Análise – The Legend of Zelda: Echoes of Wisdom
Joguei cerca de trinta horas do novo The Legend of Zelda: Echoes of Wisdom. Completar a aventura na Nintendo Switch demorou menos tempo mas, entre uma réplica ou outra, simplesmente não consegui abandonar Hyrule.
Por conveniência, vou referir-me a este novo capítulo da saga como um título “2D”, embora não seja realmente bidimensional, nem em termos gráficos, nem em termos de jogabilidade. Para ser mais preciso, é o primeiro The Legend of Zelda original com uma perspectiva vertical desde 2013, sendo desenvolvido pela Grezzo em colaboração com a Nintendo,. Mas, o seu maior destaque é que, desta vez, não se vão mesmo enganar a nomear o seu protagonista (desculpa, Link). Este é o primeiro capítulo em que a própria Princesa Zelda é a protagonista, numa nova abordagem sandbox herdando mecânicas de Sincronização e Réplicas dos títulos mais recentes da série.
Embora essas mecânicas não sejam tão transformadoras, a ponto de permitir que o jogador contorne completamente secções do jogo ou resolva quebra-cabeças de maneiras totalmente imprevisíveis, oferecem uma profundidade significativa, permitindo uma boa dose de criatividade na exploração, no combate e na resolução de quebra-cabeças.
Nos jogos da Nintendo, uma alteração narrativa implica também uma alteração nas mecânicas que já nos são familiares. Por isso, embora aqui exista um modo que permite Zelda emular os movimentos e armas que estamos habituados nas mãos de Link, logicamente esta nova aventura também propõe uma abordagem diferente da habitual. A Princesa deve observar, procurar, testar o terreno e escolher as invocações certas para enfrentar. Querendo com isto dizer que as Réplicas, são o verdadeiro ponto fulcral deste título.
Se compararmos este título em termos que sejam compreensíveis para jogadores dos habituais Role Playing Games, as aventuras clássicas com Link são equivalentes a interpretar um paladino. Contudo, com Zelda enquanto protagonista, estamos no território dos feiticeiros. Bem sei que esta é uma comparação que precisa de mais explicação e vou tentar clarificar melhor o conceito ao longo da análise.
Como curiosidade, neste capítulo não existe uma relação inicial entre Link e Zelda, ainda não se conhecem. No entanto, fendas misteriosas estão a engolir vorazmente a terra de Hyrule e, com ela, os seus habitantes. Entre as vítimas temos o nosso herói habitual, Link. A princesa Zelda consegue salvar-se e, com a ajuda de Tri (uma entidade fada que apenas alguns conseguem ver), adquire o poder de eliminar os tentáculos negros sinistros que cobrem as terras e a população, atravessando fendas dimensionais. Eventualmente, chegará ao infame “World of Nothing”. Infelizmente, a princesa é suspeita de estar por trás dos ataques e, por essa razão, é forçada, pelo menos no início, a agir de forma anónima. Não posso nem quero revelar mais nada, a história merece ser descoberta por vocês.
Com o regresso de uma fórmula mais tradicional, também regressa uma progressão narrativa, quase ausente nos últimos capítulos tridimensionais. Notem que a história não brilha pela sua profundidade mas oferece personagens agradáveis, com um tom adequado para os mais jovens. Abraça ainda alguns aspectos mais mitológicos de Hyrule que, dado o aspecto visual, não estamos à espera.
Neste jogo, são os poderes da Princesa Zelda que o tornam tão único. A disposição dos inimigos, a morfologia dos territórios e a arquitectura dos edifícios, são substancialmente idênticas às que muitas vezes encontrámos com Link. No entanto, essa familiaridade perde-se um pouco quando percebemos que as diferentes habilidades e características da protagonista diversificam a abordagem ao jogo. Pensem nestas habilidades como uma reinterpretação dos poderes de Link em Tears of the Kingdom e Breath of the Wild. Mas, obviamente, com um “twist” desenhado para esta nova aventura com a princesa.
Deixemos de lado a capacidade de Zelda se transformar temporariamente num “Paladin”, que é o poder mais previsível mas também o menos utilizado (precisamente porque é limitado). Zelda pode usar a sincronização (não de imediato), que é uma versão simplificada das lógicas de Ultraman. Essencialmente, a Princesa dispara um feixe de energia que a conecta a um determinado elemento (apenas aqueles com os quais pode interagir), de forma a movê-lo pelo mapa do jogo. Depois, há a Sincronização Inversa, que funciona da mesma forma ao prender-se a um objecto, mas, ao manter pressionado o LR, permite que a Zelda siga os seus movimentos, em vez de os influenciar. Por exemplo, ao conectar-se a uma aranha, com a Sincronização pode mover essa aranha e com a Sincronização Inversa pode apenas segui-la, incluindo subir uma parede.
Ao contrário de Link nos episódios clássicos, Zelda consegue saltar desde o início. Isso torna a exploração do mapa mais acrobática e estimulante, tendo umas secções de plataformas, ainda que simples, algo atípicas para a série. Para completar a componente de acção, adicionam-se as áreas de vista lateral, no estilo de Link’s Awakening, presentes tanto nas grutas quanto nas masmorras. Destaque para a funcionalidade lock-on, originalmente conhecida como Z-Targeting, é a primeira vez que aparece num episódio 2D e é surpreendentemente útil para bloquear alvos em objectos, especialmente inimigos. Se uma Réplica acabou de derrotar um monstro, por exemplo, podem indicar o próximo objectivo simplesmente apontando para ele.
A habilidade mais distintiva do jogo, no entanto, são os “ecos” que dão título ao jogo ou “réplicas” como temos vindo a chamar ao longo da análise. Zelda encontra Tri, que lhe dá um bastão mágico que pode “copiar” e “colar” objectos e monstros. Não é que consigamos clonar mesmo tudo o que vemos à nossa volta, esta mecânica está limitada aos monstros (literalmente todos, excepto os bosses) e a alguns objectos em particular, como camas, bancos, rochas e até nuvens! Fica claro que esta limitação é necessária ou poderíamos criar o verdadeiro caos no ecrã.
Basta aproximar-nos de um elemento replicável, pressionar ZR e inserimo-lo no Compêndio (uma espécie de Pokédex). Notem, porém que no caso de um inimigo, primeiro será necessário derrotá-lo. Cada Réplica tem o seu “custo”, pequenos triângulos de Tri cuja quantidade pode ser expandida durante a aventura. Isso significa que certos objectos ou inimigos que no início exigirão quase todo o vosso poder, eventualmente poderão ser invocados em massa mais adiante. Assim, é possível que adicionem no vosso Compêndio alguns elementos que são ainda demasiado “caros” para as vossas habilidades no momento, exigindo alguma estratégia consciente até ser possível invocá-los.
As Réplicas podem ainda ser usadas com funcionalidades diferentes, dando-lhes papéis adaptados às suas capacidades. Já mencionei as aranhas, sendo um bom exemplo em como podemos usá-las de formas diferentes, como entidades ou como objectos de progressão. Se forem deixadas livres, elas atacam mas se forem colocadas perto de uma parede e conectadas com sincronização, podem ser usadas para escalar.
As possibilidades oferecidas pelas Réplicas são, no mínimo, entusiasmantes. Representam uma versão mais intuitiva das lógicas de criação de veículos (e autómatos) de Tears of the Kingdom, mesmo sem terem o poder devastador de gerar soluções alternativas. Echoes of Wisdom dá-nos liberdade para experimentar e criar sem estabelecer limites ou restrições. Como em tantos outros elementos, é um compromisso vencedor entre os quebra-cabeças meticulosos do títulos clássicos de Zelda adicionando os quebra-cabeças abertos dos mais recentes mundos abertos.
Tecnicamente, porém, a nível de simulação de físicas este jogo desce uns furos. O motor de Echoes of Wisdom não é tão brilhante quanto o de Breath of the Wild, vendo como alguns objectos afundam pelo cenário, como as pedras e outros flutuam, como os caixotes de madeira. A nível químico, alguns objectos pegam fogo como a relva, outros apagam-se como tochas expostas ao vento. Tudo funciona bem, notem, mas é evidente que certos objectos são “desenhados” para desencadear algumas reacções necessárias a bem da jogabilidade e não acontecem organicamente ou de forma realista.
Contudo, não estou a considerar que esta seja realmente uma falha de Echoes of Wisdom. É algo criado, claramente, para ajudar na progressão de cada nível. A verdadeira falha, para mim, é a gestão do menu destas Réplicas. Com a compreensível vontade de evitar os abundantes ícones dos RPGs ocidentais, a Nintendo e a Grezzo criaram um menu mais simples mas que cai por terra quando já coleccionaram dezenas e dezenas de Réplicas. É útil poder ordená-las conforme o nosso gostos (mais usadas, mais caras, mais recentes) mas continua a ser uma organização um tanto caótica.
As Réplicas são, de facto, um sistema ambicioso e corajoso mas acho que dificilmente o veremos novamente no futuro. A não ser que Echoes of Wisdom tenha uma sequela directa, parece-me complicado que volte a ser usada num outro jogo. É que a abordagem estrutural deste jogo é muito peculiar. Poderá marcar uma nova era para toda a saga ou simplesmente tornar-se num “one shot”. Diria que este trabalho ousa enveredar por onde Tears of the Kingdom não se aventurou, ao misturar géneros. Contudo, não vejo isto como algo a continuar no resto da franquia. Excluindo pequenas falhas, consegue misturar bem as lógicas clássicas da série Zelda com as de mundo aberto à exploração, mas parece mais um “spin-off”.
Além disso, Echoes of Wisdom não tem propriamente a mesma dimensão que outros jogos do género. Este é um pequeno mundo aberto, sendo até possível imediatamente explorar quase toda a terra de Hyrule, ignorando até a missão principal. Só que, na verdade, isto representa uma das maiores inconsistências do jogo. Ao contrário de Breath of the Wild, algumas missões principais estão disponíveis apenas após terem sido completadas outras, dando-nos um sentido de progressão e descoberta um tanto linear demais para um jogo de mundo aberto. Mesmo assim, porque podemos explorar o mundo livremente, podemos alcançar a suas áreas mais cedo do que o esperado e, porque as missões não estão lá, estas áreas são muitas vezes vazias ou desprovidas de detalhes, numa clara falha na concepção.
Visualmente, Echoes of Wisdom apresenta o mesmo estilo gráfico do jogo anterior (Link’s Awakening) sem ser uma sequela directa. Esta Hyrule é uma mistura entre a já conhecida de A Link to the Past, com algumas localizações com de Breath of the Wild. Deste último, partilha algumas nomenclaturas, bem como novas regiões. Temos a selva (habitada pelos Deku) ou o Monte Hebra. Até o Deserto Gerudo, com seus habitantes guerreiros, remete aos episódios tridimensionais. No geral, gostei muito do mapa, embora acredite que já fosse altura da Nintendo correr mais riscos, criando novas raças e mais ecossistemas. Uma novidade importante para um novo jogo tecnicamente bidimensional é que é livremente explorável, até verticalmente, inspirado em jogos de mundo aberto. Podemos escalar árvores e atravessar grandes porções do mapa “saltando” para o caminho ideal.
Em termos de estilo gráfico, mesmo assim, certamente não podemos reclamar. Pode não ser o mais original de todos, mesmo com as imagens mais caricaturadas que nos títulos anteriores mas, visualmente, Echoes of Wisdom, assim como foi Link’s Awakening, é muito agradável. Parece um mundo feito de plasticina, com personagens kawaii e água que parece fluir de um tubo de tinta bem diluída. Se realmente tivesse que reclamar neste campo, poderia apontar para o facto de estarmos habituados a estilos únicos para cada The Legend of Zelda, enquanto que este jogo claramente replica o clássico lançado no Game Boy. Além disso, notarão certos temas da trama não se encaixam muito bem com este design escolhido.
Em áreas bem mais específicas do visual, a meteorologia, algo central em Breath of the Wild, é aqui sintetizada para algo mais funcional mas, por causa disso, é sem dúvida algo menos envolvente ou impactante, por vezes até menos “elegante”. Por exemplo, não existe uma medição de temperatura em tempo real, o que cria problemas em áreas particularmente quentes ou frias, necessitando intuir com o que nos rodeia. Só que, por vezes, não conseguimos antecipar com poções de forma tão lógica. Também o único fenómeno atmosférico presente, a chuva, por vezes em tempestades, é infelizmente limitada a certas áreas. E também não há, como sempre nos episódios bidimensionais, uma alternância entre dia e noite.
A banda sonora, por outro lado, é de pura excelência. Talvez seja porque as mesmas figuras-chave de Tears of the Kingdom estiveram envolvidas nesta produção. As melodias e efeitos sonoros de Echoes of Wisdom estão um passo à frente nesta oferta, diria mesmo que superam o seu aspecto gráfico. Os temas são de óptimo gosto, variados e refinados, com diferentes instrumentos associados a cada região e a cada povo com quem interagimos. Por vezes, esquecemo-nos como a banda-sonora e os efeitos sonoros são tão importantes nos videojogos mas, aqui, temos um bom exemplo em como podem ser óptimos complementos da oferta.
Veredicto
Arrisco dizer que The Legend of Zelda: Echoes of Wisdom é o melhor “Zelda 2D” das últimas décadas. Oferece uma aventura de rara e muito agradável qualidade, com uma criatividade transbordante, que deixa grande liberdade ao jogador. Isto, sem nunca perder de vista a intuição das mecânicas e sem conceder-lhe o potencial de desestabilizar o design fluido do jogo. As Réplicas são estimulantes de coleccionar, usar e combinar umas com as outras, dando constantes soluções alternativas ao jogador. A corajosa mistura entre a fórmula clássica da série e a mais recente é, indiscutivelmente, bem-sucedida. O seu mundo aberto em miniatura, é imperfeito, com algumas regiões algo vazias e pouco entusiasmantes se visitadas na “hora errada”. O framerate das áreas abertas, ao jogar na TV, é constantemente incerto. Apesar disso, é um jogo que tenho de recomendar, principalmente aos fãs de Zelda… sim, Zelda. Não nos enganámos.
- ProdutoraGrezzo
- EditoraNintendo
- Lançamento26 de Setembro 2024
- PlataformasSwitch
- GéneroAventura
Óptimo, aconselhamos a apreciar ao máximo.
Mais sobre a nossa pontuação- Excelente mistura entre formula clássica e mundo aberto
- Mecânica de réplicas, o seu uso e coleccionismo
- Boa progressão narrativa
- Banda-sonora
- Algumas áreas estão demasiado vazias quando visitadas na "hora errada"
- Menu de réplicas confuso
- Framerate varia muito com a Switch na doca
Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.