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Análise – Persona 3 Reload

Com o sucesso sem precedentes de Persona 5 e enquanto não chega um próximo capítulo, o caminho lógico da SEGA foi remasterizar o clássico que deu forma ao que é hoje a série. Persona 3 Reload é uma revisita num novo padrão.

Como já devem ter notado, a produção tem uma obsessão por Persona 5, criando mais reedições e spinoffs que qualquer outro jogo da série e, arrisco mesmo dizer, mais que muitos outros jogos do seu género e com a sua origem. Desde o lançamento do original P5 em 2016, tivemos Dancing in Starlight, Royal, Strikers e mais recentemente Tactica. Esta fixação pelo quinto título é notória mas… porque é que a menciono nesta análise de um remake de outro jogo? Já terão adivinhado que P3 Reload capitaliza bastante em lógicas e mecânicas introduzidas em P5. Tudo bem, o original P3 de 2006, embora tenha sido um pivot para o novo rumo RPG da série, não conseguiu viver à altura dos seus sucessores, que realmente inovaram e catapultaram a franquia para a fama que tem hoje. Mas, havia mesmo necessidade de “colar” tanto de P5 neste jogo?

Tudo se resume a “identidade”. Entendo que a fórmula de P5 seja bem sucedida, entendo que é fruto de uma óbvia evolução na série, numa redefinição que curiosamente começou com este P3 em 2006. Só que Persona 3 foi sempre um jogo diferente, mais obscuro, com um ambiente mais macabro e, de certa forma, mais despido de alegria, numa história bem mais sombria que os jogos que seriam lançados posteriormente. Era talvez necessário “lavar-lhe a cara”, trazendo um remake mais envolvente, mais entusiasmante, talvez com uma reconstrução na interacção, especialmente nos combates. É óbvio que o motor gráfico precisava de um retratamento, tirando proveito do hardware mais moderno, trazendo-o mais ao nível dos demais jogos. O que o P-Studio, Atlus e SEGA fizeram, porém, foi algo um pouco mais além.

Na ilha de Tatsumi, algo estranho se passa. Na inexplicável 25ª hora de cada dia, dá-se o que se chama de “Dark Hour”. Fruto de umas experiências duvidosas de uma tal de Kijiro Corporation, nesta hora todas as pessoas transformam-se em caixões e não se dão conta do que se passa. Todos menos um grupo seleccionado de jovens com capacidade de criar uma Persona e ficar consciente durante a “Dark Hour”. Como um destes estudantes, vamos ingressar numa equipa especial de investigação, a “Specialized Extracurricular Execution Squad” ou SEEE, para combater as monstruosidades chamadas de “shadows”, ao mesmo tempo explorando um labirinto em que a escola Gekkoukan se transforma nessa hora, chamado de Tartarus.

Obviamente, porque estas tramas nunca são simples, há aqui uma conspiração em marcha. O grupo Kijiro tem um óbvio interesse nesta ilha e neste particular evento, envolvendo “shadows” capturadas para extrair o seu poder, originando 12 seres ainda mais monstruosos que é preciso caçar, antes que um potencial ser ainda mais perigoso se erga. Felizmente, estas versões mais monstruosas só atacam em noites de lua cheia, o que dá tempo para os corajosos se prepararem. Por outro lado, nem tudo é o que parece quanto aos objectivos desta SEEE. Isso mesmo é confirmado quando se dá uma reviravolta inesperada no seio da própria equipa… mas, paremos por aqui para não criar spoilers.

Se jogaram qualquer título Persona, já estarão mais ou menos a ver onde começa e termina o tom e o alcance da trama, praticamente idêntico entre cada título. Este enredo será um pouco mais “negro” que os seus sucessores, criando um certo “choque” para quem não jogou o original e venha directamente de P5, por exemplo. Agora, quem jogou o clássico, notará que a história se mantém praticamente intacta neste remake, com excepção de uns quantos retoques e melhorias subtis em algumas porções. Este continua a ser um Role Play Game tradicional, com combate táctico por turnos, tendo agora ainda mais elementos de simulação social, tal como esta série se consolidou em P5.

É de salientar que este remake é uma pura reedição directa do título original e não inclui o epílogo da história lançado na reedição Persona 3 FES (2008), nem as diversas adições menores introduzidas por Persona 3 Portable (2011), como a opção de jogar com uma personagem feminina com as suas próprias interacções e relações. Embora não sejam elementos estritamente necessários para disfrutar desta reedição, acho um certo desperdício não adicionar tudo o que foi lançado para este título. Outras coisas não fariam sentido, como o esquema de combate de P3 Portable actualizado nos padrões de Persona 4, uma vez que neste remake, como já disse, o padrão é elevado para o de P5. Mas, fica a dica, ficaram coisas de fora no histórico deste jogo.

Obviamente, a produção teve também alguma modernização de conteúdo em mente. Há novas actividades à mistura, algumas curiosas, outras perfeitamente monótonas para se encaixar bem no simulador social que o jogo gira em torno. Há também novas ferramentas de interacção, como o computador no dormitório e outras actividades que, amiúde, fazem passar o tempo e preencher o latente vazio que P3 tinha originalmente. No geral, penso que estas actividades paralelas e mundanas servem para dar outro ritmo mais calmo ao jogo, tornando os elementos de acção mais espaçados, movendo-se mais para o Role Play que o original. O que é uma boa estratégia, mais em linha com o género JRPG de hoje em dia.

Contudo, eventualmente encontraremos demasiadas similaridades com Persona 5. Fica bem claro que o esquema de interacções com as demais personagens é muito reminiscente desse outro jogo, com mecânicas paralelas, com elementos para construir relações que envolvem actividades paralelas, como o cultivo de plantas, preparação de refeições ou algo semelhante. É uma adição muito interessante que, mais uma vez, o torna mais RPG que o original. Estas mecânicas dão pontos de experiência e buffs para usar depois em combate, assim como alimentam as habilidades da nossa personagem, com especial destaque para as habilidades passivas, as Characteristics. Estas são particularmente importantes no Tartarus.

O novo sistema “Theurgy” contém essas habilidades passivas que podem melhorar para criar autênticos modificadores dos combates, muito em especial contra bosses mais poderosos. Angariar buffs nas nossas capacidades ou explorar fraquezas nos adversários é essencial, assim como é possível criar condições para um ataque especial, muito semelhante à lógica introduzida em P5 Royal. Isto permite uma componente muito mais táctica nos combate, exigindo que passemos as fases mais paradas do jogo numa preparação para a acção. O mesmo acontece nas sinergias entre elementos da equipa, pelo que não devem descorar esses momentos de interacção para melhorar as suas próprias prestações ao nosso lado.

Um dos elementos que me lembro ser mais desmotivador no jogo original, era a sensação de constantemente nos contrariar, dando poucas pistas e criando uma jogabilidade um tanto hostil. De facto, P3 tinha um nível de dificuldade bastante oscilante, sendo por vezes algo vago, obrigando a fazer muitas tentativas e com combates bastante punitivos, diria mesmo frustrantes, pelo menos na segunda metade do jogo. Reload teve uma muito óbvia atenção quanto à acessibilidade, especialmente nesta nova lógica de “Theurgy”, permitindo-nos obter importantes buffs que facilitam bastante nos encontros. Por outro lado, elementos simples, como a adição de marcação de pontos de interesse no mapa, o novo telefone para rever mensagens e obter lembretes de actividades (tipo P5, lá está), são óptimos para facilitar o trabalho do jogador.

Todavia, os tempos são, de facto, outros. Este facilitismo pode ser algo “moderno” mas também parece tornar o jogo “demasiado” fácil. É discutível se um jogo só é apreciável se for difícil mas é também facilmente desmotivador se não oferecer um desafio que nos coloque a mexer ou, pelo menos, a pensar. Para mim, é também uma certa perda de identidade que P3 poderia manter. Não é que se possa dizer que é “um P5 com outra história” mas é discutível se valeria a pena manter as lógicas e interacções clássicas, trazendo apenas o polimento e modernização necessários. Até porque muitos de vocês nem jogaram o clássico e só quererão mais um jogo nesta série (enquanto P6 não chega). Mas, até que ponto queremos tanto perpetuar uma fórmula que estamos dispostos a descaracterizar um clássico a bem de um “bom momento”?

Sabem onde o P-Studio poderia ter realmente inovado? No próprio Tartarus. Incrivelmente, apesar do polimento geral e aspecto renovado, continua a ser um labirinto repetitivo e igualmente vazio de detalhes. É uma incrível perda de oportunidade, especialmente porque é mesmo esta a oferta principal de P3. Felizmente, o sistema de fadiga foi removido (um dos elementos de frustração no original), permitindo explorar mais deste nível. Resta saber apenas se o querem realmente fazer, dada a apatia que se abate ao fim de um tempo a passar secções demasiado parecidas às anteriores. Penso que o maior esforço neste remake ficou nos elementos sociais e não houve tempo para o “core” do jogo, o que é uma clara reorientação de prioridades.

Claro está que o remake é uma óptima demonstração gráfica do que o Unreal Engine (4) e o que o hardware moderno podem dar, em comparação com o que era possível fazer em 2006. Aqui, obviamente, o padrão visual e de interface introduzido por P5 é também bem vindo, trazendo-nos uma autêntica aventura gráfica de elevada qualidade e muito polimento, parecendo um autêntico episódio anime interactivo. Sendo um remake, muitos dos elementos originais estão presentes, embora sejam obviamente retocados ou melhorados sempre que possível. O mesmo acontece com os cenários e com as cenas intermédias, agora bem mais focadas em contar-nos uma história estilizada e moderna.

Veredicto

Esta eterna busca da ATLUS e SEGA em perpetuar o sucesso introduzido por Persona 5, criou um padrão que a produção pensa ser um ápice imprescindível da franquia. Em consequência disso, Persona 3 Reload vive na sombra desse outro jogo, para o bem e para o mal. Por um lado, o remake moderniza visualmente o clássico, ajudado também por algumas lógicas e mecânicas emprestadas que são muito bem vindas, criando ums óptima aventura moderna. Por outro, há uma clara perda de identidade, criando um jogo muito parecido, apenas com uma história diferente algumas nuances no tom e oferta. Dá-me a certeza que sempre tive que estes jogos clássicos devem viver no nosso imaginário e não deveriam ser reeditados sem uma estratégia conservadora que não os banalize demasiado.

  • ProdutoraP-Studio/Atlus
  • EditoraSEGA
  • Lançamento2 de Fevereiro 2024
  • PlataformasPC, PS5, Xbox Series X|S
  • GéneroRole Playing Game
b
Bom

Equilibrado e com boas ideias, os seus erros não o impedem de brilhar.

Mais sobre a nossa pontuação
Não Gostámos
  • Alguma perda de identidade
  • Demasiado semelhante a Persona 5 em muitas ocasiões
  • Falta de conteúdo introduzido por reedições anteriores
  • Tartarus continua repetitivo e desprovido de detalhes

Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.

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