TDUSolarCrown (3)

Análise – Test Drive Unlimited: Solar Crown

Depois do sucesso dos anos 80 e 90, a série Test Drive tem estado arredada dos holofotes nos últimos anos. A Nacon e a sua produtora KT Racing querem trazê-la de volta com Test Drive Unlimited: Solar Crown.

Para terem uma ideia, o último jogo Test Drive, foi lançado em 2012 para a PS3 e X360. Os dois anteriores Test Drive Unlimited originais, datam de 2006 e 2011, exactamente para as mesmas consolas. Como devem imaginar, nenhum destes últimos jogos foram memoráveis, passando de mão-em-mão por produtoras mais ou menos desconhecidas. Fico com a sensação que, na altura, a então editora Atari apenas queria manter a franquia a mexer, não se preocupando muito com os resultados financeiros. Talvez essa e outras tantas decisões tenham contribuído para o seu encerramento mas isso é outro assunto. Seja como for, a Nacon deveria estar bem ciente do risco que tem em mãos com esta franquia histórica, tendo claramente levado o seu tempo a levar a cabo este projecto.

Não só a produção do jogo está a cargo da sua produtora mais experiente, especialmente a nível de jogos de condução, a KT Racing, Solar Crown também foi adiado umas quantas vezes, alegadamente em busca de um polimento essencial. Convenhamos que, apesar dos bons esforços na sua ida franquia WRC, nem todos os jogos de condução da Nacon foram assim tão exemplares a nível técnico. Talvez porque o nível de investimento e produção da editora também não está bem a par (equitativamente, claro) daquilo que já se viu neste género tão repleto de franquias. É, ainda assim, possível criar algo memorável, francamente superior ao que se fez nos últimos anos, pelo menos com o hardware actual.

Treze anos depois de Test Drive Unlimited II também muita coisa mudou. A Eden Games agora dedica-se a projectos “blockchain”, a série acabou adormecida, a Atari encerrou e foi novamente recuperada mas sem muitas das suas franquias, uma delas, esta, agora nas mãos da Nacon. Por isso, nada como uma nova era para esta franquia, que agora herda só mesmo o seu nome icónico. Solar Crown pretende ser mais um “soft reboot” da série, como aliás os originais Test Drive Unlimited foram também. Mantém a sua abordagem não linear de condução num mundo aberto mas é óbvio que há aqui ganas de fazer algo diferente.

É inevitável ouvirmos falar neste género e não pensarmos em títulos que “desbravaram” este trajecto, como o eterno rival Need for Speed, Forza Horizon ou até The Crew. Há, de facto, muita concorrência neste segmento peculiar de videojogos, o que torna a tarefa da Nacon ainda mais delicada. Será que o título “Test Drive” ainda tem o mesmo impacto que teve em tempos, então na mão da mítica e histórica Accolade? Será que uma mudança de paradigma a nível de jogos de condução, uma notória saída do “conforto” que são as provas em pista, fará bem à KT Racing? A fórmula não é nova, as possíveis inspirações andam por aí a “dar cartas”. Era só preciso que criassem algo sólido e com o seu ADN único.

À partida, para um jogo previsto para 2022, os constantes adiamentos pelo caminho não deixavam antever nada verdadeiramente positivo. Tudo bem, mais vale adiar mesmo se achamos que ainda não temos algo bom nas mãos, dando mais tempo para a equipa desenvolver o seu conceito. Mas, quantas vezes foi mesmo assim? Quantas vezes um jogo adiado constantemente se revelou um sucesso? Como agora faço com uma boa parte dos novos anúncios que nos chegam, tento chegar às análises sem quaisquer expectativas, desejando mesmo que a série Test Drive volte a ser relevante e que este jogo seja o “grande estrondo” que a Nacon quer.

Como o sub-título “Unlimited” afirma, este é um terceiro jogo na tentativa de criar algo “ilimitado”, fora de pista ou dos troços pré-definidos, num jogo de condução em mundo aberto, levando-nos às ruas da ilha de Hong Kong para descobrir um mundo cheio de corridas livres. Solar Crown é um grande torneio para, lá está, dar a coroa ao rei do asfalto, participando em corridas de várias disciplinas e ganhar notoriedade entre os clãs que reinam neste sub-mundo. Não esperem uma grande nota narrativa neste jogo, como também não há nos demais títulos deste género. Existe um enredo, de facto, mas nada tão complexo como, por exemplo Need For Speed tentou nos seus vários capítulos.

Diria que esta história é uma tentativa de criar envolvência, para nos fazer recordar que estamos fazer algo mais que apenas competir para ganhar corridas ou algum torneio. Se serve para realmente nos envolver? Nem por isso. Alguns elementos desta trama paralela, como todos os carros terem uma assistente virtual ou como o nosso HUD na verdade é projectado numa lente de contacto (não estou a gozar), tornam tudo demasiado “sci-fi” para o que realmente o jogo deveria ser. É uma experiência de condução, pessoal! Tudo o resto que tentaram criar é meritoso mas não é muito ajustado ao tipo de jogabilidade que se pretende.

As comparações com Forza Horizon começam aqui, com praticamente a mesma premissa de abordar uma pseudo-carreira baseada na reputação, por competir e ganhar várias missões espalhadas por um vasto mapa, desafiando os rivais. Tudo bem, na eterna história do “ovo e da galinha”, Test Drive Unlimited é que lançou a moda, no entanto, sem dúvida que o jogo da Playground Games tomou o seu lugar, ditou novas “regras”, novos patamares e foi ainda mais além. A fasquia de qualidade, quantidade e inovação, portanto, está no outro lado. E quando continuamos nessas comparações, notamos que Solar Crown tem muito para acelerar.

Como já esperávamos, na estrada as coisas quase chegam a equivaler-se, com a KT Racing a apostar bastante numa condução competente e bem desafiante, sendo este um dos tais pontos altos que me fizeram gostar do jogo numa das ascendentes positivas. Não esperem nenhum nível de simulação profunda, porque também não é esse o objectivo. Não raro, vamos prego a fundo durante várias secções das corridas, com impactos que na vida real pulverizariam qualquer bólide composto por fibra de carbono. Neste jogo, é só um “arranhão”, numa óptima condução, sem dúvida, mas algo mais virado para o “arcade”.

Jogar Solar Crown dá-nos um misto de reacções. Inevitavelmente, fui várias vezes transportado para duas sensações. Uma era de puro desfrute pelo jogo, porque gosto muito de jogos de condução, porque a KT Racing tem, de facto, alguma sabedoria nesta arte do volante e porque tudo é feito para um deslumbre inicial. Mas, depois, enfim, abate-se o outro lado das produções internas da Nacon, com vários aspectos de polimento, performance e estabilidade a saltar à vista. Fica bem claro que este é um enorme esforço da produção a debitar tudo o que sabe na interacção mas que, depois, é claramente limitada pelo que consegue realmente concretizar.

Um bom exemplo é a ilha de Hong Kong recriada em jogo. Um vasto mapa, repleto de eventos constantemente a serem adicionados, um vasto território digital que somos encorajados a explorar. Existem vários locais para visitar, assim como pontos de interesse para descobrir, como lojas de automóveis, veículos danificados que podemos reconstruir, postos de combustível e mais. Há, depois, centenas de coleccionáveis para os que gostam de concluir 100% do jogo. Só que este mapa tão grande está… algo vazio. Com tanta coisa listada acima, dá a entender que temos aqui um mundo fervilhante e cheio de vida. Mas não é o caso.

Embora os centros urbanos sejam bem detalhados para arregalar o olho, outras zonas foram claramente apressadas, talvez porque não havia gente suficiente para encher tudo. Em especial em estradas “off-road”, nota-se que a produção preferiu concentrar esforços em áreas mais importantes, ignorando as demais. Mas, olhando bem, até mesmo nas áreas mais densas há uma certa sensação de vazio, com alguns modelos e texturas mais genéricos a repetirem-se inúmeras vezes, por vezes lado a lado. Amiúde, até mesmo o “rei” Forza Horizon sofre com zonas meio mortiças, é o mal deste género de jogos gigantes mais focados na velocidade. Ainda assim, faltou aqui à KT um pouco mais de experiência a criar imersão.

De um modo geral, podemos dizer que esta é uma glorificada visita virtual a Hong Kong. Mas, não é muito mais que isso. Dá a sensação que a produção pegou num mapa à escala e começou a enchê-lo com o que conseguiu, deixando para algum algoritmo (ou até mesmo para a IA) criar o resto. Fico, aliás, muito curioso por saber o que é que a primeira expansão em Ibiza fará. Se essa ilha Espanhola for modelada com tantas zonas desprovidas de detalhes e vazias, suspeito que o impacto será exactamente o mesmo. Se não tinham capacidade para “encher” um mapa tão grande, por que não ficar-se por uma área menor mas mais densa?

Estou, se calhar a focar-me demasiado nos detalhes, admito. Mas, este não é bem um jogo de pura condução, havendo aqui o tal convite à exploração. É mesmo suposto olharmos (bem) para os detalhes. Aliás, a dimensão e densidade do mapa a recriar a famosa ilha Chinesa é mesmo um dos destaques na promoção deste jogo. Se este é o “postal de férias” que nos mandam, pedindo que exploremos esta criação, portanto, só esperamos que seja minimamente envolvente. Na concorrência, são mesmo estes mundos recriados que criam a devida imersão, sendo óptimos complementos da condução e enriquecendo a oferta.

Histórias acessórias e ambiente pouco inspirado mas com uma condução sólida, ainda temos jogo, certo? Mais ou menos. No tal “misto de emoções” que falei acima, um dos pontos baixos que nada tem a ver com o conceito é demasiado negativo para ser ignorado. Não, os adiamentos para “polimento” não parecem realmente ter feito grande coisa pelo jogo, a não ser que o critério de avaliação tivesse sido francamente baixo, o que não acredito mesmo, dado empenho da produção em lançar o jogo só quando estivesse satisfatório a nível de polimento.

Jogando numa PlayStation 5, notei imensas quebras de performance, algumas que não são aceitáveis num jogo de condução onde queremos fluidez para a melhor experiência possível. A julgar que era uma questão de opções, passei do modo “Qualidade” para “Performance” mas, mesmo assim, não ajudou muito. Não é algo frequente (felizmente) mas as quedas de fotogramas por segundo (fps) acontecem demasiadas vezes. Parece ser algo relacionado com o carregamento de texturas em alguns modelos, porque parecem acontecer mais frequentemente em áreas mais densas, reduzindo por momentos, por vezes por alguns segundos, mas retomando a fluidez normal logo a seguir.

Contudo, talvez o aspecto que menos gostei deste jogo a nível técnico é que, igualmente como alguns jogos em que se inspira, este é também um jogo que necessita de uma ligação permanente online. Dado o conteúdo “evolutivo” que o jogo pretende ter num “jogo como serviço”, a ideia é que precisamos estar sempre online para competir com os demais jogadores e evoluir nos clãs. Antevejo que isto possa ser um empecilho para jogares que preferem fazer as coisas a solo e não se interessam em ver outros jogadores nas suas sessões de jogo. Forza Horizon encontrou um ponto de equilíbrio, permitindo um compromisso semi-offline com os seus Drivatars. Mas aqui não há alternativas. Sem internet, não jogam.

Veredicto

Há vários detalhes de Test Drive Unlimited: Solar Crown que o impedem de realmente fazer frente à concorrência. Puramente a nível de condução, adorei jogá-lo em todos os momentos, com uma nota muito positiva para o que a KT Racing sabe fazer. O problema foi sair da sua zona de conforto para criar uma experiência em mundo-aberto, claramente uma aposta arriscada sem a devida experiência. A falta de à vontade da produção sente-se num enredo genérico “preso a fita-cola” e num mundo demasiado grande e sem grande vida. Pior, algo tão grandioso é assolado por várias questões de performance que não se justificam depois de tantos adiamentos para polimento. Talvez mais dois anos no forno, a coisa teria realmente lá chegado. Por agora, é só uma experiência “OK”.

  • ProdutoraKT Racing
  • EditoraNacon
  • Lançamento12 de Setembro 2024
  • PlataformasPC, PS5, Xbox Series X|S
  • GéneroCondução, Mundo Aberto
ok
OK

Podia ser melhor mas tem alguns pormenores positivos que podem agradar a muitos jogadores.

Mais sobre a nossa pontuação
Não Gostámos
  • Problemas notórios de performance
  • Zonas desinspiradas do mapa e texturas repetidas
  • Necessária ligação online permanente

Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.

Comentários