TheMedium (hd)

Análise – The Medium

Há certos temas que mexem connosco. Em determinados jogos, o terror linear, com monstros, muito sangue e sustos abundantes, tem a sua legião de fãs. A Bloober Team sempre apostou em algo um pouco diferente, no que chama de “terror psicológico”. The Medium é, quem sabe, o seu exemplar máximo.

Este estúdio Polaco não é nosso desconhecido. Fundado em 2008, trouxe-nos o início da famosa e arrepiante série Layers of Fear em 2016. Depois trouxe-nos o igualmente aclamado Observer, este no género cyberpunk. Em 2019, Layers of Fear 2 e Blair Witch consolidaram esta produtora na especialidade do terror, experimentando algumas mecânicas e truques para nos fazer saltar da cadeira. De facto, há duas eras para a Bloober, desde a fundação até 2016 andou pelos puzzles, estratégia e acção trivial e depois… é como se alguém tivesse feito um exorcismo lá no escritório. Contudo, The Medium introduz um novo conceito, mais pausado, mais empenhado em mexer com a nossa percepção, que simplesmente assustar-nos.

O vídeo acima é a melhor forma de vos explicar quem é Marianne. Esta jovem possui um estranho dom de poder deambular pelo mundo dos espíritos. Este dom tem vindo a ser reprimido por Marianne mas acaba por ser “normal” na sua vida. Basicamente, consegue interagir com os espíritos observando o seu mundo e dialogando com eles de uma forma paralela. Na introdução, Marianne ajuda o seu pai adoptivo a encontrar o caminho para o descanso eterno, o que faz com que o seu espírito perturbado deixe de assombrar a nossa realidade. A protagonista é, portanto, um veículo de auxílio, alguém destinado a investigar acontecimentos paranormais e trazer equilíbrio entre os dois mundos. Uma médium.

Depois desta introdução, Marianne recebe uma estranha chamada. Nenhum de nós jamais iria aceitar dirigir-se para um resort turístico abandonado da era Soviética, só porque um anónimo chamado Thomas nos ligou e pediu para lá ir. Ainda por cima, a pedir ajuda sem quaisquer explicações. Só que a nossa protagonista é diferente. Não se assustando com a estranheza e tom sobrenatural da chamada, até porque a voz no outro lado lhe soa a familiar, parte à aventura na direcção do misterioso hotel Niwa. Lá chegando, é confrontada com o poder sobrenatural deste hotel, ao que parece, palco de uma chacina inexplicável que o deixou abandonado e em ruínas. Mas, como devem calcular, em ruinas está, de facto, não está é realmente abandonado…

Quem me conhece, sabe que eu não sou particularmente fã de jogos de terror. Não é um género que me sinta compelido a jogar. A ideia de um jogo que nos assusta pela piada de nos assustar, sempre me demoveu de os jogar. Por outro lado, não aprecio a abordagem de alguns títulos neste género a alguns temas do foro emocional ou religioso. Ainda assim, The Medium conseguiu entusiasmar-me. Não tanto pelo terror latente, mas pelo conceito da história, o novo formato dúplice da jogabilidade (já lá vamos) e o latente mistério atrás de cada nova secção. Também sou fã de puzzles, daqueles com elementos ambientais e dispostos em várias “camadas”, o que também ajuda a apreciar este título em particular.

Também ajuda bastante que este jogo seja passado na terceira pessoa. Ao contrário dos demais jogos de terror desta produtora, todos na primeira-pessoa, aqui o contexto não é “sermos” o herói mas, sim, de acompanharmos Marianne na sua investigação. Por outro lado, a Bloober Team concebeu e até patenteou um novo sistema de jogabilidade de dupla realidade, com acção paralela em que o ecrã se divide entre a realidade e o mundo dos espíritos. Num lado, a protagonista debate-se com o mundo real, no outro está o mundo distorcido do além. Por vezes, temos de transitar de um lado, para termos acesso no outro, usando algumas ferramentas e objectos presentes numa realidade ou noutra.

Esta realidade duplicada é francamente engenhosa. Mas, não é sempre beneficiada pelo seu sistema de câmara fixa. A produção apostou numa lógica de perspectivas fixas em cada secção, não sendo possível ajustá-las para melhor visualizar algum pormenor. Basicamente, as câmaras mudam enquanto nos movemos, algo que me faz lembrar os clássicos Silent Hill. Esta lógica leva-nos a pensar que estamos a ver um filme, de facto. Mas, por vezes o realizador está um pouco trocado com tantas câmaras disponíveis, fazendo demasiadas trocas. As perspectivas e as transições funcionam relativamente bem na maior parte do tempo, contudo, quando falham, deixa-nos um pouco frustrados, impedindo-nos de olhar para um corredor antes de entrar nele, por exemplo.

No fundo, está tudo feito para que a progressão seja bastante linear obrigando-nos a olhar para um lado pré-definido. Não há tiros propriamente ditos, Marianne tem a capacidade e absorver energia que pode usar para disparar raios ou criar um escudo de protecção, mas não tem uma 9mm no bolso. Também não temos muitos objectos para interagir, todos os que podemos fazê-lo estão devidamente assinalados, sendo bastante lógicos no seu uso e utilidade. Temos também um sucinto menu de itens, com algumas combinações possíveis mas, também aqui, não há grande desafio mental para os usar. Esta mesma linearidade sente-se no próprio hotel, onde há quase sempre só um caminho a seguir, com muitas secções vedadas e “paredes invisíveis”. Não há elemento de interacção na zona onde estão? Voltem para trás.

O verdadeiro desafio, portanto, está nos puzzles que o jogo nos coloca pela frente. O hotel Niwa está repleto de passagens para desbloquear e portas para abrir. Inicialmente, a ideia é procurar Thomas, a tal voz misteriosa que nos pediu ajuda ao telefone. Posteriormente, Thomas ganha outro protagonismo e cabe-nos investigar os acontecimentos passados neste misterioso Hotel, ao mesmo tempo que desvendamos o passado da própria Marianne. Qual labirinto, porém, não é uma tarefa fácil, envolve resolver vários enigmas no formato de portas fechadas, acessos improváveis ou objectos perdidos, isto intercalando entre a realidade e o mundo dos espíritos, por vezes “abdicando” do corpo de Marianne, para que o seu espírito deambule livre no plano espiritual por tempo limitado.

É, de facto, uma jogabilidade viciante que nos obriga a pensar e explorar bem as opções. Contudo, nem sempre a solução é assim tão óbvia. Há uma certa falta de ajuda quando nos perdemos em algumas secções. O jogo também não explica muita coisa nem dá muitas ajudas, apenas uns quantos textos de alguns comandos específicos. Por vezes, é necessário simplesmente retroceder para uma secção anterior e repetir um determinado processo. Mas, nada nos é dito nesse sentido. E como as câmaras nem sempre ajudam, é normal acharmos que estamos a ir pelo caminho errado, porque a perspectiva está ao contrário. Enfim, conceitos a precisar de um ou outro ajuste. Ou, então, é algo intencional para nos confundir ainda mais.

Neste género de jogos que visam impressionar-nos com efeitos visuais e, claro, alguns sustos pelo caminho (sim, a passada é lenta mas vão saltar da cadeira), é bom que o visual seja bem apurado. Tive a oportunidade de jogar The Medium tanto na Xbox Series X, onde o jogo é um exclusivo de consolas, como também no PC. Devo dizer que, apesar do PC conseguir algumas melhorias ao nível de estabilidade e alguns efeitos mais apurados, nas duas plataformas a Bloober Team fez um óptimo trabalho visual. A atmosfera dos dois “mundos” está muito bem concebida, conseguindo um paralelo interessante entre a realidade devastada do hotel Niwa e o perturbador mundo distorcido dos mortos. Os efeitos de iluminação são o destaque aqui.

Infelizmente, notei algumas questões técnicas menos positivas, como as animações faciais e os movimentos de Marianne, ora exagerados, ora quase robóticos. Na Xbox Series X notei algumas quebras de performance esporádicas, especialmente nas secções com mais elementos no ecrã. Também no PC notei alguns problemas na iluminação em alguns objectos e texturas. Nada realmente preocupante, quanto a mim, num jogo em que se nota bem o cuidado na modelação e nos efeitos especiais. O que podemos ter aqui é uma limitação nas capacidades do próprio estúdio, especialmente ao nível de orçamento. Apesar dos seus sucessos, este é ainda um pequeno estúdio Polaco com menos de 100 funcionários. Ainda é possível termos algumas melhorias técnicas em updates.

Não posso terminar a análise deste jogo, sem falar da sua sonoridade. Tenho de destacar as prestações dos actores que emprestam a voz, especialmente de Troy Baker no papel de antagonista, o infame The Maw. Mas, outro elemento extremamente importante em qualquer título de terror é a sua banda sonora. A música em jogo ficou a cargo dos compositores Arkadiusz Reikowski e Akira Yamaoka. Reikowski ficou encarregue de nos trazer a música do mundo real, segundo o próprio inspirado pela franquia Stranger Things, enquanto que Yamaoka compôs a música do plano espiritual, trazendo a sua experiência vinda da série Silent Hill. O resultado é francamente positivo.

Veredicto

Empenhado em mexer connosco, fazer-nos pensar e, de certa forma, trazer uma nova abordagem mais pausada ao género de terror, The Medium é uma demonstração de que não precisamos dos vulgares estereótipos para apreciar este género. Tem algumas limitações crónicas, como o seu sistema de câmaras fixas que resulta da sua mecânica de realidade dupla. A falta de alguma acção mais “mexida”, a perspectiva na terceira pessoa e a aposta em puzzles mais “cerebrais”, poderá afastar os que buscam uma experiência mais “in your face”. Mesmo assim, este um óptimo jogo de terror da Bloober Team, com uma mudança arrojada de formato. E não se preocupem, puristas… também tem os seus “jump scares”.

  • ProdutoraBloober Team
  • EditoraMicrosoft Games
  • Lançamento28 de Janeiro 2021
  • PlataformasPC, Xbox Series X|S
  • GéneroTerror, Thriller Psicológico
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Sem pontuação

Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.

Mais sobre a nossa pontuação
Não Gostámos
  • Sistema de câmaras fixas nem sempre ajuda
  • Falta de orientação em algumas fases
  • Pequenos problemas técnicos nas duas versões

Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.

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