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Análise: No Man’s Sky

Nas palavras sábias de Carl Sagan: “Argumentos extraordinários, requerem evidências extraordinárias”. Quando todo este hype em torno de No Man’s Sky tomou proporções cósmicas, esperei mesmo que a Hello Games estivesse à altura e apresentasse essas “evidências extraordinárias” de um grande jogo.

Acontece constantemente, porém, que o tal hype seja uma espada de dois gumes. Por um lado, desperta interesse e dispara o valor comercial de um título, por outro eleva demasiado as nossas perspectivas. A Hello Games, na pessoa do seu produtor Sean Murray, sempre fez questão de recordar que este era um humilde Indie de uma pequena produtora de 15 elementos. As imagens e vídeos que víamos, porém, mostravam algo grandioso, quase impossível. Uma inteira galáxia de milhões e milhões de planetas cheios de vida, comércio de bens, exploração e até combates espaciais. E perante a muita publicidade ao jogo, imensas pré-encomendas e inúmeras notícias e informações veiculadas, esperava-se aqui um grande jogo. Vejamos se é realmente o que esperávamos.

Apesar do jogo nos dizer que existem diversos rumos para tomar, colocando os termos “explora, combate, negoceia, sobrevive” na sua promoção, o verdadeiro forte deste jogo é mesmo só um: o convite à exploração. Tanto os combates espaciais como a componente comercial de compra e venda, assim como os pormenores de sobrevivência são meramente acessórios. Este é, realmente, um jogo de exploração, onde todas as demais mecânicas suportam o acto de continuar a vasculhar o vasto universo. Irão passar horas a reunir recursos ou a fugir de piratas espaciais pelo espaço, sim, mas apenas com o intuito de tentar saber o que está reservado para nós lá no centro da galáxia.

Este objectivo vago de chegar ao centro de tudo é dado pelo enigmático Atlas. Logo no arranque no primeiro planeta onde “acordamos”, temos de escolher se queremos seguir as indicações do Atlas ou se queremos ignorá-las e explorar livremente o que nos rodeia. É bem possível que muita gente opte pela segunda hipótese, mas a primeira é a mais lógica e com melhor suporte. Não só porque nos guia pela evolução natural da personagem e nos ajuda a entender as mecânicas de lógica, sobretudo no crafting, como nos aponta na direcção correcta. Descobrir como tudo se faz apenas por tentativa/erro é possível, mas bem mais moroso. Até porque o jogo não possui muitos auxiliares ou tutoriais, além da orientação do Atlas.

O jogo inicia-se pequeno, confinado ao tal primeiro planeta onde despertamos. A lógica a seguir é de fácil percepção: temos de reunir materiais ou isótopos para alimentar energeticamente o nosso fato, para reparar a nossa humilde nave e para construir peças essenciais. Se seguirmos as orientações do Atlas, brevemente teremos a nave reparada depois de minar os componentes e recursos necessários com a nossa multi-ferramenta. O sistema de crafting é simples, combinando materiais com blueprints e consumindo um slot do inventário. Notem que cada slot serve para três propósitos: armazenar componentes, instalar um upgrade ou fazer crafting. Por isso, a gestão desses slots no fato é essencial, sobretudo ao início, porque estamos muito reservados em espaço, mesmo que possamos armazenar algumas peças na nave, também ela com slots limitados.

Uma vez reparada, podemos entrar na nave e partir à descoberta. Será bom que explorem bem este primeiro planeta antes de ir para órbita. Aqui poderão minar com pouca oposição das Sentinelas, uns seres mecânicos que agem como polícia em cada planeta e vos punem se minarem “demais” ou agirem contra o ecossistema local. Também será aqui que irão tomar contacto com os primeiros animais e plantas exóticas de um planeta distante, seres estranhos e pouco convencionais. Mais à frente no jogo poderão fazer “scan” a cada um destes seres vivos e catalogá-los para enviar para o Atlas. Não há uma planta ou animal semelhantes de planeta em planeta, embora algumas horas depois irá parecer que já viram quase todas as combinações de pseudo-dinossauros, mamíferos ou insectos.

Com a nave reparada e os propulsores com combustível podem finalmente entrar em órbita. Não esperem céus negros desprovidos de vida. Além de inúmeros meteoros que poderão destruir para minar ainda mais recursos valiosos, seja para nosso consumo de combustível, seja para mais tarde vender, há muita actividade no espaço, com uma estação espacial central, diversas outras naves de Inteligência Artificial a deambular e até ocasionais combates entre frotas. Pior, há piratas que fazem a vida a destruir naves alheias em busca de recursos. Será com eles que se irão debater várias vezes, sobretudo se levarem no porão recursos raros ou de maior valor comercial.

O combate espacial é muitos simples, sem grandes complicações ao nível de controlos ou de armamento. Ao início só terão uma parelha de canhões que sofrem de sobreaquecimento se usados continuamente. Conforme evoluem, podem fazer upgrades aos canhões em potência, arrefecimento, alcance e outros parâmetros, assim como nos escudos e protecção de danos da nave. Contudo, os combates serão sempre semelhantes, com “dogfights” contra um ou mais adversários que teremos de manobrar com a mira para abater. Mais lá à frente irei falar de um problema crónico que acontece nestes combates espaciais que afectam o meu interesse em realizá-los. Contudo, por agora, apenas digo que os combates são algo raros (ao início) e relativamente simples de resolver.

A economia presente em jogo permite-nos vender mais caro ou comprar mais barato (ou ao contrário se não forem atentos) entre cada sistema para onde vamos, usando a divisa do jogo, as Unidades. Saibam que até encontrarem os blueprints, muitos dos recursos necessários não podem ser criados com crafting e precisam ser comprados nas lojas. Convém minar recursos, guardá-los e tentar vendê-los ao melhor preço. Para efectuar trocas, devemos dirigir-nos para a tal estação espacial, para uma das plataformas à superfície em cada planeta ou encontrar uma das inúmeras esferas de trading (imagem acima), estranhamente semelhantes ao famoso Wheatley de Portal 2… adiante…

Muito provavelmente, numa dessas estações ou pontos comerciais, irão também travar conhecimento com seres extraterrestres inteligentes. Esta é uma importante componente do jogo: a da descoberta de outras civilizações. Terão a oportunidade de interagir com seres estranhos com comportamentos e hábitos muito diferentes. Em vários planetas poderão encontrar obeliscos, templos ou ruínas onde poderão aprender palavras dos dialectos de cada espécie e, ao aprender essas palavras e ler o que os obeliscos nos ensinam, podemos entender o que os seres dizem e melhor interagir com eles, reagindo de forma apropriada. Quanto mais familiarizados e achegados somos, melhores relações teremos, podendo até oferecer benefícios como descontos em produtos, a sua protecção em caso de ataque de piratas ou recebendo recursos e bónus raros.

E é também com outros seres nas estações espaciais que poderão adquirir novas naves. A vossa humilde nave, ao início, servirá perfeitamente para deambular pelos primeiros planetas, mas depois irão precisar de algo mais amplo, mais robusto e mais… armado. Como já disse, cada slot tem de ser aproveitado. Se instalarmos muitos upgrades na nave, ela fica mais potente, mas terá menos espaço de carga. Mas, se quisermos levar mais carga, teremos menos upgrades de armas ou de armadura, ficando mais vulneráveis. Convém ir arranjando naves com cada vez mais slots, só que estas também serão mais caras, obviamente. Juntem Unidades para as naves mais dispendiosas se quiserem desfrutar do jogo, sobretudo quando estiverem mais próximos do centro da Galáxia.

Esta evolução também se verifica na multi-ferramenta. A tal peça que age como arma ofensiva, ferramenta de minagem e auxiliar de exploração, também possui slots limitados e convém comprar uma melhor sempre que for possível. E quando digo “melhor”, quero dizer que é sempre a que tiver mais slots disponíveis, garantindo mais espaço para melhoramentos e opções de tiro (como granadas por exemplo). No que diz respeito ao fato, porém, as coisas são um pouco diferentes, sendo possível acrescentar slots em postos específicos de upgrade. Na realidade, é bem possível que evoluam o espaço no fato mais rapidamente que a própria nave, chegando a poder carregar mais carga em pessoa que no veículo. Pelo menos foi o que me aconteceu na minha passagem por este jogo.

Com tudo isto abordado, já sabemos como evoluir, como agir nos planetas e no espaço, resta-nos tentar compreender o rumo que este jogo quer que sigamos. Saber que o Atlas pretende que cheguemos ao centro da galáxia, porém, pode não responder a uma simples pergunta: Porque o devemos fazer? Talvez seja por isso que podemos explorar livremente os planetas e sistemas. Apesar do rumo traçado no mapa espacial para chegarmos ao seu centro, o objectivo deste título não é muito claro. O que é que o jogo quer de nós? Quer que sigamos o Altas e terminemos o jogo ao fim de umas quantas dezenas de horas? Ou quer que vasculhemos a galáxia em busca de pequenos nadas? Será que temos de encontrar coisas raras, fenómenos estranhos, algo único? Ou talvez nem sejam bem esses os objectivos. Será um pouco de tudo? É vago…

Talvez o que nos mova seja a nossa curiosidade, o nosso ímpeto de “ir” e vencer obstáculos improváveis para chegar onde mais ninguém chegou. Não há bandeiras para erguer em jeito de conquista, porém, podemos sempre escolher dar nomes aos planetas, aos animais, às plantas e mesmo às regiões onde deambulamos, antes de enviarmos a informação para o Altas como uma grande enciclopédia em órbita. E é tudo o que temos para colocarmos o nosso nome nesta exploração. Não encontramos ninguém, apesar do jogo ter sido “vendido” como tendo uma componente multi-jogador. Os jogadores nunca se encontram, mesmo que na vastidão de milhões de sistemas tenham aterrado no mesmo planeta. Não há uma explicação concreta para isto. Alguma falha no conceito ou na programação? Simplesmente não percam tempo à procura dos vossos amigos no planeta “X”.

Então e ao nível técnico? No Man’s Sky parece ter tudo para ser um jogo tecnicamente exemplar. As imagens de planetas coloridos e repletos de vida, as órbitas lindíssimas com asteróides gigantes, os efeitos visuais de cada área, única no seu ecossistema, deram sempre grandes perspectivas de um jogo colossal. Mesmo que, cientificamente, muitas das lógicas usadas sejam imprecisas e fantasiosas. Isto é possível graças a complexos cálculos matemáticos, em que o jogo cria tudo de forma procedimental e calculada na instância onde estamos. O que significa que tudo o que vemos no ecrã é criado unicamente para nós. Isto talvez explique porque outros jogadores no mesmo local não se vejam mutuamente, conforme indiquei acima.

Só que na PlayStation 4 (versão analisada), No Man’s Sky sofre de diversas questões técnicas que não são muito positivas para a experiência de jogo. Notei imensas quebras acentuadas de performance em diversos locais, talvez pelo peso de tantos objectos na imagem, que denotam alguma falta de optimização. E, pelo menos para mim, onde o jogo sofre ainda mais é na distância de desenho ou draw distance. Basta descolarem na nave e deixam de ver vida animal à superfície, por exemplo. Mesmo ao nível do chão, usando o scanner para encontrar animais, estes podem estar tão longe que nem aparecem na imagem, mesmo usando o zoom. E é comum objectos irem “aparecendo” consoante vamos avançando. A distância focal é muito reduzida para um jogo que se afirma de exploração.

Outro pormenor menos positivo é a proximidade da câmara e a amplitude da mesma. Estando constantemente na primeira pessoa, seria bom podermos ter uma maior amplitude de visão, sobretudo em espaços confinados. Tudo parece demasiado próximo e essa situação só piora durante o voo na nave, sobretudo nos combates espaciais, uma vez que não podemos olhar em volta no cockpit. Seria bom usarmos um dos analógicos para olhar em várias direcções e descobrir alvos. Não é possível. Alguma prática irá minimizar esta questão, até porque temos setas que apontam para pontos de interesse ou naves hostis, mas tudo parece muito estático e automatizado. Até porque, à superfície, a nossa nave não aponta para baixo, não podemos manobrar para aterrar (aterra-se automaticamente com um pressionar de botão). Por falar nisso, também gostaria de poder mudar a configuração das teclas, já agora, mas esta talvez seja uma questão menor de preferência pessoal.

Tirando estes problemas técnicos, alguns de fácil resolução nalguma actualização futura, No Man’s Sky é, ainda assim, uma boa experiência de conceito. Desde os seres extraterrestres que encontramos, até aos mais exóticos planetas, uns puramente tóxicos, outros de climas extremos, com animais passivos que até podemos alimentar e fazer deles nossos animais de estimação, passando pelas bases mais vastas, incluindo as imponentes bases do Atlas, este é um jogo que não desaponta visualmente, mesmo que algumas mecânicas não sejam as melhores. A atmosfera de ficção-científica está lá. E ajuda bastante uma banda-sonora electrónica digna do género, assim como todos os efeitos sonoros da vida planetária em nosso redor. Não é perfeito, mas não deixa de ser visualmente agradável.

Veredicto

Pegando na frase acima de Carl Sagan novamente, perante os “extraordinários argumentos” antes do lançamento de No Man’s Sky, infelizmente parece não haver “extraordinárias evidências” para justificar o hype. Temos em mãos um jogo visualmente bonito, com umas ideias interessantes que irão satisfazer todos os que possuem uma veia de exploração. E apesar de ter arestas por limar, algumas limitadoras da sua jogabilidade, estas nem degradam demasiado a experiência geral. Contudo, devido à sua desorientação genérica causada pela ausência de enredo com objectivos claros e uma solidão constante por falta de componente social, foge ao que se espera de um jogo moderno deste calibre. E isto causará uma clara divisão entre os jogadores: Os que o querem jogar puramente pela descoberta e os que se frustrarão por puro desnorte. A diferença estará no ímpeto de cada um.

  • ProdutoraHello Games
  • EditoraSony Computer Entertainment
  • Lançamento10 de Agosto 2016
  • PlataformasPC, PS4
  • GéneroAventura
?
Sem pontuação

Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.

Mais sobre a nossa pontuação
Não Gostámos
  • "Draw distance" fraca
  • Amplitude do campo de visão
  • Falta de rumo ou de um enredo mais sólido

Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.

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