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Análise – Silent Hill 2 (Remake)

Aquele que é considerado por muitos como o melhor jogo desta série, regressa para explorar novamente a profunda dor da perda e a busca desesperada por redenção. Silent Hill 2 está de volta pela mão da experiente Bloober Team.

Na mitologia grega, “Orfeu” desce ao inferno para salvar a sua esposa, a amada ninfa Eurídice, que morreu após ser mordida por uma serpente. A dor de Orfeu é tão grande que consegue convencer Hades e Perséfone a fazerem uma troca inesperada: a sua esposa em troca de uma promessa. Na longa subida de volta à luz, porém, Orfeu não deve olhar para trás, como uma jornada simbólica de renascimento, sem poder olhar para o passado. Se o fizer, o feitiço será quebrado, e Eurídice ficará presa para sempre no mundo dos mortos. Nem todos conhecerão esta história mitológica mas, parece que a produção soube onde buscar a devida inspiração. Depois de jogar Silent Hill 2 é impossível não fazer uma comparação.

É que a história de James Sunderland em vários pontos estabelece paralelos estreitos com o mito grego. Não é, de todo, um recontar dessa narrativa, notem mas as semelhanças estão, de facto, lá. Nesta história, também este marido “desce” até Silent Hill para procurar a sua esposa, Mary, que, alegadamente, está à sua espera nesta cidade. Mais lá para a frente, também há uma promessa que nunca foi cumprida. A diferença aqui é que a Eurídice desta história já não está mesmo viva, deixando-nos também com a dúvida sobre o que mantém o feitiço activo. As semelhanças entre o mito de Orfeu e esta história não ficam por aqui.

Fora do seu enredo, na vida real, também este jogo sobreviveu à passagem do tempo, fascinando jogadores de várias gerações, tanto os mais habituados aos thrillers de terror, como os casuais que procuravam uma nova experiência de jogo. É por isso que, se calhar, esta história até precisava ser contada novamente, apresentada às novas gerações para que entendam porque foi tão importante e marcante para este género. O momento é até muito apropriado para reavivar esta série, agora que a editora Konami está empenhada a recuperar o seu estatuto. Mas, para o fazer, é preciso ter cuidado com o material original.

É que já passaram uns anos desde o lançamento original e é preciso modernizar alguns aspectos que hoje podem parecer mais difíceis de aceitar, tanto na história, como na jogabilidade. É sempre uma tarefa arriscada, dado o estatuto a que o segundo título da Team Silent alcançou ao longo dos anos. Felizmente, quem o fez não é propriamente uma equipa inexperiente, tratando-se de um remake nas mãos da Bloober Team, conhecida por títulos de terror, como Layers of Fear ou The Medium. Obviamente, tem também a supervisão atenta da Konami e de dois dos criadores originais deste título de 2001, Masahiro Ito e Akira Yamaoka. Há muito em jogo, até para os fãs desta franquia, portanto.

Para simplificar, Silent Hill 2 conta a história de James, vive há três anos numa angústia pela perda da sua espora Mary, vítima de uma terrível doença. Diz-se que a morte não é o fim e James passa a acreditar mesmo nisso, quando recebe uma carta de Mary a convidá-lo a juntar-se a ela no seu “lugar especial” em Silent Hill. Estranhamente, James não faz muitas perguntas, pega no seu Pontiac Ventura e trilha por Nova Inglaterra. Há algo perturbador no protagonista, uma inquietação que o parece fazer ignorar a própria vida e morte. Mas, nós podemos fazer essas perguntas: “De onde veio aquela carta?”, “Onde está realmente Mary?” Quando o jogo começa, com James em frente a um espelho, olhando para as suas mãos e fixando-nos nas suas olheiras, já terá a resposta que procura. Obviamente, ainda não pode contar com ela.

Enquanto percorre pelas ruas enevoadas de Silent Hill, à procura de pistas sobre a sua esposa, James percebe que não está sozinho. Na verdade, esta não é apenas a história do casal Sunderland mas também de outras quatro personagens que partilham destinos igualmente atormentados. Angela Orosco procura a mãe e o irmão, Eddie Dombrowski é assombrado por um trauma que não o deixa em paz, Laura é uma criança traquina que parece saber mais do que devia sobre James e Mary e finalmente, há Maria, que se parece tanto com Mary mas, eventualmente, percebemos esconde um grande segredo. Com isto, a trama fragmenta-se, divide-se em várias histórias que, ao contrário da narrativa clássica, não têm uma moral clara. São um mergulho profundo na mente e na alma das personagens.

Depois de jogarem, entenderão que Silent Hill é uma fronteira, uma cidade que não é bem uma cidade, sendo mais um santuário de transição. Será um vislumbre de um mundo incompreensível, fora dos limites da nossa realidade, cuja compreensão dependerá muito da nossa própria experiência. Ao que parece, será o espaço mental onde acontece o filme “Lost Highway” e o abismo moral onde se enfrentam consequências no romance “Crime and Punishment“. Estas duas obras foram declaradamente as principais inspirações para Silent Hill 2, usadas na altura por Takayoshi Sato, Masashi Tsuboyama, Masahiro Ito e outros para moldar esta história intemporal e tão ramificada. Uma leitura destas obras poderá dar-nos um bom tom para este jogo.

Sem grandes alterações, a história deste Remake está praticamente intacta. Não posso dizer “totalmente” porque há ligeiras nuances, fins e desenlaces alternativos que a produção decidiu implementar. Ainda assim, não existem alterações que considere profundas demais que sejam tão modificadoras do título original. Obviamente, o trabalho mais profundo (e mais visível) neste remake é mesmo o seu grafismo, provocando um abismo técnico notório desde a versão de 2001, então na PlayStation 2 e Xbox (foi ainda lançado no PC uns anos depois). Como acontece nestas reedições, há quem goste e quem odeie “mexer” nas nossas memórias. Penso que aqui o trabalho da Bloober Team até foi respeitoso. Mas, já lá vamos.

Durante a análise, houve um único ponto que me deixou hesitante neste novo grafismo. É que tudo me parecia demasiado “limpo”, algo que não me recordava no original. A “culpa”, diria, é do efeito granulado e “áspero” que permeava o jogo original, que também ajudou muito na sua atmosfera. Era como se o visual tivesse saído de um sonho e se reflectia na própria geografia da cidade. Neste remake, parece que tentaram “racionalizar o terror”, tornando Silent Hill uma cidade mais facilmente navegável. Entendo o intuito mas também vejo isto como algo que os “puristas” não vão gostar muito.

Felizmente, quando o “outro mundo” toma controlo, o novo Silent Hill 2 ainda sabe como nos perturbar com a sua atmosfera sinistra, aqui diria que é tão bom ou melhor que o original. Não é exagero dizer que a cidade é uma das protagonistas da história e que se transforma ao longo da narrativa, mergulhando-nos num pesadelo crescente. Ao longo do jogo, Silent Hill 2 consegue provocar em nós o devido desconforto que a história obriga, seja com os seus cenários destruídos e manchados de sangue, quase como se a realidade tivesse sido rasgada em pedaços.

Aliás, há um momento de transição para o “outro mundo” que faz uma clara referência ao filme “Jacob’s Ladder”, que foi uma das principais inspirações para o primeiro Silent Hill. Essa referência está ainda mais presente neste remake. Talvez esta seja a maior vitória do jogo, recuperar a estética original dos clássicos, distanciando-se da falível versão cinematográfica da história, voltando à visão inicial dos autores. Graças a esta busca por autenticidade, Silent Hill volta a ser assustador com a sua escuridão, com as suas formas inexplicáveis, com as suas geometrias impossíveis e com o desespero decadente dos seus cenários, agora completamente desprovidos de vida.

Mas o que também nos assusta são os dilemas morais. As dúvidas e as perguntas que invadem a mente e o coração do jogador. A forma subtil como o jogo nos provoca constantemente. Quase como uma metáfora do que nos prende à possível sanidade no meio de tanto caos, James tem apenas uma luz a guiá-lo, tanto figurativamente como literalmente. De facto, a sua busca incessante e quase demente por Mary, move-o sempre na direcção certa. Mas, no sentido literal, James também encontra uma lanterna num manequim vestido como ela, logo no início do jogo. O que é uma jogada narrativa muito engenhosa.

Um jogo como este pode parecer pouco convencional para os jogadores que esperam um tipo de terror semelhante à fórmula clássica, por exemplo a célebre proposta da Capcom com Resident Evil. Embora a tentação hoje em dia seja tanto de emular essa outra aventura, desde o início da série que a vontade de Keiichiro Toyama e da sua equipa era de criar algo diferente. Embora os confrontos com as criaturas que habitam a cidade sejam uma parte essencial da progressão, não é aí que reside o verdadeiro cerne do jogo. Aliás, nem são esses confrontos que ditam o ritmo da experiência. Felizmente, o remake não tenta alterar esta fórmula, felizmente a Konami não teve ideias destrutiva a mudar paradigmas com esta revisita.

O remake de Silent Hill 2 oferece um ambiente que faz lembrar os jogos de terror dos anos 2000. A exploração dos seus cenários continua a ser o eixo central da jogabilidade, normalmente com o objectivo de encontrar objectos que possam ser usados para resolver enigmas, permitindo a James sobreviver e continuar a sua procura por Mary. Quase toda a aventura segue esta estrutura. O jogador move-se, de tempos a tempos, dentro de edifícios emblemáticos da cidade, como o hospital, a prisão ou os apartamentos, tentando ir mais além, abrindo salas, resolvendo quebra-cabeças e recolhendo objectos e chaves que permitem aceder a zonas antes inacessíveis. Tudo é como um puzzle gigante a compor-se.

Neste ponto de vista, Silent Hill 2 quase lembra a estrutura de um grande “escape room”. Para quem não conhece, este é um tipo de jogo, por vezes jogado pessoalmente em salas e edifícios ou grandes áreas reais, onde pessoas são agrupadas para resolver puzzles e mistérios compostos por vários passos para serem resolvidos. Ao resolver um enigma, vão avançando na trama, por vezes com desenlaces imprevisíveis baseados nas decisões de cada um. Portanto, se nos jogos mais focados na sobrevivência, como o já mencionado Resident Evil, o combate é frequentemente a chave para progredir, aqui a lógica é uma de exploração e interligação dos diferentes espaços, por vezes difíceis de desvendar.

Inevitavelmente, teremos alguns combates com seres diversos. Contudo, este confrontos foram completamente repensados para este remake, devido a uma decisão algo divisora, que também levou a Bloober Team a redesenhar todo o sistema de combate. Neste remake, dá-se a transição de uma câmara fixa para uma perspectiva na terceira pessoa. Esta mudança exigiu novas formas de aumentar a tensão no jogador e de criar desafios para esconder as criaturas nos cenários. Curiosamente, foi algo que não goste mesmo nada na remasterização de Until Dawn. Todavia, neste jogo a nova perspectiva funciona muito bem. É que o novo sistema de combate foi criado de forma inteligente, sendo bastante acessível e lógico mas mantendo aquele toque desajeitado, típico de alguém que não está habituado a lutar, como James é descrito.

Apesar de existirem secções que obrigam o jogador a enfrentar criaturas, porém, é sempre preferível evitar os combates. Mesmo no nível de dificuldade normal, Silent Hill 2 é uma experiência desafiante, onde cada confronto pode ser mortal. Os recursos não são excessivamente escassos mas são limitados na mesma e é essencial aprender a conhecer os inimigos para prever os seus movimentos. Cada tipo de criatura deve ser abordado de forma diferente. Por exemplo, é importante verificar todos os cantos escondidos para garantir que não há um manequim por perto. As enfermeiras, por outro lado, devem ser enfrentadas à distância, enquanto as figuras rastejantes têm o péssimo hábito de se aproximarem silenciosamente por trás.

Neste aspecto, o altifalante do comando DualSense é uma grande ajuda (testado na PlayStation 5), ao sinalizar a presença de inimigos através das interferências na rádio. Esta ferramenta é muito útil e complementa a excelente gestão do mapa do jogo, onde James marca, de tempos a tempos, quebra-cabeças por resolver, pontos de interesse, portas trancadas e outras indicações úteis para navegar. As fortes vibrações de rádio complementam um ambiente sonoro que é simplesmente impecável. Com sons mecânicos, industriais e assombrosos, Silent Hill 2 sabe como nos envolver numa dimensão onde máquinas, humanos e monstros se fundem. Encanta com sons subtis do vento a soprar nas árvores, para depois arrepiar com sussurros, vozes e presenças invisíveis, como se fossem fantasmas.

Neste remake a escolha dos actores foi claramente orientada para algo mais realista. Por um lado, isso levou a uma escrita de diálogos mais consciente e natural, também graças a uma prestação visivelmente melhor dos actores. Por outro lado, resultou em rostos mais genéricos e menos caracterizados. Como mencionado no início, o remake de um clássico como Silent Hill 2 traz desafios complexos, especialmente no que toca à modernização das mecânicas e dos personagens. Isto deve-se, em parte, ao jogo em si, mas também à nostalgia e às memórias dos jogadores. Neste sentido, a Bloober Team trabalhou para expandir e aprofundar o que já existia no original embora cometesse umas ligeiras liberdades.

Sim, as críticas quanto à aparência de James, Maria, Angela e dos outros, especialmente em comparação com a obra original são evidentes, só não sei se são realmente merecidas. O design original das personagens de Silent Hill 2 de 2001, criado com o estilo singular de Takayoshi Sato, parecia-me mais enquadrado com o intuito da história, como se tivessem saído de um sonho. Muitas das “esquisitices” que faziam ou diziam eram absorvidas por essa atmosfera. Aqui, perde-se um pouco desse aspecto perturbador das personagens.

Ainda falando de opções de design, há algumas soluções que parecem um pouco menos elegantes. Por exemplo, a ideia de assinalar o caminho no mapa com objectos brancos, como panos ou andaimes, faz lembrar uma tendência adoptada por muitos jogos recentes (geralmente com a cor amarela) que aqui pode parecer facilitismo para muitos jogadores. Da mesma forma, também não apreciei a mecânica de usar caixotes de lixo para alcançar pontos altos no mapa. E também achei as transições do jogo para as cenas intermédias com o ecrã a escurecer, algo datado.

Nos primeiros momentos da aventura, pensei em como o original era produto de uma época e de um ambiente cultural difícil de atingir. Mas, eventualmente, cheguei à conclusão que não é justo esperar que o remake de Silent Hill 2 seja completamente habitado pelo “espírito” do original. Para mim, são duas obras diferentes, nascidas de situações distintas e separadas por vinte anos. O que se deve esperar, contudo, é que a grandiosidade da história permaneça intacta. E, nesse aspecto, esta nova versão de Silent Hill 2 que estive a jogar nestes dias não decepciona.

Há um enorme respeito pelo material original e, mesmo que algumas nuances tenham mudado, especialmente nos diálogos entre os personagens, na disposição dos objectos, nos combates com os bosses e até na psicologia de James, o coração da obra permanece. O desafio da Bloober Team é gigante, tiveram de “polir” um clássico com um caminho já traçado, tendo ainda uma legião de fãs. Qualquer desvio poderia desencadear a sua revolta. Fãs que, aliás, incluem a própria equipa, pois o amor que têm pelo original é evidente em cada passo deste remake. Felizmente, o remake de Silent Hill 2 consegue melhorar um dos melhores capítulos da saga, mesmo sendo um híbrido, já que a produção também é parcialmente Japonesa.

Veredicto

O original de 2001 é um daqueles jogos que ainda hoje posso recomendar para quem quer algo icónico no género de terror. O remake continua a ser um jogo capaz de perturbar e fascinar qualquer pessoa, graças ao seu contraste moral, desenvolvido numa trágica e improvável história de amor e numa exploração profunda da alma humana. A Bloober Team conseguiu (re)criar neste remake de Silent Hill 2 uma obra fiel ao original, expandindo o conteúdo e, ao mesmo tempo, propondo uma visão moderna, respeitando as mesmas fontes de inspiração que, há vinte anos, guiaram a Team Silent. A antiga e intensa magia (negra) que permeia a jornada de James Sunderland pelo inferno continua a ser poderosa. Se a Konami tiver a coragem de cumprir as suas promessas, a série pode renascer a partir daqui.

  • ProdutoraBloober Team
  • EditoraKonami
  • Lançamento8 de Outubro 2024
  • PlataformasPC, PS5
  • GéneroSurvival Horror
r
Recomendado

Óptimo, aconselhamos a apreciar ao máximo.

Mais sobre a nossa pontuação
Não Gostámos
  • Nem todos os modelos de personagens nos convenceram
  • Algumas mecânicas de exploração não são elegantes

Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.

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