The-Lord-of-the-Rings-Gollum (6)

Análise – The Lord of the Rings: Gollum

O intrincado universo de J.R.R. Tolkien, é um marco da literatura de fantasia. Apesar de bem retratado com adaptações, jogos como The Lord of the Rings: Gollum fazem os fãs duvidar do futuro da franquia.

É que, recentemente, o Embracer Group (dono dos direitos de The Lord of the Rings) revelou que quer lançar cinco jogos neste universo nos próximos meses, o que, só por si, parece deixar no ar um certo “desbarato”. O risco aqui é que os jogos sejam apressados, comprimidos numa pressão de gerar capital que não lhes fará nenhum favor. É bom que TLotR: Gollum seja um aviso claro para estas produções futuras. Tal como a série de TV da Amazon que “bateu no fundo”, apesar de orçamentos astronómicos, os fãs não toleram uma adaptação das obras de Tolkien sem respeito por esse material original. Pior ainda é quando inventam o que não é necessário inventar e, ainda por cima, falham em polir bem essa invenção.

Tenho de ser sincero convosco, esta análise é um dilema. Aqui no WASD não gostamos de “vestir camisolas”. Já nos conhecem, as nossas análises são sóbrias, sem influências e, por vezes, incisivas ao ponto de provocar o devido debate sobre a própria validade dos projectos. Analisamo-los pela sua experiência, pelo que nos causam a jogar. Se, de facto, forem bons jogos, apesar de algum “ruído de fundo”, dizêmo-lo. Mas, também não nos costumamos retrair de dizer quando um jogo falha os objectivos ou é francamente mau. Dito isto, temos também de considerar as expectativas.

Já vou falar um pouco da parte técnica, que é como a “casca quebrada de um ovo mal cozido”… desculpem a analogia. Por agora, vou só dizer que a maior causa do desapontamento deste jogo, é o hype gerado pela Nacon e pela Daedalic Entertainment junto dos fãs. Além das imensas campanhas de divulgação, também é preciso notar que o jogo foi destacado em quase todos os grandes eventos, incluindo os The Game Awards ou o mais recente PlayStation Showcase. Nenhum “pequeno indie” de produção humilde terá tanto destaque por aí, concordam? Estaria aqui um êxito em potencial?

Olhando para o passado, a produtora Alemã, de facto, não teve grandes lançamentos que se possam afirmar “memoráveis” ou “de topo”. De facto, se consultarem o seu portfólio, aposto que não reconhecerão muitos dos seus jogos de produção interna (não confundir com os jogos que a Daedelic publica como editora), se é que reconhecem algum. Por isso, confesso, as minhas expectativas eram inicialmente modestas, especialmente por causa dos inúmeros adiamentos que o jogo teve. Mas, hey, geralmente é bom sinal que uma produtora adie um lançamento a bem do polimento, certo?

Eventualmente, porém, por mais que nenhum trailer me entusiasmasse, também eu fiquei com alguma curiosidade mais elevada que o costume para ver o que aí vinha. Por um lado, confiei na produção que dizia que tinha uma nova história mas que seria fiel ao lore original, criada com a supervisão de “especialistas” nas obras de Tolkien. Tudo bem, os fãs “arrepiam-se” sempre que ouvem falar de “histórias originais”, uma vez que os livros clássicos de Tolkien são tão ricos que não parece ser realmente necessário inventar mais nada. Ainda assim, há alguma margem para isso, recordando, por exemplo, Shadow of Mordor.

Também tenho sempre um certo cuidado em valorizar os jogos de produção e orçamento modesto, havendo muitos exemplos de “pequenas pérolas” de criatividade e de conceitos engenhosos. Embora nunca pudesse mesmo achar que TLotR: Gollum fosse um projecto “Indie”, também não me pareceu nunca que fosse propriamente um “AAA”, pelo menos de aspecto e olhando para o tal palmarés da Daedelic. Infelizmente, alguém pensou de outra forma e vendeu o jogo a preço de título AAA. O que, aliando ao tal hype que já mencionei, criou uma ilusão do que este jogo poderia ser.

Ora, podemos sempre “proteger” um jogo de 20€ ou menos, porque a produção não tem ambições desmedidas e coloca uma etiqueta de preço a condizer. Um jogo até 40€ já merece um escrutínio mais elevado, mesmo que, ainda assim, demos uma margem para possíveis falhas ou erros de conceito. Agora, por 60/70€ e com edições especiais ainda mais caras, por favor não entreguem títulos sem polimento, com bugs ou com falhas profundas de conceito, especialmente depois de o adiarem por largos meses (anos, mesmo).

Repararam que tudo isto foi apenas uma introdução. Ainda não comecei sequer a falar do jogo em si. Já devem ter adivinhado que o que tenho a dizer a nível de conceito e técnica não será muito simpático. Mas, quero que fiquem com toda a certeza que o que vou dizer é perfeitamente justificado. Lendo o que li por aí nos últimos dias, achei que muitas análises e comentários são exagerados, exactamente porque as expectativas eram outras. Porque não tinha grande esperança de algo memorável, talvez tenha entrado menos “enganado”. Todavia, também me custa falar neste jogo.

Sim, sou fã de Tolkien, dos livros originais (claro) e dos filmes de Peter Jackson. A já mencionada série da Amazon deixou-me um “amargo” que não consigo ultrapassar, pela forma leviana como se abordam franquias de longa data nestes dias. Este jogo é mais uma continuação desse desapontamento que, sinceramente, não tenho grande vontade de continuar a alimentar. Por isso, vou ter de deixar de lado esse manto de “fandom” e falar do jogo do plano puramente técnico. Talvez assim entendam porque acho que Redfall, agora, até é “aceitável”.

A história deste jogo pretende fazer uma ponte entre os eventos do livro (e filmes) The Hobbit e The Fellowship of the Ring (A Irmandade do Anel). Ou seja, quando Bilbo Baggins descobre o anel e engana Gollum nas Misty Mountains, fazendo-o partir cegamente no seu encalço. Perdido na sua loucura, uma série de eventos provocam a sua captura pelos infames Nazgûl. Apesar de Gollum revelar que o anel foi levado pelo Hobbit, os Ringwraiths não o perdoam e enviam-no para as tenebrosas masmorras de Barad-dûr em Mordor. Até aqui, tudo isto é mais ou menos “canónico”, baseado nos livros e contos inacabados de Tolkien.

Contudo, começa cedo uma introdução de eventos inventados e personagens novas, como um tal de Candle Man que serve como principal antagonista. Com isto, a Daedalic inicia uma série de invenções narrativas que não parecem fazer mais nada que preencher o vazio técnico desta história, descrita nos livros como “uns anos em Mordor”. Uma boa parte do jogo é passada em Barad-dûr, de onde sabemos que Gollum, eventualmente, fugirá. O que deveria ser apenas um parágrafo na vida do protagonista, porém, torna-se numa série de capítulos longos, preenchidos com imensa “palha” trivial.

Quando finalmente pegarmos no comando, começamos a perceber mais alguns problemas, agora também na concepção do jogo. Nas imagens promocionais, foi dado a entender que teríamos um jogo de acção furtiva sobre a vida do protagonista, a lidar com a personalidade dupla de Gollum/Sméagol, no que sempre me pareceu a algo positivamente paralelo com o lore original. Mas, não é bem isso que estarão a jogar. Notarão que a primeira metade de jogo é composta por tarefas rotineiras, vida na prisão, portanto. Finalmente, acontecerá uma fuga desajeitada do protagonista, para servir os desejos de Sauron e tentar reaver o seu amado anel.

No entanto, não consigo ver os grandes frutos da tal consulta a “especialistas” no lore para criar esta história, sinceramente. A personagem é muito mal retratada, com uma personalidade e comportamento muito diferentes do original, até fazendo amigos e controlando animais e humanos, como “companheiros”. Hã? Estamos a falar do mesmo Gollum? Há imensos diálogos inócuos, muita conversa de bastidores e uma inexplicável tentativa de constantemente nos fazer simpatizar com este ser. Gollum é um vilão, malta da Daedelic. É nos livros e é nos filmes. Para quê tentar criar esta empatia, “especialistas”, se sabemos bem onde vai parar?

Tudo bem, depois de fugir da prisão, esta tendência “simpática” parece desvanecer um pouco, especialmente quando chegamos a Mirkwood, é dado a entender que a “simpatia” é algo superficial para ajudar nos seus objectivos. Alías, o Rei Elfo Thranduil tem perfeita noção do quão vil pode ser o ex-Hobbit. Mas, até nesse momento é inevitável sentirmos pena deste ser que, na verdade, é um perigoso maquinador, assassino e incrivelmente mentiroso. Aqui é um oprimido, uma inocente vítima de roubo, sempre prestável e incompreendido, inclusive por esses “asquerosos” elfos que têm a mania que são superiores…

Enredo de lado, porque já perceberam que é só um acessório para justificar o alargamento para cerca de 20 horas de jogo, do que devia ser uma mera meia hora de história de fuga, o resto da oferta também não acompanha as tais expectativas. É que, enquanto prisioneiro e nas primeiras horas, vamos literalmente aborrecer-nos com as já mencionadas tarefas desinteressantes na prisão (como reunir animais numa jaula, por exemplo), uns quantos puzzles fastidioso, vários diálogos extensos e inconsequentes, criando muitos momentos aborrecidos. O que pode mesmo fazer com que desistam, antes mesmo de chegar à parte de realmente fugir de Mordor.

Em muitos momentos, perguntamos “qual é o objectivo?” ou “o que é que isto contribui para a grande história principal?”. Bom, arrisco dizer-vos que não há grande objectivo final e o contributo é pouco ou nenhum. Este é um jogo perfeitamente linear, onde sabemos perfeitamente qual é o seu desfecho. Não há aqui reviravoltas, revelações ou uma construção de algo maior mais para a frente. Tudo é uma “passagem de tempo” para os eventos futuros, sem grande serviço aos fãs, diga-se de passagem. Não vou dizer que é uma perda de tempo mas… ok, é mesmo uma perda de tempo. Mas, nem só por isso, reparem.

É que a pior parte do jogo não é a sua linearidade, nem sequer o enorme “encher de chouriços” que temos nos primeiros actos da história. O pior de tudo é que a jogabilidade, a interacção, os movimentos, tudo o que está relacionado em pegarmos no comando e interagir, não tem o devido polimento esperado e sofre de enormes problemas no conceito. Sim, a jogabilidade de TLotR: Gollum é proporcional à sua história: desajeitada, sem substância e profundamente inconsistente.

No seu rigor, este é, de facto, um jogo que depende muito da acção furtiva. Mas, a palavra “acção” aqui é usada de forma muito, mesmo muito, livre. Não há combate, propriamente dito, excepto em (muito) raras ocasiões em que Gollum consegue emboscar inimigos e asfixiá-los. No resto do tempo, se não estivermos a executar alguma tarefa aborrecida, vamos esgueirar pelas sombras, trepar plataformas e evadir de inimigos cuja inteligência artificial deve estar muito afectada por hidromel a mais.

Acho que a produção andou a jogar muito a série A Plague Tale, apanhando muitas “similaridades”. Todavia, onde esses jogos brilham, aqui temos o que parece ser uma cópia desajeitada, especialmente nas lógicas e mecânicas furtivas. Todos os movimentos e transições entre andar, correr e agachar são estranhos, saltar ou transitar de plataformas é uma incógnita pela sua inconsistência, a detecção dos inimigos é inconsistente, entre o “estúpido” e o “sagaz”, tudo isto “premiado” com uma câmara de jogo que é tão culpada por nos matar, como a nossa aparente falta de perícia.

Sim, Gollum vai morrer muito mais por cair de uma plataforma porque não vimos onde acaba, porque falhámos no “golpe de vista” a saltar de uma plataforma, porque saltámos fora de ritmo ou porque simplesmente ficamos sem perceber para onde ir. Não digam, porém, que isso é só falta de experiência. Há mesmo uma enorme inconsistência da interacção. Por exemplo, em algumas plataformas é possível saltar mais longe que outras… por qualquer motivo. É assim porque naquela secção tem de ser, mas na próxima secção já não saltamos tão longe. O que anula uma possível “memória mecânica” dos jogadores.

E não me façam falar das secções de escalada, porque aí a frustração é ainda maior, com tanta coisa que falha. Ou quando são obrigados a usar o sistema de companheiros que é tão falível quanto é ilógica. Ainda tenho de mencionar o incrivelmente duvidoso esquema de moral entre Sméagol e Gollum, algo que a produção chegou a promover como uma peça central do jogo. Não é, de todo. Só há uma linha de “diálogos” possível para conseguir fazer algo, numa lógica de “tentativa-erro” que, francamente, é desinteressante e pouco desenvolvida.

Enfim, o jogo é difícil de digerir, como é difícil de jogar continuamente. Não apenas pela frustração dos controlos e das lógicas de jogo mas também porque é mesmo difícil jogá-lo consistentemente. Este título tem tantos bugs que cheguei a por em causa se era alguma versão alpha ou beta. Falhas de sincronismo nas animações, especialmente nas cenas intermédias, paredes invisíveis onde ficamos presos sem hipótese de fuga, falhas nas detecções de colisões, “freezes” constantes e inexplicáveis, erros nas modelações das personagens, “pop-ins” de objectos à distância, entre muitos outros problemas constantes.

Há também uma certa noção que todo o grafismo é inconsistente. Embora tenhamos cenários muito bem desenhados, com uma atmosfera muito bem conseguida e com uma imersão impecável, gerando uns poucos momentos de deslumbre, graças às secções muito bem iluminadas ou sombrias, o resto falha. As próprias personagens, especialmente a personagem central disto tudo, parecem concebidas há 10 anos atrás. A sério, qualquer imagem de Gollum fala por si, parecendo uma figura feita para a PS3/X360. Não entendo porque não foi tido mais cuidado com… o próprio protagonista!

É possível que estejamos tão habituados à imagem de Gollum dos filmes e que nos seja difícil aceitar outra representação da personagem. Sim, a produção já tinha avisado que a sua imagem seria algo diferente, mais baseada nos livros. Mas, de tanto fugir a esse conceito de Peter Jackson, fica a ideia que algo correu mal na criação da personagem e que algo correu ainda pior na sua animação. Do aspecto “robótico” das suas expressões faciais, ao seu aspecto de “marreta de ressaca”, seria de esperar mais cuidado em criar o fulano que dá título ao jogo.

Estou aqui a tentar falar de algo positivo no jogo, a sério. Mas, não é fácil. Talvez como única redenção possível… o jogo não “crashou” uma única vez na nossa análise na PS5. Tive de reiniciar o jogo várias vezes porque fiquei preso numa parede invisível, sim, mas nunca porque visitei inadvertidamente o menu principal. Só se carreguei para sair pela frustração mas, isso não conta. É bastante irónico que este pormenor seja um ponto positivo, eu sei. Mas, olhem que, em alguns momentos, quis mesmo que o jogo “crashasse” para parar de jogá-lo…

Finalmente, um pormenor que, não sendo muito relevante para a maioria, não posso deixar passar a oportunidade de o mencionar. Há uma edição especial deste jogo que inclui, entre outras coisas, uma opção de áudio para que os diálogos incluam linguagem élfica, Sindarin e também um importante compêndio sobre o lore da franquia para entenderem melhor alguns eventos do jogo. Se acharem que isto não devia ser pago à parte e vos soa a um oportunismo para ganhar um extra com os fãs, não estão sozinhos.

Outras ofertas destas edições são a banda-sonora oficial e a arte do jogo (isto sim faz sentido comprar à parte), além de… emotes para Gollum! Ok… Essa Edição Precious custa mais 10€ que a standard, o que não é uma grande diferença. Contudo, é mesmo uma compra adicional por coisas que deviam fazer parte do jogo original ou que não são de real valor pelo extra. É possível comprar estes items em separado, descartando os elementos inúteis mas… já adivinharam… individualmente sairá mais caro. Má estratégia, quanto a mim. Chega a ser desrespeitoso para os fãs.

Veredicto

Há um bom motivo para a própria Daedalic Entertainment pedir desculpa por este jogo. The Lord of the Rings: Gollum é um exemplo triste de como se pega numa franquia de sucesso, se cria algo “meio feito” mas se publicita como a “próxima grande coisa” nesta indústria. Não é. Se a história “esticada”, além do aborrecimento que consegue produzir, não chegarem para frustrar, os controlos e lógicas de jogo serão suficientes. Aliando a isto os imensos bugs e inconsistências técnicas, não é um descalabro técnico, de facto, mas não impressiona em quase nada e falha em muitos pormenores que não devia. Não podemos aconselhar de forma alguma este jogo, muito menos para os fãs de J.R.R. Tolkien que esperavam aqui algo à altura desse legado.

  • ProdutoraDaedalic Entertainment
  • EditoraNacon
  • Lançamento25 de Maio 2023
  • PlataformasPC, PS5, Xbox Series X|S
  • GéneroAventura, Plataformas
nr
Não Recomendado

Não podemos aconselhar, os detalhes positivos não chegam para esquecer onde falha.

Mais sobre a nossa pontuação
Não Gostámos
  • História aborrecida e demasiado espremida
  • Interacção tosca no geral
  • Imensos bugs e erros
  • Grafismo inconsistente
  • Preço de AAA por um jogo de baixo orçamento
  • Ter de pagar por coisas que deviam fazer parte do conteúdo base

Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.

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