Análise – Robocop: Rogue City
Como acontece com alguns jogos, algumas franquias cinematográficas tornam-se imortais. Longe estava Paul Verhoeven de pensar que Robocop: Rogue City iria um dia homenagear a sua obra 36 anos depois.
Não sei bem o que Verhoeven esperava do seu filme de 1987. Seria um filme de acção descartável? Ou um sucesso potencial? O seu tom crítico, satírico e violento claramente não foi pensado para o chamado “mainstream” e não caiu bem entre a crítica da altura. Mas, os fãs aderiram. Ganhou uma impressionante popularidade, ultrapassando na altura o lucro de colossos como Jaws no seu fim de semana de lançamento. Esta introdução a falar tanto do filme filme original justifica-se porque, claramente, a produtora Teyon quis ser fiel à visão polémica original. Tão fiel que todos os elementos mais caricatos dos filmes foram fielmente retratados. Para o bem e para o mal.
Antes de falar do que achei desta experiência, uma nota de advertência. Nunca esperei que este jogo fosse um AAA de acção fantasticamente realista, revolucionando o género de acção na primeira pessoa ou que, de alguma forma, trouxesse uma experiência de jogo inesquecível. Sei bem que a Polaca Teyon não tinha um grande orçamento e a Nacon não é conhecida por editar grandes “colossos”. Por outro lado, foi também a Teyon que nos trouxe Terminator: Resistance, um jogo que surpreendeu pela positiva na sua dedicação à franquia e claro interesse em servir os fãs.
Ou seja, as expectativas estavam lá, mas foram sempre moderadas. Os vários vídeos promocionais foram reunindo uma audiência considerável de interessados, metade fãs do lendário polícia-cyborg, metade jogadores surpreendidos pelo anterior Terminator. Confesso que eu próprio fiquei empolgado, recordando as várias vezes que vi os dois filmes originais (vamos concordar que o terceiro filme e o remake não existe) e a forma como parecia que a Teyon queria transportar-nos para esse universo peculiar. Se foi esse, de facto o intuito, então este é o melhor serviço aos fãs que alguma vez foi feito num formato de videojogo.
Se não viram o primeiro filme já mencionado de 1987 ou a sequela de Irvin Kreshner de 1990, talvez se sintam um pouco perdidos aqui. A nota mais evidente desde o início, é que este jogo é criado para os fãs e que tudo é mostrado sem introduções significativas, sem grande revelação de eventos. Quem é Alex Murphy, também conhecido como RoboCop, porque é que Detroit é um poço de crime e violência (OK! Aqui é fácil fazer o paralelismo com a realidade) ou porque é que o mundo é governado por uma implacável corporação chamada Omni Consumer Products ou OCP?
Vão lá num instante ver os filmes. Nós esperamos.
Já os viram? Continuamos.
Os eventos em Rogue City passam-se uns anos depois dos eventos de Robocop 2. Depois de ver a sua armadura original destruída neste filme, Murphy tem agora uma outra feita de titânio, dando-lhe este novo aspecto mais prateado, num contraste com o azul claro original. A história de Murphy está implícita e não teremos de reviver os seus eventos traumáticos… pelo menos, não início. Murphy tornou-se no famoso RoboCop depois, tragicamente, a sua família (e ele próprio) serem brutalmente assassinados. É só isso que precisam saber.
Renascido como um paladino da ordem, como expoente máximo da polícia de Detroit, Murphy é o braço mais forte da Lei, trazendo a justiça, quase sempre no formato de balas saídas do seu canhão de bolso com munição infinita. Contudo, há uma nova entidade em Detroit disposta a fazer “mexer as águas”. O desconhecido faz a velha cidade mergulhar uma vez mais no caos, motivando os criminosos locais a tornarem-se (ainda mais) insolentes e a precisar de uma boa prescrição de chumbo.
Obviamente, a história começa pequena, com uma simples investigação de mais um crime violento. Contudo, lentamente irá tornar-se uma de sátira às instituições, às mega-corporações e os seus jogos sujos de bastidores, com um projecto de segurança que poderá ser uma ameaça aos cidadãos e, claro, com o passado de Alex Murphy a pairar, dando o esperado impacto do seu alter-ego nos cidadãos e colegas da força policial. O que poderão esperar é uma fidelidade ao tom geral dos filmes, parecendo que os argumentistas passaram horas a rever os filmes como processo criativo.
O mesmo acontece no que toca ao visual, construção de cenários, modelação de personagens e todos os efeitos “over-the-top” que tivemos nos filmes. Se mais nada fizer, a nível visual, sonoro e artístico, RoboCop: Rogue City é uma ode aos dois filmes na sua plenitude, recriando a lendária esquadra de polícia, os próprios actores, a velha cidade de Detroit, os carros de polícia em preto mate, raios, até os monitores CRT e as disquetes “futuristas” estão lá, numa era analógica a fingir que é futurista. Até a célebre rampa da esquadra onde Robocop roça sempre com o carro está lá.
Só que… somos rapidamente recordados que a Teyon não é um estúdio de elevado gabarito e o cheque passado para a produção não foi muito chorudo. De um modo geral, estes ambientes estão muito bem construídos, com imensos pequenos pormenores e vários elementos de arregalar o olho, até mesmo em alguns efeitos visuais mais credíveis. Mas, “cheguem-se perto” e verão imensos problemas. Há muito trabalho de paixão aqui, sem dúvida, mas é óbvio que não deu para mais polimento.
Para começar, o sincronismo de lábios, a modelação e as expressões faciais no geral, são francamente básicas. Considerando que teremos imensas interacções com personagens (e actores conhecidos) é um tanto desapontante que, por exemplo, o próprio Alex Murphy (interpretado pelo próprio actor Peter Weller), pareça um “boneco de cera”. Outros actores menos “robóticos” são igualmente sintéticos, tornando-se só “semelhantes” aos actores que participaram nos filmes, tendo as suas animações ainda menos polidas que Weller.
Poderão achar isto um preciosismo meu mas, de facto, quebra muito a imersão e a própria prestação dos actores, especialmente com personagens mais marcantes, como um dos antagonistas que conhecemos no início, “Soot”. Dá a sensação que bastava um melhor polimento neste campo mais “role play” e o jogo seria inúmeras vezes melhor. Talvez porque a paixão na produção jogo seja tão evidente em tudo o resto, gostava de ver algo mais polido quando estamos a falar com alguém, especialmente em cenas intermédias ou nos diálogos multi-opção.
Quando soube da criação deste jogo e vendo as imagens promocionais, obviamente, quis também pegar na icónica pistola Auto-9 e desancar meliantes de forma avulsa e violenta. Personificar RoboCop é o maior engodo do jogo para mim. Todavia, lembrei-me de uns quantos problemas que a jogabilidade poderia trazer. Em primeiro lugar, o “HUD” da visão do cyborg nos filmes fazia mira automática, o que anularia uma mira de arma em jogo. Também o seu movimento robótico seria problemático.
Dito e feito, são exactamente dois elementos que serão claramente divisores entre os jogadores. Os fãs de RoboCop adorarão não ter de apontar, usando a arma ao nível do peito, apostando na mira “digital” que desenha a silhueta dos meliantes. Também não se importarão de não poder agachar-se, desviar-se ou procurar cobertura. Também adorarão o visor a simular uma televisão CRT quando fazem “scan” e os pequenos detalhes “quirky” da interacção. Tudo isto é fiel ao original, uma imagem de marca do cyborg à prova de bala que vem para destruir tudo o que mexe.
Só que os que procuram um “first person shooter” mais convencional claramente ficarão desapontados. A sensação de estarmos a jogar um “rail shooter” glorificado das máquinas de arcada dos anos 90 é real, perdendo toda e qualquer proficiência que tenham a jogar um FPS moderno. Não é propriamente um elemento negativo, é só bom que entendam que este não é um “shooter” igual aos que estão habituados. E acredito que muitos dos que esperam outra coisa, começarão imediatamente a pedir reembolsos nos primeiros instantes de combate.
Outro pormenor que poderá não ser consensual são os temas e objectivos das missões e tarefas, algumas activadas a caminho de outras. Um bom exemplo acontece logo ao início, quando estamos a caminho de uma missão de história e somos convidados a simplesmente abrir um cacifo de um colega polícia em dificuldades. Trata-se de uma brincadeira dos colegas, com o cacifo cheio de granadas de fumo. Missão cumprida… é este o tom “parvo” dos filmes que fazem esboçar sorrisos nos fãs. Mas, para quem não entende, é só um momento “WTF?”.
Em termos de progressão, temos uma simples árvore de evolução para melhorar as prestações de RoboCop, aumentar a resistência a danos, melhorar a interacção com personagens e objectos, entre outras melhorias. Há também imensas armas para apanhar, é certo, mas é o nosso canhão que se destaca, sendo possível personalizá-lo de forma muito extensa. Se não chegarem estas armas, até os punhos poderão servir para combate. Tudo, menos acariciar os meliantes. Até é possível pegar e arremessá-los contra os seus amigos. Genial!
Só que a fórmula desgasta-se muito cedo, mesmo para os amantes da visão original de Verhoeven. Nas suas cerca de 20 horas de jogo (mais coisa, menos coisa), a pouca variedade de inimigos e as suas estratégias, ficam muito evidentes. O cenário destrutível é interessante ao início mas cedo percebemos que não tem nenhuma serventia real, excepto pela sua espectaculadidade. Pior, os efeitos são muitas vezes muito exagerados, com poças de sangue, desmembramento e explosões a desafiarem as leis da física. Além de exagerados, estes efeitos são igualmente repetitivos.
Outro elemento que saltará mais à vista é o vazio genérico que os cenários proporcionam. Há algumas secções que, francamente, me parecem adicionadas apenas para “encher”. Caso flagrante, são as ruas de Detroit, que só servem para transitarmos de A para B. Regra geral, chegamos de carro (que não conduzimos), andamos um pouco até uma determinada porta e, ao abri-la, há um novo ecrã de carregamento para outra secção. Podíamos simplesmente ser teleportados para as missões, sem ter de deambular pelas ruas. Até porque não há muito para ver ou interagir, só uns poucos diálogos e… multas de estacionamento… Isto não é um sandbox.
Veredicto
Os amantes dos dois filmes originais que nos apresentaram o famoso polícia-cyborg, adorarão a fidelidade de Robocop: Rogue City. Só que essa fidelidade não será muito atraente aos demais amantes do género de acção na primeira pessoa. As opções de interacção e de jogabilidade que parecem só ter intuito de ser fiéis aos filmes, são muito divisórias e nada convencionais. Por outro lado, algumas boas ideias mais ambiciosas são claramente limitadas por um orçamento notoriamente menor que a visão da produtora. Por isso, talvez seja mais indicado para os nostálgicos que propriamente quem procura algo moderno e tecnicamente apurado.
- ProdutoraTeyon
- EditoraNacon
- Lançamento2 de Novembro 2023
- Plataformas
- Género
Podia ser melhor mas tem alguns pormenores positivos que podem agradar a muitos jogadores.
Mais sobre a nossa pontuação- Fidelidade quase insana ao conteúdo dos dois filmes
- Prestação de voz de Peter Weller
- A pistola Auto-9
- Jogabilidade claramente fiel demais
- Bom esforço mas o grafismo é inconsistente
- Sincronismo de lábios e expressões faciais
Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.