lendária, do que de melhor se fez até hoje ao nível de Role Play Game, com um bom “upgrade” para a actual geração.
- ProdutoraBioware
- EditoraElectronic Arts
- Lançamento14 de Maio 2021
- Plataformas
- GéneroRole Playing Game
Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.
Mais sobre a nossa pontuação- Extenso trabalho de modernização no primeiro jogo
- Modo de fotografia
- Tentativa de uniformização da trilogia
- Respeito pela história original
- Um custo difícil de se justificar
- Alguns problemas de texturas e iluminação no primeiro jogo
- Falta de algum conteúdo perdido
Esta análise foi realizada com uma cópia adquirida pela redacção.