Análise – Ravenswatch
Foi um dos jogos que mais despertou interesse na Nacon Connect 2022. Já tinha sido lançado para PC mas só agora chegou às consolas. Por isso, está na altura de finalmente experimentarmos Ravenswatch.
Talvez se recordem bem da produtora Passtech Games, já que este estúdio já nos tinha trazido um outro óptimo “roguelike” de acção com uma história envolvente, o aclamado Curse of the Dead Gods. De facto, este género tem recebido óptimos títulos, alguns muito populares e com fórmulas muito interessantes. O que define um bom “roguelike”, aliás, é algo muito distinto. Não depende apenas de um grafismo chamativo ou apurado, é preciso um bom balanceamento de lógicas, combate gratificante e uma boa progressão que nos mantenha interessados. Ravenswatch é uma demonstração de como a Passtech entendeu bem a fórmula com o seu primeiro jogo e conseguiu capitalizar nesse know-how com um segundo título, que é como um corolário dos seus esforços. Mas, não basta saber quais os ingredientes de uma receita, é preciso adicioná-los e confeccioná-los de forma correcta.
Convenhamos que a Passtech teve tempo de sobra para desenvolver este jogo, não apenas trilhando pelo caminho aberto pelo seu jogo anterior de forma passiva. Ravenswatch está por aí há mais de um ano e meio, tendo sido lançado em Acesso Antecipado no PC em Abril de 2023. Esta é, cada vez mais, uma opção inteligente para as produtoras que tenham esta capacidade: fazer um “soft launch” de um jogo numa plataforma ampla, como é o Steam no PC, começar a vendê-lo ainda numa fase de conceito, deixando os jogadores testarem as mudanças e melhorias ao longo da produção, obtendo precioso feedback, enquanto vão concebendo o jogo em paralelo, antes de um lançamento final em mais plataformas.
Obviamente que este esquema levanta sérias questões quanto à ética de fazer dos jogadores/clientes, seus “beta testers” durante este tempo. Contudo, não há dúvida que este é também um processo honesto, se calhar o mais honesto possível, se pensarmos quantos jogos já foram lançados com este plano e que resultaram tão bem. Assim de repente, lembro-me de Baldur’s Gate III, por exemplo. Sem dúvida que o sucesso desse outro jogo se deveu em parte a um longo e bem participado acesso antecipado apenas no PC. Nestes 18 meses de produção, a Passtech aproveitou para melhorar, corrigir e expandir o jogo várias vezes, conseguindo criar algo verdadeiramente polido. Este é o resultado.
O reino de Reverie é um local algo familiar, embora muito estranho. Aqui residem nove heróis, cada um com um passado muito bem conhecido… mas com um “twist”. A Capuchinho Vermelho, por exemplo, sofre de licantropia, transformando-se num lobo que, como sabemos, é o seu arqui-inimigo nas histórias de encantar. Aladdin viu a sua princesa presa na lâmpada do génio, tornando-se num violento protector. Geppetto ficou literalmente louco e, ao invés de criar o inocente Pinóquio, gera letais autómatos assassinos e que… não contam mentiras. O símio Sun Wukong é agora um rei caído na desgraça. Enfim, já perceberão para onde estas histórias nos levarão. Vamos controlar estes heróis (inicialmente, apenas 4) para os libertar desta sua nova realidade distorcida.
De facto, Reverie é santuário para várias personagens conhecidas de muitos contos intemporais da juventude de muitos. Contudo, este local está a ser ameaçado por uma força hostil, chamada de Pesadelo (Nightmare), cabendo a estes nove heróis protegê-la com todas as suas forças. Como já deu para perceber, o problema é que o Nightmare também já corrompeu estes heróis, tendo cada um de lutar pela sua própria redenção. Não há muito mais para desvendar neste enredo, para ser sincero. Entendam que, neste género de jogos, o que conta é um perpetuar da história de forma indefinida, para que cada passagem pelo jogo com cada personagem seja um processo único. Ainda assim, há aqui imenso engenho na trama de cada herói.
Este é, então, um clássico “Roguelike” de perspectiva isométrica com uma componente opcional PvE. Pode ser jogado a solo ou em modo cooperativo, todo o objectivo em cada passagem de levar uma das personagens a percorrer os mapas durante três dias e três noites (em jogo) para aumentar o poder e sobreviver ao Nightmare. Ao longo do três mapas distintos, um com florestas e pântanos, um inspirado nas 1001 noites e ainda outro inspirado nas lendas do Rei Artur, vamos encontrando vários monstros e aberrações, culminando num combate épico com um boss monumental e perigoso. Obviamente, estes mapas e os encontros são gerados procedimentalmente, criando possibilidades quase infinitas.
Inevitavelmente, o combate faz-me lembrar imenso a série Diablo, numa mistura de golpes com armas, desvios e o uso de poderes com os seus respectivos cooldowns. Não foi esse jogo que inventou este tipo de interacção mas foi, sem dúvida, um dos que a aprimorou. Obviamente, a Passtech não quis reinventar muito mais a partir daí. As habilidades mais básicas são comuns a todos os heróis mas a cada passagem vamos angariando mais e melhores capacidades. Tudo para preparar o tal embate com o boss final que representa, de facto, o maior dos desafios deste jogo. Se conseguirmos sobreviver até esse confronto, estaremos obviamente mais poderosos e com maiores chances de o derrotar.
Todavia, a progressão faz-se realmente quando no final de cada nível há um novo talento para desbloquear em cada personagem, além do equipamento e habilidades para combinar. O que lhe dá uma incrível longevidade, com mais de 200 talentos e 50 peças mágicas para descobrir e testar combinações. Claro que tudo depende de como se entrosam com o jogo, sendo um título que, ou vos ganha, ou vos perde em poucas sessões. É sempre assim com os “roguelike”. Nesta oferta, lutar e tentar não morrer leva-nos a um fim de capítulo que é o clímax da acção. Contudo, se ficarmos a meio, perdemos o progresso e já não voltaremos ao mesmo local (há uma nuance, já explico a seguir). Felizmente, podem escolher níveis de dificuldade mais baixo caso o achem muito difícil. E olhem que este jogo pode ser um tanto difícil.
Nestes jogos, tudo depende do balanceamento de tudo, desde a complexidade dos inimigos, à recompensa a cada nível passado. Infelizmente, não tive oportunidade de o jogar em modo cooperativo, porque me parece ser onde o jogo se torna mais “facilitado”. Jogando a solo achei o jogo bastante exigente, por vezes punitivo, em especial com os bosses, onde os pequenos erros são pagos de forma muito rígida. Ao dominar as suas mecânicas e lógicas, melhorando as personagens de forma consciente, pode tornar-se algo realmente mais equilibrado. Se cairmos, também podemos reavivar a personagem seis vezes, o que remove o peso normal que a “permadeath” costuma ter neste tipo de jogos. Apenas notem que esse “revive” tem um preço, as Raven Feathers, que aumentam a resistência dos inimigos sempre que são usadas.
Não esperava realmente um jogo “fácil”. Mas, também não é preciso matar as personagens de forma categórica sempre que se cometem erros. Num todo, o jogo não é sempre difícil, notem, mas tem momentos em que subitamente a dificuldade aumenta. E é frustrante, por exemplo, fazer uma passagem boa pelos níveis para ser fustigado na última fase por causa de um desvio mal temporizado. Poderão pensar “ok, tenho as Raven Feathers, basta usar uma das seis e pronto… O problema é que ao usá-las os inimigos tornam-se cada vez mais “esponjas” de danos, quebrando notoriamente a fluidez do jogo. A ideia era boa, sem dúvida, mas se calhar estão a precisar de uma revisão. Dezoito meses em acesso antecipado, porém, não me parece que esta mecânica seja revista.
O que salta logo à vista é o seu design em jeito de banda-desenhada que já tínhamos visto em Curse of the Dead Gods e que regressa aqui com o mesmo nível de detalhe e qualidade. Obviamente, é um estilo visual que também já vimos em imensos outros jogos deste tipo, realçando, por exemplo, um dos maiores sucessos no género, a série Hades. Esta arte ajuda imenso a criar o conceito de fantasia nestes jogos, funcionando muito bem na trama específica deste jogo, como uma espécie de recontar de histórias clássicas da literatura. No que toca à acção, também permite umas boas jogadas de animações e iluminação, já que cada golpe e poder aplicado resulta em efeitos muito bem concebidos.
Tudo o que tenho a assinalar de menos positivo, tem a ver apenas com meros detalhes. Já expliquei que a dificuldade do jogo é assinalável, sendo para mim o seu principal problema (longe de ser um “detalhe”). Contudo, não é bem um problema técnico, é mais uma questão de conceito. O que tenho de frisar no plano técnico é que é residual. As “hitboxes” de algumas personagens parecem desajustadas, por vezes dando a entender que falhámos em atingi-las. Por outro lado, dada a natureza deste género, este é um jogo extremamente repetitivo. Apesar da geração “procedimental” dos níveis, vão repetir muitas secções “parecidas” inúmeras vezes. Apostar na progressão como meio de gerar interesse, não funcionará com todos os jogadores, aborrecendo-os se não houver mais conteúdo, especialmente mais níveis para diversidade.
Veredicto
Com um formato de enredo engenhoso, que joga muito bem com o imaginário de décadas de histórias de encantar, com um visual e uma jogabilidade batidas mas que emanam qualidade na concepção e são ainda bastante válidas, a Passtech Games encontrou uma fórmula muito positiva com Ravenswatch. Como qualquer outro “roguelike”, a aposta na jogabilidade viciante e na progressão compassada, terá os seus fãs. Pode ser que nem todos gostem da sua dificuldade assinalável ou do elemento crónico deste género, a sua inevitável repetição. É, contudo, um dos melhores títulos no seu género dos últimos tempos, um bom atestado para o futuro da produtora Francesa.
- ProdutoraPasstech Games
- EditoraNacon
- Lançamento28 de Novembro 2024
- Plataformas
- Género
Equilibrado e com boas ideias, os seus erros não o impedem de brilhar.
Mais sobre a nossa pontuação- Conceito visual
- Histórias de corrupção das personagens clássicas
- Boa lógica de progressão para voltar a jogar
- Dificuldade pode ser por vezes extrema
- Obviamente repetitivo na sua fórmula
Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.