Análise – Trials of Mana
Este regresso de Trials of Mana é o que podemos chamar de um renascimento moderno do terceiro jogo da série Mana, um título lançado originalmente no Japão sob o título Seiken Densetsu 3. O Ocidente só o descobriu recentemente e recebe agora esta reconstrução completa com uma nova tridimensionalidade.
É certo que no Japão existem muito e bons jogo de Role Play, os chamados JRPGs. Mas, também é bem possível que nunca tivéssemos oportunidade de os jogar. Seiken Densetsu 3 é um desses títulos raros e, de certa forma, algo desconhecidos do público geral. Foi lançado em 1995 para a Super Nintendo e foi na altura considerado por muitos como um dos melhores títulos da era de 16-bits. Uma época que hoje parece mais distante do que nunca. Isto porque, muitas vezes, a narrativa destes jogos estava subordinada à jogabilidade e à imaginação do jogador, algo tão raro hoje em dia, com tantos jogos “directos ao assunto” ou triviais no seu enredo. Trials of Mana é o reviver de um clássico renascido com mecânicas actuais, mantendo-se muito fiel ao original… por vezes, até demais.
Antes de falar deste regresso, vamos perceber como tudo começou. A série Mana arrancou na década de 90 e foi uma tentativa da Square Enix de explorar outra aventura para além da estabelecida franquia Final Fantasy. A série Seiken Densetsu começou de imediato a conquistar jogadores. E os seus motivos eram vários. Na altura, o seu grafismo super-colorido, associado a uma jogabilidade que deixava de lado os combates por turnos tão populares na altura, trocando-os por confrontos em tempo real, foram duas características que lhe deram a devida fama. Aqui estava uma alternativa sólida aos JRPGs mais regulares.
Por cá, apenas os dois primeiros títulos da trilogia receberam localizações propriamente ditas. E sempre houve uma enorme expectativa para que o terceiro capítulo tivesse o mesmo tratamento. Isso só veio a acontecer em 2019, quando a Square Enix lançou Collection of Mana para a Nintendo Switch. A pouco e pouco, Seiken Densetsu 3 recuperou timidamente um lugar no centro das atenções, apesar de tudo. O que fez com que a Square Enix decidisse fazer agora uma completa e muito legítima remasterização, tão pedida pelos fãs dos originais. A tal que vamos falar agora.
A história gira em torno de seis personagens diferentes. No início do jogo, podemos escolher o protagonista dessa história e mais duas personagens que se juntarão a ele durante a aventura. A escolha da personagem irá determinar o prólogo e epílogo da trama, assim como as suas várias interacções. Como devem calcular, todas as personagens acabarão por cruzar os seus caminhos, mas aqueles que não foram escolhidos terão um papel mais secundário nos desenlaces.
Na verdade, os enredos não são realmente seis diferentes, mas apenas três. Isto, porque as personagens partilham-nos aos pares, em três linhas de história distintas. Escolhendo um desses pares no início do jogo, a narrativa será mais coesa, graças ao maior número de interacções que envolvem essas personagens. Ou seja, faz com que falem mais entre si. Desta forma conseguimos traçar melhor as suas personalidades.
Se isto soa a confuso, eu explico. Embora tenhamos que escolher aquele que será o nosso herói principal e os outros dois que o acompanham em pano de fundo, a estrutura do enredo foi dividida por duplas. Com Duran e Angela terão como inimigo Dragon Lord, Hawkeye e Riesz lutarão contra Dark Majesty e por fim, Kevin e Charlotte serão perseguidos pelo Masked Mage. De resto, eventualmente, tudo acaba por convergir.
Trials os Mana, acaba por seguir fielmente um estrutura base, apesar destas divergências na história. A trama comum invariavelmente leva-nos ao contacto com uma fada que veio de Sanctuary of Mana. Este ser lendário precisa encontrar alguém que a possa ajudar a salvar a Mana Tree, um local que abriga a lendária Sword of Mana. A nossa aventura muda então de direcção, com o trio a atravessar por uma série de desafios, para encontrar espíritos de elementos que irão guiar-nos até à tal árvore. Só assim conseguiremos proteger o mundo do iminente ataque de oito monstros gigantes conhecidos como Benevodons.
Embora, como já disse, o prólogo e o epílogo mudem de acordo com o protagonista, a aventura permanece aproximadamente a mesma, independentemente da combinação da equipa formada. No entanto, esta lógica de enredos agrupados altera a ordem em que os locais são visitados e as várias personagens com que nos cruzamos. O que se torna num óbvio convite a jogar novamente. Mas, até certo ponto.
Se em 1995 os títulos tinham de ser inventivos onde podiam para ultrapassar as limitações na Super Nintendo, hoje a situação é algo diferente. Trials of Mana propõe uma abordagem nostálgica em relação ao original, é certo, mas consegue invocar essa ingenuidade apenas em parte. A transição para três dimensões e a apresentação mais “cinematográfica”, traem um pouco o pretendido. Dão um ritmo mais apressado e uma representação mais amadora a uma história que se mantém, essencialmente, como um conto de fadas com alguns clichés à mistura. Apesar de tudo, Trials of Mana faz exatamente o que muitos fãs gostariam de ver num glorificado regresso mais polido de um clássico. Para todos os efeitos, é isto que esperamos de uma remasterização: colocar a tecnologia ao serviço da nostalgia. Assim, respeitando fielmente o original, há algumas cedências que se fazemos, a bem de um respeito pelas mecânicas e lógicas datadas de um clássico. Obviamente, é uma escolha deliberada, que se concentra, acima de tudo, no cuidado obsessivo dos velhos sprites transformados em modelos 3D. Mas, é preciso mais para “modernizar” um jogo para os padrões actuais.
Muito foi feito para que este jogo se modernizasse noutros campos. A imagem é sempre fluida e limpa, o mundo do jogo é colorido e detalhado, as animações são convincentes durante as lutas, embora ache que são menos interessantes nas cenas intermédias. Nas mais de vinte e cinco horas necessárias para completar a aventura, cruzei-me com todos os inimigos do original, redesenhados com enorme respeito por um título que, em 1995, era tão limitado. A título de destaque, Trials of Mana agora emprega uma câmara livremente controlável que segue o jogador, como numa aventura na terceira pessoa. Um luxo impossível nos anos 90.
Face ao aparente orçamento mais reduzido de outra séries mais desejadas e famosas (Final Fantasy), parece-me que a Square Enix direccionou todos os seus esforços para o outro aspecto com que Seiken Densetsu 3 se destacou na sua era de 16-bit: A jogabilidade. Enquanto segue a narrativa, esta projecto de rejuvenescimento levou a produtora a recriar praticamente todos os mapas do jogo em três dimensões, implementando pelo meio algumas mecânicas de plataformas. Sim, é verdade, agora é até possível saltar. Nesse ponto, foi feito um excelente trabalho, dando alguma verticalidade aos mapas.
Os inimigos ainda nos esperam sempre em pequenos grupos e em pontos fixos do mapa, atacando à vista. Nada de novo aqui. Nesse momento, o cenário transforma-se num campo de batalha e o jogador assume o controlo directo de uma personagem da equipa. Os outros dois heróis são controlados pela modesta IA, até que decidamos assumir o seu controlo.
O sistema de combate envolve o uso de ataque básico rápido e um ataque mais poderoso e lento, que pode quebrar defesas e gerar cristais de CS. Estes cristais aumentam um indicador na vida das personagens. Os ataques cinemáticos CS, ou Class Strikes, são os que usam o tal indicador e causam muitos danos com uma animação espectacular. O importante será sempre equilibrar os ataques rápidos com os mais poderosos, sem esquecer, claro, de nos desviarmos dos ataques inimigos. Como seria de esperar, ao longo do jogo irão cruzar-se com inimigos mais complexos e desafiantes, variando o desafio.
Não é um sistema de combate particularmente sofisticado, tendo já sido tão usado e reciclado ao longo dos anos, sobretudo no género “hack’n’slash”. Mas, diria que dá conta do recado, garantindo a necessária diversão, aliada a uma simplicidade de controlos bem vinda. Nas lutas com os bosses, reparei que é necessário alguma estratégia, não chegará apenas usar de força bruta. Até porque Trials of Mana oferece uma boa variedade de feitiços e habilidades especiais adicionais. E ainda terão de ter bastante atenção ao ciclo de dia e noite, já que afecta a efectividade dos elementos.
Em alguns momentos, o jogo fica frenético, algo que é prejudicado pelo facto do jogo não perder muito tempo a explicar mecanismos importantes. A mudança de classe é um bom exemplo. Ao atingir determinados níveis de experiência e requisitos específicos, é possível que as personagens mudem de classe, para se especializarem num ramo específico do seu “tipo”. Angela, por exemplo, pode optar por se tornar numa feiticeira. Cada classe muda imensos pormenores, inclusive habilidades e ataques de classe, que consomem mais cristais, causando mais dano também. Mas, em muitas circunstâncias, acabei por fazer muitas coisas por “tentativa-erro”, um método que me levou a experimentar demais estas interacções que o jogo podia simplesmente explicar com mais detalhe.
Veredicto
Mesmo tendo sido lançado perto de uma outra remasterização importante da mesma editora, tendo com um orçamento claramente mais limitado, Trials of Mana consegue destacar-se. Seja por reviver um clássico de forma tão fiel, seja pelo seu aspecto e mecânicas mais actuais e que funcionam muito bem em conjunto. A estrutura da história podia ser um pouco modernizada, é verdade. Mas, percebemos que foi uma escolha deliberada para seguir o original da forma mais fiel possível. Nestas remasterizações, reboots e remakes, é sempre difícil equilibrar a nostalgia do clássico com a necessidade de modernizar a jogabilidade. E este é um bom exemplo desse débil equilíbrio.
- ProdutoraSquare Enix
- EditoraSquare Enix
- Lançamento24 de Abril 2020
- PlataformasPS4, Switch, Xbox One
- GéneroRole Playing Game
Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.
Mais sobre a nossa pontuação- Sistema de combate modernizado
- Reconstrução total em 3D
- Direcção Artistica
- A história merecia uma modernização na estrutura
- Nota-se que é de um título de outra época
- Alguma pressa a empurrar-nos na trama
Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.