Análise – Mount & Blade II: Bannerlord
Tido como uma pérola escondida da plataforma PC, a série Mount & Blade pode ter passado ao lado de muita gente. Afinal, nem teve grande popularidade nas consolas e não se pode dizer que o pequeno estúdio Turco TaleWorlds Entertainment seja muito conhecido. Contudo, ao fim de sete anos de espera, Mount & Blade II Bannerlord está finalmente de espada em punho.
Bom, mais ou menos. O jogo está, de facto, disponível no Steam, mas apenas em acesso antecipado. A produção mostrou-se confiante com o que tinha, tendo mesmo antecipado o lançamento por um dia. Infelizmente, também anunciou que haviam muitos erros, bugs e omissões nesta fase. Para ser sincero, fiquei um pouco hesitante de fazer esta análise nestes dias. Tive alguns erros graves de performance e até bugs que quebravam a progressão na história e me impediram sequer de o jogar em certas alturas. Contudo, acho que nunca vi uma produtora tão empenhada em ouvir os jogadores e em lançar correcções, como a Taleworlds. Enquanto escrevo, já instalei cinco actualizações de título desde que o jogo foi lançado na passada segunda feira dia 30 de Março. E mais correcções, polimentos e adição de conteúdo se seguirão, estou certo.
Por esse motivo, o que podemos falar neste momento é do enorme potencial que o jogo encerra em si, ao mesmo tempo que abordamos o que já oferece nesta fase ainda em desenvolvimento. Obviamente, há muita coisa que poderia apontar como negativo, sobretudo a notória falta de polimento geral. Por um lado, há quem aponte sete anos de desenvolvimento, tantas vezes silencioso, como um tempo mais que suficiente para produzir um jogo sólido. Por outro, temos de nos recordar que este estúdio de Ancara não é propriamente uma mega-produtora com largas somas de investimento. Os seus jogos nesta série gozam de imensa popularidade, é certo, mas também precisam de muito trabalho para chegar aos tais níveis que podíamos exigir.
Também o género de jogo é algo complicado de produzir. Trata-se de um Role Play Game na sua base, mas adiciona elementos de combate directo em larga escala, estratégia e gestão. Na verdade, o jogo tem duas fases. Começamos como um mero mercenário ou vassalo de um reino, em que os combates são mais frequentes e numa escala menor. Subitamente, aumentamos o tamanho do nosso exército e começamos a ver as batalhas a ampliar, chegando mesmo a enormes escaramuças e mesmo a sítios a castelos (já falarei nisto). Na segunda parte, com um reino criado ou tomado, o jogo assume-se mais estratégico, com diplomacia e diálogos em abundância. No fundo, o jogo adapta-se na sua narrativa que, embora lenta a avançar, assume-se como um dos trunfos do jogo.
Para quem não conhece, a série Mount & Blade segue eventos históricos fictícios, inspirados na história universal clássica da Europa, aqui chamada de Calradia. As várias facções em jogo são inspiradas em civilizações reais do Médio Oriente, norte de África e Europa, mas apresentam-se com personagens, cultura e tradições únicas. Este segundo título continua os eventos da última expansão do primeiro jogo, Warband. 210 anos depois, o Império de Calradia está em declínio, um pouco como o análogo declínio do Império Romano entre o ano 600 e 1100, em plena Idade Média. Nesta era no jogo, o Império dividiu-se em três, enfraquecido por guerras civis e invasões de outros povos. Claro que tudo se tem de resolver por via da diplomacia ou pela espada.
E é aqui que entramos na história. Segundo a introdução onde criamos a nossa personagem e escolhemos a nossa facção, ficamos a saber que a nossa família foi emboscada, os mais velhos assassinados e os mais novos raptados, restando nós e um irmão. A criação da nossa personagem também nos leva a escolher que desfecho teve essa emboscada. No meu caso escolhi que o meu herói conseguisse escapar por assassinar um dos atacantes. Isto levou-me a ganhar uma reputação de herói, aprimorado por outras escolhas que podemos fazer na nossa infância e adolescência. Também podemos optar por origens nobres ou plebeias, militaristas ou intelectuais, entre outras. Mas, quem sabe a opção mais relevante a escolher, é logo a primeira: a que facção pertencemos.
Em termos de facções, os três pedaços do Império de Calradia, são equivalentes a Roma, Grécia e o Império Bizantino. Esta facção tripartida é mais focada em cavalaria, arqueiros e lanceiros. Os Vlandians, são o equivalente dos Normandos são focados em cavalaria pesada. Os Sturgians, são inspirados nos Eslavos Russos, povo de floresta mais hábil com infantaria. Pelo meio temos os infames Battanian que habitam as florestas centrais, especialistas em emboscadas e tácticas de guerrilha, tal como os Celtas. No Sul, temos os Aserai, um povo conquistador e hábeis cavaleiros de infantaria, neste caso também com camelos, claramente inspirados nos Árabes. E, no oriente, temos os Khuzaits, nómadas especialistas em tiro com arco em montada, uma inspiração nos Mongóis e Otomanos.
Mais importante que estes aspectos militares, porém, são as suas culturas e valores que nos conferem bónus em diferentes áreas. Convém ler muito bem quais as vantagens de cada civilização, tentando escolher aquela que melhor se enquadra no nosso estilo de jogo. Os Vlandians, por exemplo, são os que ocupam mais território em jogo, mas a sua propensão a conflitos internos criará problemas de divisão no reino. Os Aserai são rápidos a conquistar, mas fracos a manter essas conquistas. No meu caso, simpatizei com os Battanian, excelentes com as suas habilidades com arco e flecha e nos seus bónus de combate de emboscada em florestas. Eventualmente, iremos criar o nosso próprio reino, mas é bom começar com uma cultura que também simpatizamos.
A escolha não é fácil, mas a primeira missão dará um destino um pouco mais fácil de optar: queremos dar continuidade ao declínio do Império de Calradia ou queremos reerguê-lo? As primeiras missões vão levar-nos a escolher esse trajecto de forma clara, enquanto travamos conhecimento com tradições e culturas de vários reinos. Tratando-se de um jogo completamente aberto em termos de escolhas, teremos missões com desfechos diferentes e repercussões distintas. Escolher servir ou aliar-se a uma facção, pode significar entrar em guerra com outra, por exemplo. E depois temos vários actos que ditam a nossa reputação e influência. Todas estas questões são de extrema importância no desenrolar da história.
Sobretudo na segunda metade do jogo, a forma como lidamos com cada conflito, negociação ou diálogo, cria desenvolvimentos diferentes. Um bom exemplo é na forma como nos estabelecemos num castelo. Podemos servir um senhor feudal e, mediante as nossas prestações, este senhor pode oferecer-nos um cargo proeminente e, por consequência, oferecer-nos também a gestão de um castelo. A outra forma é bem mais linear, simplesmente lutando por esse castelo, conquistando-o a um reino rival ou tomando-o à força de um governante incauto. Obviamente que isso não agradará a todos. A dada altura, entramos em guerra com um ou mais reinos e a nossa fama precede-nos.
Há muito mais para descobrir nestas questões estratégicas. Há pormenores que, sinceramente, vale a pena encontrar por nós próprios, mesmo sabendo que este jogo exige muita da nossa atenção. Em poucos dias, gastei muitas dezenas de horas a jogar e nem sequer prossegui muito além da quinta missão depois do extenso tutorial. Basicamente, a produção quer dosear bem as imensas opções e elementos de interacção. E penso que o faz bem, mesmo que algumas mecânicas ainda precisem de muito trabalho. Uma delas é a orientação de cada missão. Simplesmente não sabemos bem para onde ir, não havendo marcadores ou objectivos claros em algumas missões. É algo que exige algum hábito e eventualmente percebem o que fazer, entre uma consulta do mapa ou do codex contido.
Quando é inevitável lutar, porém, as coisas são bem mais intuitivas. Por causa de outros jogos como Kingdom Come: Deliverance, por exemplo, usar armas medievais em jogo, para mim, sempre foi algo complexo demais. Muitos foram os jogos que tentaram simplificar ou complicar demais esta interacção. Neste jogo, temos à disposição dois tipos de combate: a pé ou a cavalo. E para isso usamos armas de peleja, como espadas, martelos ou lanças, armas de arremesso, como dardos ou punhais e ainda armas de disparo com o arcos e bestas. Adicionalmente, ainda usamos um escudo, somente disponível com armas de uso de uma só mão, como no caso das espadas ou lanças.
A interacção dessas armas de combate próximo obedece a uma simples premissa, a da orientação com que começamos a animação, nos lados, por cima, por baixo ou ao centro. Usamos o escudo com o botão direito do rato, e atacamos com o esquerdo, alternando as armas com a roda de scroll. A ideia é orientar o lado para esquerda para golpear para a direita, levantar para disferir um golpe vertical e assim sucessivamente. Não podia ser mais simples. O arco e besta são igualmente simples, com uma mira para apontar e o botão esquerdo para disparar, dando tempo para carregar uma nova seta. A dinâmica de fazer isto tudo a cavalo é mais complexa, obrigando a um movimento mais preciso. Ainda assim, é igualmente simples de dominar ao fim de umas horas.
Só tenho pena que, depois de ter descoberto uma interacção tão simples de usar, tenha esbarrado com uma curva de dificuldade tão grande. Já antes os jogos desta série foram um tanto difíceis no que toca ao combate. Mas, Bannerlord leva o prémio de maior desequilíbrio em campo. Não só os adversários são exímios a rodear o jogador e ignorar os outros companheiros da IA, como os seus arqueiros são autênticos snipers medievais. Em algumas missões de infiltração, estamos com unidades limitadas e sem cavalaria. Se os guardas que nos detectam ao longe forem arqueiros, esqueçam. Nem o vosso melhor escudo vos vai valer. Sim, é preciso polir melhor este combate, ou vamos acabar capturados umas vezes.
Onde é particularmente urgente que a produção se esmere é novo modo de sítio a castelos e cidades. A ideia é interessante e até baseada em tácticas medievais históricas. Basicamente, deveríamos usar armas de sítio como aríetes, balistas, catapultas ou torres para invadir fortificações. Lá dentro, também podemos erguer defesas semelhantes para atacar os invasores. Só que há um enorme desequilíbrio entre as defesas que podem logo começar a construir estas defesas e os atacantes que só podem começar depois de erguer a base de sítio. Isto cria uma enorme discrepância de meios, se só podemos construir um de cada vez. Terminem uma catapulta, e os inimigos destroem-na antes que comecem outra.
A ideia será balancear o poder dos invasores, quase sempre em maior número que os defensores. Mas, por outro lado, quase que inviabilizam o uso de armas de sítio. Mais vale apostas nas simples escadas para subir muros e esperar que um ou mais dos nossos soldados consiga, eventualmente, abrir os portões. E, como se isto não bastasse, ainda temos de lidar com reforços que podem ser chamadas ao castelo ou à cidade sitiada. O que pode reduzir tanto o número de tropas que podemos mesmo ter de desistir do sítio. Adicione-se a isto o facto destes cercos durarem dias, tendo de pagar e alimentar centenas de tropas e o esforço logístico podem nem sequer valer a pena em algumas circunstâncias.
As coisas acabam por se equilibrar um pouco mais no modo multi-jogador. Aqui, apesar dos exércitos continuarem a ser controlado pela Inteligência Artificial, são comandados por humanos. Temos três formas de jogar, em Captain somos um comandante numa acção puramente estratégica usando os mesmo comandos básicos das tropas, Skirmish oferece combates entre exércitos e Siege coloca um jogador a atacar e outro a defender um cerco. O melhor equilíbrio surge do controlo dos humanos, menos dependente de uma IA infalível a comandar as tropas. Mas, não faz milagres. A necessidade balanceamento de unidades e armas é também aqui notória. Só que, neste caso, a produção tem o modo multi-jogador numa fase assumidamente de testes Beta. O que não desculpa tudo, obviamente.
Nada no modo online contribui para o modo de história, já agora, existindo uma espécie de evolução de carreira online paralela e puramente facultativa. O que me faz concluir que este modo é meramente acessório, como que um ponto numa checklist que a produção tinha de cumprir. A qualidade deste jogo está no somatório da sua oferta. O que significa que consegue cativar quando juntamos tudo o que o modo de campanha oferece. Quando pegamos apenas no combate, como aqui, infelizmente, concluímos que, simplesmente, há jogos com um online melhor que este. Estando no modo de campanha, o combate é episódico e francamente compensatório amiúde. Mas, isolado, confesso, não me cativou.
Sem dúvida, onde este jogo mais precisa de polimento é no seu visual. Embora haja uma clara evolução técnica desde Warband, sobretudo ao nível do design dos menus e da modelação e texturas de personagens e diálogos, diria que a optimização, de um modo geral, não é lá muito consistente. Notam-se imensas falhas nas texturas, inúmeras animações toscas e não posso enfatizar mais as inúmeras falhas na detecção de colisões com objectos de cenário. Também há imensa repetição de mapas, castelos e personagens. É algo caricato numa batalha com centenas de soldados, que hajam caras repetidas nos dois lados. É aqui que recordo o orçamento mais limitado deste jogo. Não é que perturbe a jogabilidade em si, mas também aqui era bom um maior trabalho de refinamento.
Noutros lados, o jogo acaba por sofrer um pouco mais. Os diálogos não dispõem de voz, nem sei se faz parte da intenção da produção atribuí-los. Para dizer a verdade não senti grande falta deles, com as legendas a servir perfeitamente. Mas, há uma missão em particular que tem falas numa personagem, pelo que julgo ser algo ainda em projecto. E é claro que neste plano técnico não posso deixar de enfatizar os diversos bugs, crashes e erros. Até ontem, havia um bug que bloqueava um savegame se… salvássemos muitas vezes. O que num RPG é algo absurdo pedir que não se faça. Enfim, já sabem que jogar um título em acesso antecipado é apoiar a produção e… servir um pouco de cobaia.
Veredicto
Valeu a pena esperar por Mount & Blade II Bannerlord ao fim destes anos. O ADN desta série está melhor que nunca, adicionando umas quantas novidades interessantes, como os novos sítios a castelos ou as novas dinâmicas entre facções. Quase tudo o que havia para ser revisto foi abordado, numa clara evolução técnica. Só que essa evolução também traz consigo alguns problemas que nesta fase testam a nossa paciência. Se estiverem dispostos a ultrapassá-los, porém, terão um grande apoio da produção, extremamente atenta aos jogadores. Tal como a sua extensa e intrincada carreira, precisa do empenho de todas as partes. Ao fim de umas horas de combate, diplomacia e decapitações de prisioneiros, é bom voltar a esta franquia. Quem a (re)descobre, sabe porque é tão viciante.
- ProdutoraTaleWorlds Entertainment
- EditoraTaleWorlds Entertainment
- Lançamento30 de Março 2020
- PlataformasPC
- GéneroAcção, Estratégia, Role Playing Game
Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.
Mais sobre a nossa pontuação- Um regresso de um autêntico vício
- Modo de sítio é interessante
- Muito trabalho de evolução técnica
- Esforço da produção em mitigar problemas
- Bugs, bugs, bugs e bugs...
- Modo online é algo acessório
- Precisa de muito polimento
Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.