Análise: Overwatch
Se há produtora que sabe construir um jogo viciante para as massas é a Blizzard. Mais habituada aos RPGs online, porém, Overwatch acaba por ser também um ensaio para a produtora. Será que este novo rumo nos shooters de acção resulta em mais um sucesso em mãos?
Qualquer jogo de acção na primeira pessoa nos dias que correm precisa de bons argumentos para se destacar da concorrência. Por vezes, vemos boas ideias implementadas em novos títulos que depois acabam vítimas dos clichés do género. Ou então resumem-se ao esquecimento, com uma recepção mediana graças a uma mera repetição de algo já feito. Overwatch, mostrou desde cedo não querer ser apenas mais um. Resumidamente, diria que é um enorme caldeirão de boas ideias, algumas inéditas, outras já provadas noutros lados, resultando numa desordem frustrante que acaba por se ordenar aos poucos de forma compensadora. Confusos? Vou explicar, prometo.
Não esperem grande enredo, mas há, de facto, uma pequena introdução com a personagem Winston que explica que os heróis precisam regressar ao activo. Aparentemente a organização Overwatch deixou de fazer sentido, mesmo depois de ter salvo a Humanidade há trinta anos atrás, criminalizando os heróis. Agora que o mundo está novamente em perigo, a pergunta de Winston é: “Estamos com ele?”. Se quiserem saber um pouco mais do passado de cada personagem, há uma série de pequenas curtas metragens sobre o seu passado no canal oficial de Youtube dedicado ao jogo.
Começando pelo género. Sim, é um jogo de acção na primeira pessoa, com diversos modos de jogo, diferentes personagens para escolher, cada uma com a sua classe e armas únicas e com mapas que convidam ao confronto, com diferentes fases de progressão e que exigem táctica. Está muito dependente do jogo de equipa, apostando num matchmaking mais ou menos equilibrado e salas de chat de voz automáticas (podemos desligá-las no menu). Antes de partirem para a acção, farão bem jogar os três modos do treino que agem como tutorial. O primeiro é uma apresentação das mecânicas, o segundo é uma carreira de tiro e o terceiro é um modo cooperativo com os jogadores a combaterem inteligência artificial.
Logo nas primeiras horas vão perceber que muito do que sabem dos jogos de acção modernos vai cair por terra numa interacção algo diferente. Em Overwatch há Atacantes (Offense), Defesas (Defense), Tanques (Tank) e Suporte (Support) como em quase todos os MMOs que há memória. Mesmo no lobby de cada sessão o jogo sugere que unidades estão a mais ou em falta entre os seis jogadores de cada lado. Faltam Tanques ou há demasiados snipers, por exemplo. Convém que hajam representantes de cada classe e que os danos e capacidade de defesa da equipa estejam salvaguardados. Isto tem imenso potencial numa equipa organizada. Numa sala repleta de desconhecidos, nem por isso.
Para entrar no campo de batalha, precisa de escolher uma das 21 personagens. Não há desbloqueios, todas estão disponíveis e são todas elas únicas e com jogabilidade própria. Desde o infame Reaper e as suas duplas caçadeiras, Reinhardt e o seu potente e enorme escudo, Soldier: 76 e a sua espingarda automática, Hanzo e o seu implacável arco e flecha até ao simpático mas destrutivo robot Bastion, serão os mais comuns em qualquer sessão. No entanto, há mais diversidade na escolha de Pharah que pode dar saltos e flutuar no ar, de Junkrat e a sua mina explosiva telecomandada ou com a metralhadora remota de Thorbjorn. A ideia é descobri-los e experimentar jogar com cada um eles.
Quando pensam que 21 heróis para escolher parecem demais, saibam que há uma lógica para serem tantos. Estão organizados nas tais quatro classes, possuem uma ou mais armas base e um poder que vai recarregando ao longo do jogo. E cada uma dessas suas vantagens individuais pode ser contrariada por outra personagem, não havendo real desnível entre os lados. Claro que esse equilíbrio vos vai parecer inexistente ao início quando virem algumas personagens mais escolhidas que outras. Mas aí reside o segredo de um bom jogador de Overwatch: a sua adaptabilidade. Podem morrer constantemente a tentar avançar ou simplesmente ficar presos num local. Há que reflectir se a personagem é a mais indicada nessa fase do jogo, até porque cada arma, poder e equipamento tem o seu papel, mesmo que pareça que não fazem qualquer sentido.
Para jogar temos quatro modos básicos que vão rodando de forma aleatória no servidor, ou podemos criar uma sessão personalizada e escolher a ordem como são jogados. Há um modo de escolta de uma nave que tem de ir de um ponto para outro no mapa, num percurso pré-definido, com checkpoints para ultrapassar e em que uma equipa acompanha a nave e a outra tenta eliminar essa escolta para fazer a nave retroceder. Há também um modo de captura de bases com uma equipa a atacar e outra a defender, um modo híbrido que junta estes dois modos já mencionados e ainda um outro modo de controlo com um só ponto comum no mapa para as duas equipas lutarem pela conquista.
Não há nenhum modo tipo Deathmatch ou algo parecido. Toda a acção é baseada em objectivos, colocando todos no mesmo pressuposto. O esquadrão de seis jogadores tem de ser realmente equilibrado, tentando evitar repetição de personagens ou a falta de alguma essencial. Por exemplo, num jogo de escolta não ter um membro com escudo e outro com capacidades curativas é quase suicídio. Isto porque precisamos ficar junto à nave enquanto esta se move tão lentamente. Mas, quando estamos perto do fim, o inimigo vai-se entrincheirar. Aí já é capaz de ser preciso uma personagem de assalto e não tanto de defesa. A estratégia envolve atenção à maré do jogo e como conhecemos o cenário.
Rodando por cada modo estão 18 mapas que, apesar de possuírem diferentes ambientes, horas do dia, meteorologia e paleta de cores, são todos muito parecidos. Hollywood divide-se entre uma ampla secção de rua e um estúdio de cinema. Ilios é uma ilha grega com ruas e vielas de casas caiadas. Temple of Anubis é uma recriação das ruínas egípcias. E mesmo com mais diversidade noutros cenários, nenhum é melhor que o outro, seja em termos de design, seja em fluidez de jogo. Há equilíbrio e quase uma total simetria para os dois lados. Talvez passemos a gostar de um ou outro mapa por uma questão de preferência e não tanto porque seja mais favorável ou possua alguma característica especial.
Cada um destes mapas possui pontos de estrangulamento incrivelmente injustos dependendo da situação do jogo. Se estão a defender um ponto e só há um único acesso para entrar na área, é normal que toda a atenção e poder de fogo se concentrem nesse ponto de afunilamento. Longas batalhas só são reduzidas pelo cronómetro da sessão, porque o impasse é impossível de ultrapassar se não soubermos usar o teleporte ou o voo de algumas personagens, por exemplo. Também há secções que convidam ao tiro à distância por pequenas nesgas entre o cenário, enquanto outras secções são claustrofóbicas.
Em termos de progressão, esqueçam se pensavam que este jogo iria ser uma festa de loot e de upgrades de equipamento ou armas. Como já disse, todas as personagens estão, desde logo, disponíveis e o mesmo acontece com armas e equipamento. A nossa evolução resume-se a apenas subirmos de escalão, não ganhamos melhor material ou armas mais potentes. E a cada novo nível, ganhamos um cofre para abrir, mas lá dentro só temos cores de fatos, falas de personagens, graffiti para as paredes, emotes e pouco mais. Confesso que me dá uma certa desilusão, mas por outro lado sabemos que ninguém goza de vantagem e entramos todos nivelados em campo. Desde que a equipa se saiba equilibrar, só vale mesmo a perícia de cada um.
E essa perícia vai levar algum tempo a conseguir. Vão morrer muito até atinar com a rapidez, falta de mira de arma, muitos saltos e poderes desnivelados. Ao fim de uns minutos a jogar, porém, vão achar que o jogo vos dá muitas kills que não parecem vossas. De forma astuta, o jogo substitui “kills” pelo que geralmente noutros jogos são assistências. Ou seja, as “kills” que surgem, são na verdade fruto de algum dano no adversário que ajudaram a matar. Mesmo que outro parceiro finalize a “kill” conta para todos os que fizeram dano. Engenhoso, mas enganador. No entanto, dado o caos constante, alguns jogadores iriam desistir muito rapidamente se tivessem apenas atentos ao vulgar “KDR”.
Em termos técnicos, nota-se que é um jogo Blizzard. A começar pelo aspecto geral de filme de animação com personagens estilizadas, cheio de humor, com animações e cenas intermédias irrepreensíveis, acabando numa fluidez geral absolutamente impecável. Cada personagem e cada pedaço de cenário estão muito bem desenhados, numa arte de jogo claramente inspirada na banda-desenhada e Manga. Infelizmente, só temos mesmo um pequeno vídeo introdutório de animação, faltando umas cenas intermédias para termos mais um pouco desta arte do jogo. E, já agora, também mais algum enredo que, como já deu para perceber, é apenas uma pequena nota de rodapé.
E mesmo nos momentos de maior caos, com balas, explosivos e personagens a voar, o jogo mantém-se estável e nunca se ressentiu na versão que analisámos na PlayStation 4. A única questão técnica que tive prendeu-se com demoras na pesquisa de sessões disponíveis para entrar ou algum lag sentido esporadicamente (muito, muito raro). Também quando há alguma perda de jogadores, que saem por sua iniciativa ou a sua ligação numa sessão cai, que resultaram em constantes reinserções noutras instâncias de jogo, por vezes já no fim das mesmas e sem sequer entrarmos em acção. Nada de especial, apenas chato, portanto.
Ao fim de umas horas, já terão apreciado toda a arte do jogo, experimentado cada uma das personagens, passado por todos os modos e visitado todos os mapas. Doravante, vão repetir para ênfase, num grind que parece não ter fim. Há muitas estatísticas para estudar e comparar com os nossos amigos e muitos cofres para abrir e adquirir aquele fato fantástico para a personagem que mais gostamos. Mas a base do jogo nunca muda e será constante. A Blizzard irá lançar mais DLC gratuito com personagens e mapas adicionais, talvez algum modo de jogo extra mas, no rigor, Overwatch será sempre o mesmo.
Mas então, se não há progressão real, não há nada de realmente interessante para desbloquear, se os mapas são muito semelhantes e possuem pontos de estrangulamento que podem criar frustração e nem sequer há um modo de carreira a solo, o que faz de Overwatch tão popular desde a sua apresentação? Eu próprio fiz esta pergunta e é de difícil resposta. Assim de repente, é um jogo repetitivo, sem grande conteúdo e pouco convite a continuar além de umas horas, sobretudo se não atinarmos com a sua jogabilidade.
Conforme disse no início, há aqui muitas ideias, armas, mecânicas, lógicas e repetições que, ou já vimos noutros títulos, ou são refinadas numa mescla aparentemente caótica. É mesmo nesse caos que reside o convite para jogar mais e fazer melhor na próxima ronda. Há uma nota de imprevisibilidade latente. Vitórias no último momento, alguma sorte num movimento que não contávamos ou que foi pensado noutra forma, morrer vezes sem conta e dar a volta para ser o melhor jogador em campo (ou o contrário), entre a tentativa para aperfeiçoar a nossa perícia, ficamos viciados nesta “desordem ordenada”.
Veredicto
Sou da opinião que os jogadores mais acérrimos do género vão sentir a falta de progressão, vão olhar de lado para o falso loot que nos dão, vão apontar para a inexistência de upgrades que melhorem a jogabilidade ou vão insistir na falta de um modo de carreira a solo. Contudo, Overwatch é um jogo com a diversão online e casual em mente, fugindo a muitos estereótipos do género, pegando e remodelando alguns conceitos e largando tudo numa arena para ver o que o nosso engenho consegue fazer. O resultado é uma jogabilidade única, sem rodeios, directa ao assunto, entre o simples e o complexo. Para mim, uma das melhores experiências em videojogo dos últimos tempos.
- ProdutoraBlizzard Entertainment
- EditoraActivision-Blizzard
- Lançamento26 de Maio 2016
- PlataformasPC, PS4, Xbox One
- GéneroAcção, MMO
Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.
Mais sobre a nossa pontuação- Graficamente exemplar
- Tecnicamente polido
- Jogabilidade única
- Alguma falta de enredo
- Precisa de algum balanceamento
- Não haver upgrades de equipamento
Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.