Análise – Outriders
Oh não… mais um “looter-shooter”! Se foi esta a vossa reacção ao anúncio de Outriders, não estarão sozinhos. A dinâmica dos jogos neste género, não só já não consegue surpreender toda a gente, como começa a ficar saturada de mais e mais jogos, nem sempre tecnicamente apurados. A produtora People Can Fly tem assim uma tarefa hercúlea de nos cativar.
Alguma coisa fez bem, porém, com a demonstração do jogo a atrair mais de 2 milhões de jogadores em poucos dias. A fórmula é um tanto familiar (já explico como), o que faz com que a jogabilidade acabe por ser viciante. Contudo, ao fim de três horas terão esgotado tudo o que essa demo tem para vos dar. E confesso que a minha passagem por ela não foi muito entusiasmante. Gostei de alguns elementos, mas detestei outros, não tanto pelo conceito em si mas pela sua execução técnica. Mesmo assim, senti que havia algo aqui que merecia ser explorado. Aguardei pela versão final em busca de uma possível “pedra preciosa” em bruto, pronta a ser “lapidada”. Anteriormente, adorei a experiência de Bulletstorm, também da mesma produtora. Pelo que era bem possível que algo surpreendente estivesse reservado para o jogo final. Vamos lá conversar sobre isso…
A história leva-nos para uma luta desesperada pela sobrevivência. A Terra como a conhecemos já não existe devido às alterações climáticas, o que leva a Humanidade partir em busca de um novo planeta. Parece ter encontrado um bom candidato no planeta Enoch, o que leva a uma expedição de 500 mil colonos em duas gigantes naves. Uma delas, a Caravel, explode a meio da construção, mas a Flores consegue chegar à órbita do planeta ao fim de 83 anos em viagem. Ansiosos por acordar mais pessoas da criogenia, os comandantes decidem enviar um grupo de exploradores à superfície para investigar as suas características. Assim, juntamo-nos à equipa destacada como um Outrider, uma espécie de soldado de elite tornado explorador. Ao chegarem ao planeta, porém, os exploradores descobrem uma Anomalia que causa uma tempestade terrível e outros fenómenos.
Ainda ansiosa e optimista pelas aparentes boas condições de vida, a chefia decide ignorar os apelos da equipa exploradora e inicia a aterragem, mesmo no momento em que a tempestade atinge proporções catastróficas. Pior, tenta silenciar os elementos com uma equipa destacada para os “silenciar”. Entre a fuga da tempestade e a batalha contra as forças de segurança, a nossa personagem acaba ferida mortalmente e é colocada novamente na criogenia. Mas, algo acontece antes disso e só descobrimos o efeito quando acordamos novamente 31 anos depois. Nessa altura, constatamos que a colonização falhou, os humanos estão divididos entre si e… nós temos poderes sobrenaturais. Assim, percebemos que não fomos acordados em vão. A Humanidade precisa de um herói e todos viram a sua atenção para nós, agora com estranhos poderes sobrenaturais.
O enredo de Outriders fica logo explanado nas primeiras horas de jogo, que coincidem com o mesmo percurso que fizemos na tal demonstração lançada em Fevereiro deste ano. Para um jogo de acção, devo dizer que a produção se esmerou em criar um bom alicerce de enredo expandido, muito detalhado e com imensos desenlaces. Sem querer desvendar demais, saibam que não há só um grupo de inimigos definidos, além dos tais dissidentes colonos, há também outros afectados pela Anomalia, chamados de Altered. O próprio planeta é um lugar hostil, com seres que nos irão desafiar e uma tempestade que parece não dar tréguas. De um modo geral, a luta pela sobrevivência continua, dividindo-se essa demanda entre várias missões pelos vários locais de Enoch.
Não posso dizer que todas as linhas de enredo ou diálogos são sempre bem elaboradas. Dei por mim a fazer skip a muitas falas ou a algumas cenas intermédias que o jogo constantemente nos mostra. Se não se aborrecerem com a constante exposição nas conversas, ao fim de umas horas percebem que tudo o que é mostrado ou dito é só um interlúdio para percorrermos mais um mapa em que sabemos que haverá uma ou mais arenas para mais tiroteios. A dada altura, concluí que só precisava que me apontassem para onde ir disparar avulsamente contra alguém. Uma simplicidade de interacção que deita por terra os claros esforços da People Can Fly em criar um lore credível. Ele está lá, só não sei se darão o devido interesse.
Cenas intermédias e diálogos passados à frente, vamos ao cerne do que o jogo oferece. A classificação diz-nos que é um jogo de acção na terceira pessoa (third person shooter) com elementos RPG. Os elementos RPG são importantes, particularmente na escolha de uma de quatro classes, cada uma com a sua complexa árvore de evolução que nos pode dar diversos bónus em ataques ou habilidades passivas. Criamos a nossa personagem, algo que eu já tinha feito na tal demonstração e que transitou para este jogo final, passamos o prólogo e, uma vez acordado da criogenia pela segunda vez, somos convidados a escolher essa classe de poder.
Pensem nestas classes como modificadores da jogabilidade. Cada uma tem uma determinada característica ou habilidade que melhor se adequa à vossa forma de jogar, geralmente envolvendo um elemento básico ou tipo de ataque. O Pyromancer tem diversos ataques baseados em fogo, o Technomancer usa vários “gadgets” e armas automatizadas, o Devastator usa ataques sísmicos e o Trickster consegue manipular o tempo. Cada um pode combinar habilidades e desbloquear mais ataques diferentes na tal árvore de evolução que, por sua vez, afunila tudo para uma “especialidade” única. Seria exaustivo explicar cada possibilidade e combinação. Como devem imaginar, evoluir a personagem envolve dedicação e muito, muito grinding. E a qualquer momento, ainda podem reiniciar a árvore, escolhendo outro “percurso”.
E grind é o que não faltará. Como qualquer “looter-shooter” que se preze, a sua dependência de nos dar constantemente uma nova peça de equipamento, um novo ponto de evolução ou uma nova habilidade, leva-nos a jogar cada vez mais para conseguir progredir também na história. Para isso, o jogo tem um conjunto de níveis de dificuldade a que chama de “World Tiers”. Basicamente, conforme vamos avançando em equipamento e capacidades, vamos desbloqueando Tiers que mais não são que níveis mais altos de dificuldade. Ou seja, o jogo vai ficando gradualmente ainda mais difícil, com inimigos cada vez mais implacáveis conforme avançam. Mas, não se preocupem, podem manter-se num Tier mais acessível, apenas não terão recompensas tão atraentes.
Para equipar o nosso Outrider, temos diversas peças de equipamento e armas que vamos adquirindo, sejam largadas pelos adversários ou encontradas em cofres. Também as obtemos comprando nos vendedores ou ganhando-as em novos níveis de progressão. E, sim, temos também um código de cores, neste caso para os quatro níveis de raridade. A checklist deste género de jogos é perfeitamente completa, como podem constatar. Contudo, não basta só equipar armaduras ou armas com melhores estatísticas. É a combinação dos elementos de poderes e ataques especiais que fará a maior das diferenças, sobretudo contra inimigos mais fortes ou contra os infames bosses, estes que são autênticas “esponjas de balas”.
Balas, muitas balas serão precisas. Tantas que é muito comum ficar sem munição durante os tiroteios. Os combates são, de facto, abundantes, variando entre espaços confinados ou vastas arenas de jogo. Temos à disposição três armas de acesso rápido, com a sempre disponível pistola, alternando depois entre caçadeiras, espingardas, metralhadoras ou autênticos canhões, sem esquecer as muito importantes espingardas sniper. Para nos ajudar, temos sempre muitos locais para procurar abrigo, com um esquema de cobertura mais ou menos convincente. Nos seus melhores momentos, lembra-me muito Gears of War no seu auge. O que é um bom elogio a tecer.
Contudo, nada disto é perfeito. De um modo geral, para um shooter, achei o sistema de mira muito “solto”. Especialmente em situações de tiro de precisão, a mira não para quieta, com o recuo de algumas armas a tornar-se francamente exagerado. O sistema de cobertura, como já disse, é mais ou menos competente mas nem sempre funciona como pretendemos. Não consigo explicar bem o que é, mas parece-me que o timing da animação podia ser melhor. Mas, o que menos gosto nos tiroteios é da forma absolutamente implacável com que os inimigos se movimentam, escondem e flanqueiam, especialmente os inimigos de combate próximo com escudo que nos perseguem sem dó.
Não há nada de errado com um jogo que nos desafia além do que estamos habituados. Não é o primeiro jogo que faz “swarming” ao jogador, nem será o último. Agora, especialmente nas Tiers mais altas, ter 5 ou 6 inimigos a tentar rodear-nos, connosco a esgotar magazines atrás de magazines, a ver o dano a ser quase insignificante, a lidar com uma mira sem grande precisão e com o esquema de cobertura a falhar algumas vezes… digamos que precisa de uma revisão.
Notem que nunca achei nenhuma situação em jogo impossível de ultrapassar, nem mesmo contra os bosses que encontramos lá mais para frente. Ainda assim, dei por mim muitas vezes a recuar, recuar e recuar mais um pouco no mapa para evitar ser flanqueado e tentar alvejar os inimigos um a um à distância, perdendo um pouco a lógica dos tiroteios em arena. Isto, se não ficar sem balas ou ter de lidar com os “cooldowns” dos poderes, só com a minha fraca pistola para defesa.
Felizmente, podemos baixar a dificuldade em qualquer altura. Também temos imensos checkpoints próximos dos objectivos para recuperar caso precisemos de evoluir um pouco antes de enfrentar uma missão mais complicada. Ainda assim, a dificuldade parece-me um tanto galopante demais, por vezes tornando-se injusta. Ficar numa Tier baixa por toda a campanha também não me parece muito sensato porque, aí, a dificuldade torna-se ridiculamente baixa na segunda metade do jogo.
Uma variável que poderia ajudar neste aumento gradual de dificuldade, seriam as armas e equipamento com maiores níveis raridade. Especialmente as armas lendárias, deveriam dar-nos uma certa “vantagem” em embates mais complexos. Sim, quanto maior o nível da arma, mais dano fazem, obviamente. E os diferentes tipos de arma também conferem uma jogabilidade diferente, variando do tiro próximo de uma caçadeira, ou um headshot a longa distância com uma espingarda sniper. Não há, no entanto, nenhuma diferença no ponto de vista de comportamento ou efeito de uma arma que apanhamos no início, para uma que adquirimos lá mais para o fim.
Não quer dizer com isto que o jogo seja igual ao que já jogámos lá para das 20 horas. Diria mesmo que o jogo só se torna verdadeiramente interessante depois do prólogo, bem depois das primeiras 4 horas na realidade. É quando começamos a ganhar mais poderes e quando nos mandam inimigos cada vez mais interessantes que realmente ganhei alguma medida de entusiasmo. Apenas se tornará algo complicado lidar com os momentos mais “mortiços, como as já mencionadas cenas intermédias cheias de exposição e um tanto cliché. Mas, como já disse, há que carregar nessa tecla de “skip” e partir para mais um tiroteio para… sei lá, apanhar qualquer coisa que alguém pediu ou eliminar um grupo de tipos que fez qualquer coisa errada… Deem-me a arma e deixem-me ir.
Se até agora descrevi uma jogabilidade um tanto agridoce, esperem até começarmos a falar do plano técnico. Tive a oportunidade de analisar Outriders no PC, usando uma plataforma moderna e equipada com todas as siglas que esperam num computador moderno, RTX, DLSS, SSD, etc. Por isso, não consegui compreender a inconsistência na performance do jogo. Sim os tempos de carregamento num SSD M.2 são fantásticos mas não entendo porque sempre um ecrã negro antes de cada cena intermédia. Porque é que encontrei texturas básicas, animações faciais falíveis e iluminação e sombras estranhas, num jogo repleto de cenários e modelos de elevada produção, ultrapassa-me. Contudo, estas são apenas questões de implementação.
As questões mais graves, são relacionadas com performance. No meu caso, especialmente no primeiro dia, tive constantes stutters, quebras de performance (fps) abismais e uma série erros de ligação ao servidor (sem ligação, não jogam a campanha). Não estou sozinho nesta avaliação técnica menos positiva, uma vez que a malta das consolas queixa-se ainda mais, juntando ao lote crashes constantes. Também já falei como o matchmaking criou uma série de problemas que não tive a jogar solo. Problemas técnicos no arranque são aceitáveis. Depois de uma longa fase de testes com a demonstração, que a aparentemente funcionou como uma “beta” a permitir extenso feedback da comunidade, nem por isso.
Uma das funcionalidades mais destacadas deste jogo, é a capacidade de jogar cooperativamente toda a campanha. Na verdade, jogamos cooperativamente as missões singulares mas é possível jogar todas a três. Inicialmente, joguei uma boa parte a solo até decidir experimentar a dinâmica com outros dois jogadores. No final, conclui que é bem melhor jogar Outriders com amigos. Subitamente, a combinação de poderes e de estratégias atenuam as lacunas das armas e do esquema de cobertura. O caos será obviamente maior no ecrã mas a recompensa é uma jogabilidade mais dinâmica e não tão dependente da nossa habilidade a fugir dos inimigos mais persistentes. Isto, quando funciona…
Se não tiverem amigos disponíveis, terão de confiar no matchmaking. Boa sorte nisso. O esquema de “drop-in, drop-out”, que nos permite entrar ou sair das sessões aleatoriamente, não funciona bem para este tipo de jogo. Uma “fireteam” sólida, perde-se rapidamente, bastando que um jogador perca ligação, o que é algo que, infelizmente, aconteceu-me muitas vezes, fruto da instabilidade dos servidores nos primeiros dias. Por outro lado, é muito possível ser agrupado a jogadores com ping elevado, o que cria situações de “teleportes” e quebras constantes no sincronismo. Com amigos, geralmente na mesma região, não é tão frequente mas ainda acontece esporadicamente. Ou seja, quando funciona, diverte, quando não funciona, é melhor voltar à experiência a solo.
Veredicto
Quero mesmo voltar a Outriders dentro de algumas semanas. Este é um caso evidente de um bom conceito a precisar de mais tempo para polimento. Preferia que a People Can Fly lançasse este jogo depois de limar as muitas arestas rudes que temos aqui. Isto, porque este é um jogo ambicioso que, quando funciona bem, sabe divertir. Temos a promessa da produção de que muitos dos elementos que assinalo acima serão balanceados ou corrigidos. Até já foram lançadas algumas correcções nesse sentido enquanto escrevemos esta análise. Ainda assim, ironicamente, a demonstração do jogo corre bem melhor que a versão final, o que não faz grande sentido.
- ProdutoraPeople Can Fly
- EditoraSquare Enix
- Lançamento1 de Abril 2021
- PlataformasGoogle Stadia, PC, PS4, PS5, Xbox One, Xbox One X
- GéneroAcção, Aventura
Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.
Mais sobre a nossa pontuação- Conceito geral de combate
- Esquema de progressão e dificuldade
- O mundo de Enoch para descobrir
- O lore geral bem complexo
- Alguns diálogos são cliché demais
- Balanceamento da dificuldade
- Performance no modo coop
- Precisa de melhor optimização técnica.
Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.