Análise – Pentiment
Habituado que estou aos intrincados RPGs da Obsidian Entertainment, este Pentiment destoa bastante. Mas, não é algo negativo. É a prova que a produtora não precisa de convenções para fazer algo memorável.
Antes de mais, nobres senhores, vou contar-vos uma história que vos preparará muito bem para esta análise. Peter-Alexander Kerkhof é um historiador medieval que decidiu jogar Pentiment. Nada de extraordinário, já que o historiador é conhecido nesta indústria pela sua crítica ao retrato medieval em vários jogos. Kerkhof afirmou que adorou o jogo, pela sua história credível e devidamente enquadrada no período do Século XVI. Ainda assim, o historiador descobriu uma parte do texto do jogo com “falso” Latim (Lorem Ipsum) e a produção não podia simplesmente ignorar.
Podem achar que esta história é rocambolesca, excessiva ou desnecessária. Afinal, quantos jogadores poderão identificar que uma parte do texto numa cena intermédia de segundos, escrita em Latim e num tipo de letra arcaico, não está correcto? Só que Pentiment é um título de subtilezas. Na sua simplicidade aparente, esconde um jogo incrivelmente complexo, com imensas referências históricas que só farão sentido se forem credíveis. Por isso, todos os pormenores contam, especialmente se a produção busca rigor histórico. Chamem-lhe vaidade artística, se quiserem.
O título do jogo é igualmente curioso. O termo Pentimento vem da pintura. A palavra de origem latina significa “a presença de imagens, formas ou traços iniciais que foram mudados ou pintados por cima pelo autor”. Ou seja, é uma clara ou obscura alteração na pintura durante a sua criação, como uma “correcção” de última hora. Pode ser, por exemplo, a remoção ou substituição de um objecto ou pessoa no enquadramento. A tradução directa desta palavra do Italiano é esclarecedora do termo, já que é “arrependimento”. Sem fazer spoilers, vou só dizer que é o título perfeito.
O enredo começa por nos apresentar Andreas Maler, um aprendiz de iluminador (uma classe arcaica de ilustrador de literatura) na Abadia de Keirsau na cidade de Tassing, na Bavaria, actual Alemanha. A vida pacata e algo ociosa do artista, acaba por tomar um rumo inesperado, quando uma importante figura, o Barão Rothvogel é encontrado morto depois de um despique outro ilustrador, o Irmão Piero, mentor do protagonista. E aqui começa a verdadeira aventura. A decisão de Maler de defender Piero da acusação, leva-o a tomar algumas decisões que levarão a encontrar “um” culpado. Só que essa decisão, seja certa ou errada, tem repercussões profundas adiante. O segundo acto, pode até trazer perigo mortal.
O terceiro acto, leva-nos a conhecer Magdalene, filha de um artista de Tassing e amiga de Maler. A história avança 18 anos e muito mudou na pequena cidade Bávara… mas não a sua conspiração. Numa nova evolução, Madgalene vê o seu pai atacado brutalmente, acabando a jovem a assumir o seu trabalho, cuja encomenda é pintar um mural para levar à nova casa do governo local, a Rathaus. Só que, obviamente, os conspiracionistas não deixam Magdalene em paz, até porque a decisão do que pintar no mural pode ditar a história recente dos actos anteriores. O final desta história junta a jovem com um improvável “herói” e… mais não digo.
Não quero falar mais neste enredo, sob pena de revelar demasiados pormenores importantes, a história do jogo é, de facto, o seu maior trunfo. Em suma, é um conto de conspiração, algumas reviravoltas surpreendentes e muitas decisões, algumas delas algo precipitadas por eventos repentinos e que levam a algum… arrependimento (lá está). O poder dado ao jogador de decidir alguns momentos-chave da história, tem consequências engenhosas e que constróem bem momentos e personagens de uma forma absolutamente exímia. Sabia que a Obsidian era excelente a escrever argumentos. Esta é a prova, longe da ribalta dos RPGs mais populares.
Com tudo isto, acabei por ainda nem falar da jogabilidade. Esta é uma aventura narrativa, com elementos “point-n-click” e Role Play. Basicamente, clicamos e pontos no cenário para andar ou interagir e depois temos diálogos para escolher respostas ou perguntas. O jogo apresenta-se francamente lento na sua passada, especialmente no segundo acto, o que pode criar um ligeiro aborrecimento. Contudo, a dada altura, há certos momentos em que temos “pressão” para tomar decisões, algumas das tais decisões precipitadas que levarão a repercussões menos positivas.
Mas, como digo no início, a sua simplicidade esconde bastante bem uma densidade impressionante. A sua base é a escrita de um manuscrito, habilmente preenchido com a nossa própria história em jogo, completa com as devidas iluminuras e até algumas correcções pelo caminho, os tais pentimentos. Os elementos RPG, já agora, são escondidos em simples escolhas de linhas de diálogo, por exemplo quando o jogador escolhe as origens da história do protagonista Maler. É um esquema engenhoso e que não nos “assola” com opções extensas como em outros jogos.
Pelo meio, encontramos cifras para decifrar (redundância, eu sei), caminhos ocultos e notas escondidas. Tudo para enriquecer a trama, sem que algo pareça ter sido lá colocado “ao acaso”. E, depois, temos pequenas subtilezas ardilosas que quase quebram a “quarta parede”. E, acreditem, embora seja um jogo com uma história confinada, convida bastante a repetir todo o enredo de cerca de 15 horas. Não só porque queremos ver o que outras decisões trariam à trama, como queremos seguir outros trajectos ou outras pistas, além de tentar tomar decisões mais ponderadas.
Quanto ao visual, o que posso dizer senão muitas palavras de apreço? Uma “aventura 2D em jeito de banda-desenhada” é uma descrição redutora do visual deste título. Esta é uma obra de arte visual, criada num estilo perfeito para a era em que o jogo é contado. Os modelos e objectos criados, são como ilustrações medievais que tomam vida, num livro brilhantemente animado. Cada personagem, cada local e cada animação são únicos, não me recordado de ver porções repetidas ou repescadas. Não vai ganhar prémios de realismo visual, é certo, mas ganhará, sem dúvida os de qualidade artística e bom gosto.
Quanto ao áudio, inicialmente senti alguma falta de diálogos das personagens com prestações de actores de voz. Contudo, acho que as linhas de diálogo escrito não teriam tanto impacto se assim fosse. Pelo que acabei por ignorar este pormenor enquanto fui jogando. Funciona bem com está, afinal trata-se de um livro ilustrado está a ser escrito, por isso, queremos mesmo… lê-lo! E uma nota muito especial para a fantástica banda-sonora da banda Alkemie Early Music Ensemble que é, só por si, uma riquíssima viagem a um passado distante.
Veredicto
É uma das melhores surpresas deste ano, uma fantástica aventura de mecânicas simples mas com uma jogabilidade que acaba por ser complexa na sua extensão. Pentiment é mais um atestado de qualidade da Obsidian Entertainment que não pára de me surpreender. Pode não ser indicado para quem quer algo mais “mexido”, mas acreditem que o jogo é desafiante quanto-baste e tem muita conspiração e investigação para quem gosta mais desse tipo de jogo mais cerebral. Pode soar a piada fácil mas, “Pentiment ficará para a história”…
- ProdutoraObsidian Entertainment
- EditoraXbox Game Studios
- Lançamento15 de Novembro 2022
- PlataformasPC, Xbox One, Xbox Series X|S
- GéneroAventura, Role Playing Game
Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.
Mais sobre a nossa pontuação- Enredo complexo e cheio de desenlaces
- Simplicidade na interação
- Arte e design geral
- Banda Sonora
- Pode aborrecer um pouco no segundo acto
Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.