Análise: Metal Gear Solid V – The Phantom Pain
Deram-me uma missão ingrata. Analisar Metal Gear Solid V: The Phantom Pain é capaz de ser uma das tarefas mais complicadas que tive, até hoje, aqui no WASD. Não porque o tema não me interesse, sou fã de Metal Gear, não porque o jogo seja mau, já irão ver que não é. A grande dificuldade aqui é: Como condensar em alguns parágrafos uma experiência tão épica?
Já viram bem o legado de jogos desta série? Se ainda não jogaram Metal Gear Solid 3, Metal Gear Solid Peacewalker e Metal Gear Solid V: Ground Zeroes, parem, respirem fundo e vão lá jogar num instante. Esta análise não vai a lado nenhum e espera por vocês.
Já está? Não fizeram batota? Levou algum tempo não foi? É que jogar Metal Gear Solid V não é uma experiência completa sem ter absorvido o cânone do enredo desde a sua origem nesses três jogos que servem de prequela para MGSV. Sem esses jogos não irão perceber as ligações, as tramas e os desenlaces de uma das melhores sagas em videojogo que há memória. Tudo bem, ao longo do jogo encontram pequenos resumos do que se passou antes. Notem, porém, que esses resumos são apenas o roçar da superfície de uma história contada com mestria por… Hideo Kojima.
Já falámos da crise que vai lá no Japão entre a Konami e o génio criativo Kojima. Até já há algum espaço para conspirações que rivalizam com a história do próprio Big Boss. Talvez como forma de recompensa para a legião fiel, a confirmar-se que Kojima tem aqui a sua derradeira colaboração com a série e com a Konami, despede-se em beleza com uma gigante bofetada de qualidade a quem duvidou do futuro de Solid Snake e do seu “pai” Big Boss.
A minha abordagem, como fã, foi de apreensão ao instalar o jogo pela primeira vez. Antes de podermos jogar The Phantom Pain, tivemos o tal aperitivo chamado Ground Zeroes. Visualmente fantástico, porém, era curto e sabia mais a oportunismo financeiro da Konami que a um verdadeiro jogo. Assim, sem o nome de Hideo Kojima no topo do logótipo e com uma experiência menos positiva com Metal Gear Rising: Revengeance, uma aventura a solo da Konami, não sabia bem o que esperar.
E o que surgiu depois da instalação foi… algo completamente diferente. Bom, todos os ingredientes estão lá: a acção furtiva irrepreensível, a acção directa visceral quando necessário, o carisma de Kiefer Sutherland como Big Boss/Snake e até as novas dinâmicas de acção introduzidas em Ground Zeroes nos parecem familiares. Agora, nada nos prepara para o mundo aberto de Phantom Pain. Esqueçam os níveis lineares e orquestrados, cinematográficos e cheios de diálogos e que nos obrigavam a combater entre cutscenes de largos minutos. Essas cenas intermédias estão lá, sim, mas estão espaçadas num mundo aberto, dinâmico e nada linear.
Nove anos depois dos eventos de Ground Zeroes, Naked Snake, também conhecido por Big Boss, acorda de um coma num hospital no Chipre. No seu despertar, porém descobre que o seu mundo nunca mais será o mesmo. O seu exército privado Militaires Sans Frontiéres foi completamente destruído por um tal de “Skull Face”. As suas feições foram distorcidas pela explosão no fim da missão em Cuba e… perdeu um braço. Big Boss transforma-se em Punished “Venom” Snake, para se vingar. Só que, primeiro, tem de sair do hospital. E o que se segue, serão dos minutos mais insanos que irão experimentar na série… preparem-se para uma montanha-russa de rastejos, lamentos de Snake, tiros, explosões e novos vilões aterrorizantes. Vão perguntar muitas vezes “que se está a passar?”… Típicos momentos Kojima.
Depois de (re)conhecermos Ocelot, o nosso relutante parceiro na construção da nossa nova tropa mercenária Diamond Dogs, MGS V deixa essa acção coreografada para dar lugar ao seu verdadeiro foco. As missões em mundo aberto, cujo planeamento e execução só dependem das nossas capacidades estratégicas. Assim que tomamos as rédeas (literalmente), apercebemo-nos que no espaço da actual missão, há ciclos de dia e noite, meteorologia e outros factores a ter em conta. Patrulhas inimigas para estudar. Acidentes de terreno para abordar. Veículos para usar ou evitar. Nada disto é relativamente novo no universo Metal Gear. No entanto, logo nos primeiros minutos, a galope com um cavalo pelas paisagens áridas do Afeganistão, fica claro que estamos com outra coisa nas mãos, que não as lendárias missões de inserção de ponto A para B.
Entre missões do enredo principal, The Phantom Pain é um enorme conjunto de missões contratadas num enorme mapa, com uma história pelo meio que vai sendo contada a pouco e pouco. Ou seja, irão passar muito tempo sem que o enredo se desenvolva. Não porque não tenha interesse, mas porque Big Boss precisa, em paralelo, de reconstruir o seu tal exército mercenário, gerindo a sua base de operações, o pessoal e as suas armas e gadgets para melhor executar missões. Assim, muitas das missões, sobretudo as secundárias (Side-Ops) são missões de angariação de materiais, pessoal especializado e fundos.
A base de operações ou Motherbase é o foco da atenção de Snake. É aqui que tudo começa e se desenvolve para o tal sonho de criar Outer Haven, o “país” independente para combatentes da paz. Temos uma plataforma marítima que vamos ampliando em recursos e pessoal de modo a desenvolver tecnologias e armamento. O objectivo é acompanharmos os graus de dificuldade com melhor equipamento e informação do terreno. Esta lógica, introduzida em Peace Walker fará com que usemos o sistema Fulton para resgatar prisioneiros, capturemos adversários com especializações ou mantimentos e angariemos outros recursos. Confesso que não gostava muito deste tipo de jogabilidade mais estratégica, como um jogo à parte. O que é certo é que, após constatar as vantagens de desenvolver a Base e obter novos recursos, novas armas e novos veículos, passei a apostar muito mais na gestão da base, sobretudo na angariação de pessoal que ajuda em cada fase da missão.
Falando de alguns benefícios dos desenvolvimentos da Motherbase, já listei alguns gadgets que adorei usar. O braço biónico de Snake que é um autêntico canivete-suiço, o sistema Fulton que podemos desenvolver para extrair até veículos e contentores, as armas cada vez mais complexas, tudo surge como fruto do nosso trabalho. Também os nossos companheiros de guerra, os Buddies, desde o fantástico cavalo Diamond Horse, até à mortal sniper Quiet, passando pelo nosso amigo Diamond Dog, precisam de novo equipamento e desenvolvimento para se tornarem ainda mais práticos no planeamento e execução de missões.
No que toca à acção no terreno, no entanto, é mesmo Big Boss que conta. Os companheiros, o equipamento e o armamento são muito importantes para nos dar alguns bónus, mas a acção furtiva (ou directa) é sempre da nossa autoria. Podemos usar o cavalo que nos ajuda a transpor terreno acidentado, o helicóptero ou um veículo terrestre para nos movimentarmos no vasto mapa. Uma vez na área da missão, porém, temos de usar ou as sombras e dardos tranquilizantes, fazer tiro furtivo à distância para eliminar adversários, ou rebentar tudo com C4 pedindo apoio aéreo ao helicóptero. A escolha é nossa, há espaço para tudo, o objectivo é executar a missão, seja que forma for.
Por exemplo, há missões de assassinato em que, em vez de assassiná-los, podemos evacuá-los via sistema Fulton. A missão termina na mesma, mas ganhamos pontos pela extracção, além de novos recrutas para o nosso exército. Também é possível fazer todas as missões com muito alarido ou sem um único alerta, esta última forma a preferida de Snake. Quando somos descobertos, o momento Reflex (introduzido em Ground Zeroes) permite-nos uns segundos de reacção antes do inimigo dar alerta de combate. Falhem em imobilizar esse inimigo, porém e “o mundo cai-vos em cima”. Ou executam a missão eliminando ou imobilizando os adversários que surgem em catadupa, ou fogem a sete pés. Não há heróis na guerra e Snake não é imortal. Podem sempre voltar mais tarde, talvez à noite, por exemplo e repetir a missão, desta vez com mais calma. Conseguem ver a flexibilidade?
Tecnicamente, é onde The Phantom Pain se excede. A jogabilidade desafiante e a história complexa e cheia de valores é algo que já estamos habituados na série de Kojima, mas neste derradeiro capítulo, uma das estrelas é mesmo o Fox Engine. Seja na Motherbase ou no terreno, começando no Afeganistão, os cenários são irrepreensíveis. As texturas, os efeitos visuais e as animações são do melhor que irão ver em videojogo. Tudo é devidamente aproveitado por Kojima nas célebres cenas intermédias que rivalizam (chegam mesmo a exceder) a qualidade de Hollywood. Tenho de destacar as expressões faciais e captura de movimentos dos actores. Esperem por cruzar caminho com a silenciosa Quiet (na imagem em baixo) e irão perceber o que digo.
A sonoridade completa este nível de qualidade com o voice-acting irrepreensível de actores repetentes, mas claro que temos de dar o devido destaque a Kiefer Sutherland no papel de Big Boss/Punished Snake. Tínhamos algumas dúvidas se a troca de David Hayter seria fácil de digerir. Sutherland tem o seu próprio registo, com a sua voz metódica e profunda, é um óptimo Snake. No entanto, Hayter deixa algumas saudades, afinal sempre foi o “nosso Snake”. Também a banda sonora diversa, com temas de Mike Oldfield, David Bowie, Phil Collins e muitos outros, com especial destaque para o tema “Sins of the Father” de Donna Burke, acompanha-nos em jogo através do nosso Walkman virtual. Já agora, na versão PC, se não gostarem da música em jogo, saibam que é possível ouvir a nossa própria biblioteca de música, importando os temas para a pasta “CustomSoundtrack”. Genial!
Há algo negativo a assinalar? Infelizmente há. Começa logo pelos inúmeros problemas de ligação aos servidores da Konami antes, durante e depois do lançamento oficial do jogo. Simplesmente houveram momentos em que o servidor não estava disponível. Durante o jogo, acontece cair a ligação com demasiada frequência. Desde transitar o savegame do Ground Zeroes até à simples consulta do iDroid, tudo fica lento e por vezes “pendurado”. Também a invasão ou defesa das bases de outros jogadores online fica comprometida com estas falhas. Simplesmente não tive oportunidade de testar esta funcionalidade como deve ser.
Também não dá para perceber porque é que no fim de cada missão temos uma espécie de créditos. Não interferem na experiência do jogo em si, uma vez que podemos saltá-los, mas é de assinalar. Não faz qualquer sentido estarmos sempre a ver créditos de quem escreveu, realizou ou deu voz às personagens. Para isso temos os créditos finais, não? Será uma imposição da própria Konami?
É que a empresa nipónica já demonstrou noutras altura querer reaver o investimento estratosférico que teve neste jogo (80 milhões de dólares anunciados). Vocês têm pouca vontade de jogar missões mas querem, mesmo assim, ampliar e desenvolver a Mother Base? Que tal micro-transacções? Pois é. Basta irem à PS Store, por exemplo, e comprar 6000 moedas virtuais por cerca de 50€. Desvirtua o interesse de jogar o jogo pelas suas missões e cria situações injustas, uma vez que é possível invadir bases de outros jogadores online. No entanto, são transacções completamente desnecessárias, uma vez que podemos ganhar todo o dinheiro virtual necessário em jogo.
Veredicto
Mesmo quem não é fã da série Metal Gear Solid, terá de se convencer que este é um dos jogos incontornáveis deste ano. Mesmo com muito tempo até ao fim do ano e muitos lançamentos nos próximos meses, este é, até agora, o jogo do Ano (perdoa-me Geralt!). A jogabilidade em mundo aberto, a polivalência e multiplicidade de opções para executar missões, o “jogo dentro do jogo” que é a Motherbase, a história rocambolesca e audaz que mexe com emoções, a sua longevidade, tudo embrulhado num fantástico grafismo só possível pelo Fox Engine, tornam-no obrigatório. Com o espectro da Konami a tomar conta da série, no potencial afastamento de Hideo Kojima da empresa, parecendo este o derradeiro Metal Gear, não há desculpa. Coloquem a pala no olho, a fita na testa e o charuto no canto da boca. É uma ordem, soldados!
- ProdutoraKojima Productions
- EditoraKonami
- Lançamento1 de Setembro 2015
- PlataformasPC, PS3, PS4, Xbox 360, Xbox One
- GéneroAcção
Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.
Mais sobre a nossa pontuação- Fox Engine
- Planeamento e estratégia de cada missão
- Longevidade insana
- DD o Diamond Dog
- Alguns problemas de ligação aos servidores Konami
- Créditos entre cada missão...
- Micro-transacções
Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.