Análise – Microsoft Flight Simulator – Parte 2
Pode ser muito bonito visualmente, com aviões vistosos e cenários arrebatadores. Mas, um simulador de voo não é particularmente atraente se não criar uma simulação credível do voo e dos sistemas das aeronaves. Como já disse na parte anterior, serão os módulos de terceiros a criar o futuro do Microsoft Flight Simulator. Mas, nesta segunda parte, vamos ver ser a simulação de voo em si é suficientemente realista.
Acompanhem também aqui a primeira parte que fala sobre a oferta e o conteúdo. E também devem ler a a terceira parte que aborda a componente técnica e visual.
Por mais que ainda hoje seja um dos simuladores mais famosos de sempre, o Microsoft Flight Simulator X, assim com os demais títulos anteriores nesta franquia, nunca foram excelentes exemplos de realismo no que toca à simulação dos efeitos aerodinâmicos numa aeronave. Aliás, muitos foram os módulos e add-ons que tiveram de quase “reescrever” o código do simulador de modo a apresentar performances credíveis. Ao longo dos anos, fruto do tal vazio deixado pela Microsoft por ter quase abandonado esta série, as demais produtoras de simuladores apostaram forte nesse realismo. O intuito não é, obviamente, criar algo exactamente igual à realidade, quase impossível a nível sintético num simulador de consumo. Há, contudo, uma margem de realismo na representação do voo que pode e deve ser explorada, aquela que os mais veteranos simmers procuram.
Felizmente, o Asobo Studio estava bem ciente destas lacunas do FSX, o seu antecessor. Embora os idos ACES Studios fizessem um óptimo trabalho com o que tinham em mãos, a tecnologia evoluiu bastante desde então, dando-nos mais ferramentas para tentar captar o realismo correcto que se exige numa simulação. Para isso, a produtora apostou em recriar tudo quase de raiz, o que inclui as aerodinâmicas, as físicas em geral e os sistemas de cada avião. Devo dizer que este processo foi um pouco moroso durante as Alphas e Betas deste simulador, notando-se uma clara evolução de performance em quase todos os aparelhos em testes. E muito do feedback dos participantes nestes testes será notado no produto final.
Para começar, é preciso ter em atenção que este jogo possui diversos tipos de aviões disponíveis. Desde os pequenos aviões ligeiros, alguns com características acrobáticas, passando pelos turbo-hélice e terminando nos grandes jactos, todos possuem características próprias e que é preciso retratar com a devida fidelidade num simulador de voo. Afinal, é isso que o distingue de um mero “jogo com aviões”, certo? Um avião a hélice tem características diferentes de um avião a jacto. Um avião de pequeno porte, tem reacções mais lineares que um grande avião comercial. E, depois, dentro destas categorias ainda há sub-categorias, como os aviões a hélice com motor de pistões versus os turbo-hélice, os bi-motores versus monomotores, os aviões de asa alta versus os de asa baixa, etc.
Começando pelos ligeiros a hélice, gosto mesmo muito da evolução que senti aqui. Longe vai o tempo dos Cessnas 172 que “voam sozinhos”, quase que pareciam voar em cima de um “carril”. Embora este modelo Cessna em particular seja um aparelho aerodinamicamente estável, o que significa que realmente “voa sozinho”, precisa de algum trabalho de compensação para o estabilizar em voo controlado. O variómetro no FSX, por exemplo, era uma “ciência” para dominar, assim com o turn coordinator (vulgo “pau e bola”). Coordenar uma volta no velho FSX era uma epopeia, que em nada espelhava a realidade de o fazer num C172 real. E já nem falo na irrealidade dos comportamentos aerodinâmicos.
Gostarão de saber que agora, mesmo com tempo limpo, os pequenos monomotores agem mais próximo da realidade, tornando-se nervosos quando no limite da perda, ou mais tolerantes quando os tratamos bem. Coordenar a volta é um processo francamente simples, usando os pedais como deve ser e manobrando de uma forma realista. É perfeitamente discutível se todos os aviões desta categoria voam de forma realista neste simulador. Afinal, a minha experiência real é só mesmo com o Cessna 150/152 e 172. Aviões como os ultraleves da Diamond ou os “bush flyers” da Piper, terão uma performance ligeiramente diferente, acredito. Contudo, do que testei, pareceram-me todos suficientemente realistas e a dar a devida diversidade ao voo dito “ligeiro”.
Quanto aos aviões bi-motor, também gostei da sua performance bem mais vincada. O facto de terem dois motores dá-lhes, obviamente outras características, bem além da óbvia maior potência. Os motores em cada lado, teoricamente, sofrem um pouco menos de efeitos adversos à aerodinâmica, como a torção ou deslize causado pelo efeito da hélice ao centro. Mas, mesmo assim, têm as suas idiossincrasias. Não vou dissertar muito sobre isso, mas assinalo uma satisfação enorme por sentir os efeitos credíveis da perda de um dos motores em voo, sobretudo num turbo-hélice. Uma vez mais, considero a simulação dos bi-motor a hélice francamente positiva e confesso que são os que mais voei até agora neste simulador.
Mas, porque são os grandes astros dos simuladores modernos, claro que não podiam faltar os jactos. Temos duas categorias (dependentes também da versão que escolham comprar). Os grandes comerciais como o Airbus 320 e o Boeing 787 serão os mais desejados, até por uma questão de automatismo e autonomia, tendo, claro, o gigante Boeing 747 como “avião bandeira”, capaz de chegar aos destinos mais longínquos. Mas, temos também dois pequenos jactos executivos da Cessna para aqueles voos mais sucintos. Todos estes aviões primam pela velocidade, altitude máxima, alcance e automatismos para os distinguir dos demais. Mas, também são os aparelhos que, para mim, mais desapontam.
Convenhamos que estou muito mal habituado, tendo analisado aqui no WASD alguns dos melhores add-ons jamais feitos para a aviação comercial. Por isso, é normal que sinta um enorme abismo entre um produto que recria um avião credível na sua base e um outro que é só uma componente básica de um simulador inteiro. Nenhum dos jactos neste Microsoft Flight Simulator foi criado para bater novas barreiras de qualidade em sistemas e performance. São, quanto muito, showcases de capacidades do novo simulador, demonstrando que este é também capaz de simular os grandes “airliners” para ligar o mundo, tão bem como os pequenos aviões de recreio.
É por isso que muitos dos sistemas a bordo estão simplificados ou omitidos. As dinâmicas de voo são somente cumpridoras, com controlos algo sintéticos demais e com alguns exageros ou falhas de performance de assinalar. Uma delas que notarão certamente é na efectividade das superfícies de controlo, a tal ponto que a protecção de “envelope” num Airbus A320 é por vezes, diria, subjectiva. Por outro lado, os sistemas de navegação, FMS, piloto automático, etc, também possuem limitações, omissões ou imprecisões assinaláveis. Para um piloto casual, talvez isto não seja muito relevante. Contudo, quem procura realismo e pretende replicar um jacto real ficará um pouco desapontado.
Ainda assim, pegando nos aviões de uma forma simplificada e “directa ao assunto”, ou seja, voando pelo simples gozo, todo o simulador assenta numa nova lógica de física e aerodinâmica de elevado rigor. Longe vai o tempo de estarmos a voar “em cima de números”, com os simuladores antigos a limitarem-se a ler dígitos e interpretá-los como dados de voo. Agora, o Microsoft Flight Simulator adoptou um novo motor de aerodinâmica que age mais de acordo com as Leis da Física e que interpreta de forma bem realista algumas características tão importantes, como a sustentação, arrasto, gravidade, aceleração, etc. As perdas, por exemplo, agem como verdadeiras perdas.
O resultado é um voo realista, que é mesmo afectado pelas características do avião, pelas avarias e até pelos erros induzidos. Não quero ser demasiado técnico nesta parte, porque até corro o risco de cometer alguma imprecisão. O que posso dizer é que sempre procurei uma simulação desafiante, sobretudo em meteorologia adversa, afastando-me das facilidades e dos automatismos o mais que possa. O intuito é que o voo não seja apenas baseado em “carregar em teclas”, por mais interessante que isso seja, notem. Gosto de voar “à mão”, gosto que o avião reaja de forma realista aos ventos, à turbulência e até aos abusos. E tenho tudo isto neste simulador, pela primeira vez sem “adicionais” à mistura.
Para este realismo em voo, conta muito, claro, a meteorologia. Penso que terá sido onde a produção gastou mais tempo a aperfeiçoar de modo a criar algo impressionante. Não é que esteja prefeita, infelizmente. Nem sempre a meteorologia em tempo real corresponde exactamente ao tempo real que se faz lá fora. Isto porque se baseia em METARs que são emitidas de hora em hora, aproveitando as previsões da TAF para gerar uma meteorologia “provável”. Não que seja algo preocupante, uma vez que alguns injectores de meteorologia de terceiros funcionam de uma forma muito parecida. Mas, notei algumas discrepâncias assinaláveis entre o estado do tempo real e o que vi no simulador no mesmo local. Algo que, estou certo, precisará de uma afinação.
Agora, quando o estado do tempo está adverso, preparem-se para um desafio acrescido. O motor de meteorologia é também inteiramente personalizável, alterando nuvens em cobertura, densidade e camadas, mas também alterando vento, precipitação, visibilidade e até aerossóis no ar. O resultado é, provavelmente, uma das melhores simulações de nebulosidade e intempéries que jamais tiveram num simulador. A tal ponto que se confunde com a realidade, honestamente. Mas, o principal desafio está no efeito que a meterorologia tem no controlo dos aviões. Pela primeira vez, lutei com vento cruzado “a sério” na Madeira, ou com bancos de nevoeiro traiçoeiros em Londres e ainda bradei aos céus com a chuva repentina que me tirou visibilidade em Paris.
E não é só o mau tempo visível que traz desafios. O ciclo de dia e noite é francamente realista. O próprio sol possui características realistas, dando-nos reflexos tão fortes que podem simular algum encadeamento. Mesmo que a chuva passe, as pistas ficam molhadas na mesma. Há efeitos de correntes térmicas que é preciso ter cuidado em alguns locais de topografia própria. E as temperaturas baixas podem formar gelo nas asas que é preciso ter em conta. Tudo isto acrescenta um realismo que, de outra forma, só poderíamos atingir com programas de terceiros a criar estes efeitos nos aparelhos noutros simuladores. Aqui, tudo isto está disponível de raiz, saído da caixa e pronto a experimentar. Genial.
E voar à noite transmite ainda outro nível de dificuldade. Não porque afecte o voo em si, os ventos e outros fenómenos serão igualmente desafiantes, independentemente da hora do dia. Com céu pouco nublado ou limpo, até é relativamente fácil voar à noite em regime de voo visual. Agora, cerre-se mais o céu, levante-se uma bruma ou chova e a constante “aura” amarelada das luzes das cidades torna-se um empecilho desorientador. Ou voe-se longe destes locais e o breu instala-se sem que as nossas humildes luzes iluminem grande coisa. Já agora, à noite as luzes de pistas e dos próprios aviões são bastante mais visíveis. Ainda assim, confiem mais nos instrumentos para chegar ao destino.
Convém mencionar que, embora este simulador aposte muito no voo visual como trunfo, e apesar de nem todos os sistemas estejam profundamente simulados nas aeronaves, o MSFS possui tudo o que é necessário para voar por instrumentos (IFR). Para isso, conta com uma inteira recriação dos instrumentos de bordo de cada avião, entre a clássica instrumentação analógica e a integração dos sistemas modernos de EFIS, como os míticos sistemas Garmin (inteiramente licenciados) e os sistemas próprios dos jactos modernos. É perfeitamente possível voar inteiramente por “agulhas”, embora seja necessário um bom planeamento ou conhecimento de sistemas e radio-ajudas ou pontos de navegação.
Quando tudo falha, porém, é bom que conheçam bem o avião que estão a voar. Temos à nossa disposição, uma completa checklist interactiva e personalizada para o operar. E até podemos pedir que nos mostre onde está no painel a função necessária. E, em aviões com dois elementos de tripulação, é mesmo possível pedir a um co-piloto artificial que execute essas checklists, fale com o controlo de tráfego aéreo por nós e até que opere o avião, isto momentaneamente ou até ao fim da rota. Uma vez mais, este tipo de automatismos costuma ser possível apenas por módulos adicionais de terceiros, mas estão aqui inteiramente integrados.
De um modo geral, a performance e as respostas dos aparelhos, seja em condições normais ou adversas, corresponde ao que se pede de um bom simulador de voo. A produção do Microsoft Flight Simulator não olhou a meios para criar um bom modelo de voo, com aerodinâmicas credíveis criadas de raiz, um robusto e dinâmico sistema de meteorologia e bons sistemas de bordo para que a simulação seja plena e credível. Os aviões podem, de facto, não primar pelo rigor mas, como disse acima, fazem bem o papel de showcase das capacidades deste novo simulador. E até termos módulos mais avançados são, ainda assim, cumpridores para os veteranos que querem algo novo. E são perfeitos para os recém-chegados a este mundo da simulação.
Ainda me falta falar do visual do jogo, bem sei que estou a deixar para o fim a “fatia” mais apetecível do “bolo”. Mas, até já falei da oferta deste simulador em termos de conteúdo.
Para isso, sigam a Parte Um e a Parte Três!
- ProdutoraAsobo Studio
- EditoraMicrosoft Game Studios
- Lançamento18 de Agosto 2020
- PlataformasPC
- GéneroSimulação
Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.
Mais sobre a nossa pontuação- Realismo nas aerodinâmicas genéricas dos aviões
- Instrumentação credível
- Meteorologia desafiante
- Checklists Interactivas
- Jactos não aprofundam sistemas
- Faltam helicópteros
Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.