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Análise – Metaphor: ReFantazio

A fórmula única de RPGs da Atlus já tem anos e não parece abrandar. A franquia Persona dispensa apresentações, sendo uma das mais bem sucedidas da SEGA. O novo Metaphor: ReFantazio é uma descolagem arrojada mas familiar.

Na verdade, se olharem bem, a produção parece ter explicado o intuito deste jogo logo no seu título. Há, de facto, aqui realmente uma metáfora latente, que é como uma “reedição” (uma “refantasia” mas a palavra não existe) de um conceito. Metaphor: ReFantazio é, para todos os efeitos, um RPG em muitos aspectos semelhante a Persona, com as mesmas bases de jogo, algumas mecânicas familiares e até os conceitos fantasiosos são, de certa forma, paralelos. O que faz é contar tudo de um ponto de vista absolutamente descolado da realidade, removendo os temas mundanos de Persona, para colocar no seu lugar uma história diferente, bem mais surreal e mística. Muitas vezes dizíamos que Persona parecia “derrapar” demais para o surreal, neste jogo, preparem-se, porque nem travões temos.

Desta vez, já não estamos no Japão contemporâneo a acompanhar um adolescente com poderes naturais e os seus amigos. Vamos até ao Reino Unido de Euchronia, um reino fictício algures na Europa, numa aventura medieval de fantasia. A história arranca logo com uma tragédia, alguém assassina o próprio Rei e com isso, inicia-se uma luta pelo poder. Isto porque muitos pensam que o príncipe sucessor directo morreu há uns anos. O que ninguém sabem, porém, é que na verdade está vivo, embora também corra risco de vida com uma maldição atribuída pelo seu próprio irmão Louis. Como consequência desta indefinição, os sábios do reino são obrigados a lançar um torneio para encontrar um sucessor.

Então surgimos nós, na pele de um jovem da raça Elda, uma espécie inferior de humanos com mutações que, pelos vistos ninguém parece respeitar. A nossa missão é salvar o seu amigo príncipe da maldição, de modo a colocá-lo novamente na linha de sucessão, como originalmente previsto. Contudo, a única forma de o fazer é mesmo entrando no tal torneio. É que, com esta indefinição, todo este reino está em apuros e é preciso um herói. Felizmente, este herói não está sozinho. Consigo, está uma companhia muito especial, a fada Gallica que possui imenso conhecimento e muitos conselhos úteis para o jovem. Ao longo da história, muitos se cruzarão e alguns juntar-se-ão ao protagonista, ajudando-o nas várias missões.

Tal como esse jogo onde a produção claramente se alicerçou, Metaphor: ReFantazio é uma excelente aventura gráfica, perfeita para quem gosta das histórias e da arte visual Anime. Como seria de esperar, este é um Role Play Game no pleno sentido, contendo diálogos e escolhas para os jogadores, assim como combates baseados na táctica, desta vez com a opção de combater em tempo real. Uma das outras diferenças em destaque, além da história, obviamente, é que tenta ser muito mais “cinemático”, com muitas mais cenas intermédias para desfrutar, nessa tal arte Anime irrepreensível que o estúdio nos habituou. Nota-se claramente que este título não foi feito para ser um “Persona com Skins”, mas algo único, mesmo que mantenha elementos familiares.

No fundo, é como chamamos de “soulslike” a jogos que imitam o conceito de Dark Souls. Porque não chamar de “personalike” a estes jogos? Fica a dica, podemos ter começado aqui uma nova tendência…

Embora não tenhamos uma agenda escolar para seguir, mantém-se aqui o mesmíssimo ritmo “calendarizado” da série Persona. Temos na mesma de cumprir objectivos por datas, passando por várias tarefas até lá. Também podemos conviver com os companheiros para fortalecer laços, esquematizando os dias com as devidas oportunidades. De manhã um convívio com os amigos, à tarde uma missão, à noite um banho relaxante. Todas estas actividades dão-nos bónus e fortalecem a personagem, aumentando estatísticas e dando-nos perks, exactamente com a mesma harmonia reconhecida nas lógicas de Persona. Até temos aqui a mesma possíbilidade de abordagem faseada às masmorras em vários dias, muito útil se as acharmos difíceis.

Se há algo que eu não gostei nesta história, confesso, foi o seu tom. Persona pode ter os seus momentos sérios, muitas vezes filosóficos e de reflexão, contudo, nunca deixa de ter ocasiões mais descontraídas e cómicas, até com as suas personagens, por vezes caricatas. Metaphor: ReFantazio, desculpem a expressão, “engoliu um garfo” com a sua seriedade extrema, até nas interacções com personagens que pensamos serem menos sérias. Talvez seja esta mudança profunda de tema, num jogo que todos pensámos ser “mais do mesmo”. A Atlus quis, sem dúvida, dar outro rumo a este jogo mas, com isso, tornou-o tão obtuso que chegamos a perder a boa disposição. Embora tenhamos boas ligações com os companheiros, nenhum se torna memorável por causa desta falta de interesse em criar empatia. Ninguém gosta de companheiros “caretas”.

Inevitavelmente, se não gostaram da já mencionada abordagem temporal de Persona, com datas limite que seria algo restritivas para a fluidez de jogo, por vezes tornando-se um fórmula algo repetitiva, Metaphor não melhora muito essa mecânica. Ainda assim, há uma melhoria na forma como as coisas se conduzem entre os vários dias e entre as várias missões. Particularmente, achei que a fluidez entre missões e as demais actividades é mais apurada que nessa outra série. Embora não tenhamos o famoso café LeBlanc de Persona 5 como hub, o navio andante Gauntlet Runner, efectivamente a nossa base itinerante, faz mover-nos pelas cidades e pelas suas missões, tornando tudo muito mais dinâmico. Mais adiante, também o teleporte torna tudo ainda mais célere. Neste ponto, parece-me até que a repetição se torna mais fácil de lidar.

Também as próprias regiões são convidativas à exploração, tornando o jogo bem menos repetitivo do que termos apenas uma cidade ou uma área para jogar, mesmo que seja tão vasta. A capital Gran Trad é muito convidativa, mas nada como um serão à beira-mar na cidade portuária de Brilehaven. Se quisermos mais mistério, vamos visitar a empobrecida Martira que esconde um grande segredo. Em todos estes locais há lojas para visitar e cidadãos para conversar, além de tarefas e missões pontuais para nos fortalecer na grande epopeia. Tudo isto com o leme do Gauntlet Runner que, literalmente, galopa pelas estradas. Gostei bastante de criar estratégias de ir de ponto em ponto aumentando capacidades, até chegar ao local da masmorra dentro da data limite para a missão principal.

Algo muito familiar vindo de Persona, é a forma como continuamos a ter de gerir cuidadosamente os arquétipos de cada personagem, incluindo o do protagonista. Mas, há algumas diferenças. Inicialmente, o nosso rapaz é um Seeker, uma espécie de classe capaz de tudo um pouco, jeitosamente um “aperitivo” das várias possibilidade. Contudo, os demais arquétipos abrem outras possibilidades, também com os nossos companheiros a ganharem outras capacidades que serão excelentes complementos. As classes são angariadas contactando outras personagens, podendo desbloquear outros benefícios se estreitarmos laços com elas. Isto é verdadeiramente novo, se pensarmos que em Persona isto funcionava na base de “coleccionáveis”.

Com esta fórmula, passaremos imenso tempo em jogo a construir personagens e poderes mas onde realmente as podemos evoluir é nas masmorras. Há umas ligeiras diferenças que considerei muito positivas. Entre os pontos mais frustrantes destas missões mais desafiantes, os checkpoints eram bastante punitivos. Parece que a produção nos ouviu e tornou-os um pouco mais frequentes, pelo menos menos penalizadores. Por outro lado, descansar já não regenera inimigos, o que é, para mim, um elemento favorecedor. Entendo que muitos achem isto um “facilitismo” mas sempre considerei isto uma mecânica sem relevância, algo que faz lembrar as lógicas dos já mencionados “soulslike”, quando não é esse o foco destes jogos.

O que é, sem dúvida um “facilitismo”, porém, é o grau de dificuldade dos inimigos. Porque, como já disse, temos agora a opção de ignorar o combate por turnos, parece-me que os inimigos estão mais “fáceis” para os atacarmos directamente. Achei-os até demasiado fáceis de derrotar em alguns momentos, bastando atordoá-los e finalizá-los logo de seguida. Mais adiante, com inimigos mais fortes, esta estratégia não é tão válida, forçando-nos aos tradicionais combates por turnos. E é claro que os bosses precisam na mesma deste tipo de combate mais táctico para lidar com os seus ataques e poderes. De um modo geral, porém, achei os inimigos  mais frequentes francamente mais acessíveis que nos títulos Persona, notando-se um foco maior nestes combates de acção directa.

Por falar em inimigos, também há uma ênfase maior na sua variedade, tornando os confrontos, teoricamente, bem menos repetitivos. Também gostei das novas secções mais furtivas das masmorras, outro elemento que confere mais alguma variedade. Ainda assim, continuo a achar que a Atlus precisa de um melhor designer de níveis para as masmorras em si. Isto, porque, tal como em Persona, cada novo corredor ou nova sala é uma cópia ligeiramente diferente da área anterior, tornando as coisas, aqui sim, algo repetitivas. Agora que o combate pode ser em tempo real, isto nota-se muito mais. Por turnos, o mesmo “plano de fundo” é perfeitamente ultrapassável, sendo uma imagem estática, por vezes genérica.

Resta-me abordar a parte técnica que, como já disse, é fundada numa arte Anime que merece todos os elogios possíveis. Na sua base, é como um elaborado filme de animação, em que nos passam o comando para as mãos para jogar aqui e ali. O visual é fantástico, as animações e efeitos especiais são dignas de uma série animada de qualquer bom estúdio de animação. O mesmo se passa com o seu interface, perfeitamente enquadrado no seu design “over-the-top”. Testei este título no PC e na Xbox Series X e só tenho elogios a tecer em ambas as plataformas. A sua descolagem mais surreal pode não agradar a todos os gostos mas é, sem dúvida, mais uma obra de arte da produtora Atlus.

Veredicto

Naquilo que só posso descrever como uma espécie de tentativa de “spin-off” desagregado da Atlus, num possível “multiverso” da série Persona, este Metaphor: ReFantazio é um autêntico ensaio narrativo e técnico para a fórmula de longa data dessa outra série. Introduz algumas melhorias significativas, como a forma como tenta ser mais narrativo, puxar-nos mais para explorar e tendo algumas diferenças na jogabilidade que considero evoluções. Ainda assim, notam-se algumas fraquezas, como o seu tom por vezes demasiado sério ou o foco nos combates mais frequentes com inimigos também mais fáceis. Não deixa de ser um óptimo RPG, em linha com o que gostámos tanto de Persona 5, tornando-se um novo triunfo em potencial para a SEGA.

  • ProdutoraAtlus
  • EditoraSEGA
  • Lançamento11 de Outubro 2024
  • PlataformasPC, PS5, Xbox Series X|S
  • GéneroAventura, Role Playing Game
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Recomendado

Óptimo, aconselhamos a apreciar ao máximo.

Mais sobre a nossa pontuação
Não Gostámos
  • Tom um pouco sério demais
  • Inimigos podem ser algo fáceis demais de combater
  • Como sempre, arte e história poderão ser muito estranhos

Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.

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