Análise – Ultimate Football League
Numa era em que EA Sports FC 25 não parece ter concorrência à altura, eis que Ultimate Football League da desconhecida Strikerz Inc. surge para tentar fazer o que eFootball não consegue há alguns anos: mudar vontades.
Há décadas que os jogos de futebol lutam com a mesma dificuldade: licenciamento. Se EAFC25 detém a vasta maioria das licenças de clubes e competições, açambarcando tudo o que é ligas e taças mais vistosas, é complicado para qualquer outra produção vingar neste meio. Aliás, mesmo quando uma outra franquia, como o já mencionado eFootball o tenta fazer, o único efeito imediato que temos é vermos equipas fictícias no lugar das originais, o que também não serve muito bem aos fãs deste desporto. Longe ainda de se igualar a sério nesta “guerra”, UFL veio intrometer-se na disputa. Não é, realmente, no conteúdo que poderá fazer a diferença mas, que dizer do resto da sua oferta?
Quando estamos satisfeitos com um jogo, dificilmente vamos por aí em busca de alternativas. Contudo, no que toca ao que a EA Sports tem feito nos últimos anos, fica bem claro que há espaço para algo melhor e mais apurado. Não é que EAFC 25 seja um mau jogo, se o fosse não teria o sucesso que tem. Contudo, ao vermos que a sua principal vantagem é mesmo a quantidade de conteúdo, é perfeitamente normal que a qualidade do mesmo entre numa fase mais de “manutenção”, que propriamente de evolução. Quando jogamos títulos como UFL, entendemos que há mesmo margem para fazer melhor e só desejávamos que a quantidade fosse realmente transversal a todos os jogos.
Porque jamais a Strikerz conseguiria obter as mesmas licenças que a Electronic Arts angariou desde há anos com a sua parceria estreita com a FIFA e UEFA, é mesmo aí que ficaremos desapontados com este jogo. Mesmo tendo o dinheiro de investimento de Cristiano Ronaldo e contando com embaixadores de renome como Kevin De Bruyne (Manchester City), Romelu Lukaku (Nápoles) ou Roberto Firmino (Liverpool), não há milhões de Euros e imagem de celebridades que valham à produção, para obter licenças de clubes ou de competições se são exclusivas noutros lados. Por mais que achemos que o que interessa é a jogabilidade, não ter os clubes que conhecemos e gostamos para jogar é um tanto desapontante.
De facto, só temos aqui um punhado de clubes para jogar, sem nenhuma licença oficial de competição. Nota-se que UFL ficou-se pelos clubes menores que não possuem grandes filiações ou alcance desportivo, muito menos os que possuem patrocínios directos ou relacionados com a EA. Por cá, contem com o Sporting CP, certamente por causa da afinidade que o patrocinador Ronaldo tem pelo clube. Lá fora a oferta é ainda menos interessante, com PSV Eindhoven, Shaktar Donetsk, Bayer Leverkusen, West Ham United, AS Monaco ou Besiktas. Felizmente, UFL tem uma parceria com o sindicato FIFPro, que lhe permite replicar todos os jogadores fielmente, podendo à mesma jogar com os maiores craques mundiais.
Mas, por estarmos tão mal habituados, claramente esta oferta não chega. A ideia de criar equipas fictícias, onde até podemos trilhar em ligas de fantasia, numa óbvia tentação de construir “dream teams”, é óptima, largamente explorada por modos de jogo como Ultimate Team em EAFC ou a lendária Master League de PES/eFootball. Mas, há um motivo pelo qual a EA aposta tanto nas licenças. Todos queremos jogar com as maiores equipas do mundo em ligas e competições de enorme envergadura, não há volta a dar. A aposta em épocas de conteúdo poderá trazer mais e melhores novidades neste campo das licenças, mas duvido que seja realmente algo para esperar uma “revolução”.
Apesar do modelo “free-to-play” ser óptimo para aceder ao jogo sem receios de investimentos financeiros iniciais elevados, um dos elementos que poderá causar algumas dúvidas é que o jogo não seja sustentável a longo prazo, desencorajando o nosso próprio investimento de tempo e dedicação. A Strikerz estava consciente deste mesmo receio geral e partiu para uma base de monetização firmada em micro-transacções, com a compra de divisa em jogo em jeito de suporte financeiro para a produção. Contudo, a promessa é que nada nessas compras afectará a jogabilidade em si, com o que a empresa chama de modelo “Fair-to-Play”.
Por outras palavras, apesar de poderem comprar divisa para gastar em itens de jogo, estes itens serão sempre cosméticos ou secundários, deixando tudo o resto em aberto, entre jogadores e tácticas, para garantir que as vitórias em campo serão sempre baseadas na perícia e habilidades individuais, não no tamanho das carteiras. É, contudo, uma promessa complicada de manter. Só com itens cosméticos, não parece que o jogo seja realmente sustentável a longo prazo. Outros jogos usam estratégias de raridade de jogadores mais apetecíveis para justificar esse investimento. Só com isso, FUT, por exemplo, rende milhões à EA. Não são estádios mais bonitos ou chuteiras mais vistosas que os jogadores realmente querem comprar.
Há ainda uma perspectiva de podermos comprar uma espécie de “passes de época” para o jogo, que nos dá “uma maior escolha de jogadores”. A ideia é que jogadores de topo como Lionel Messi ou Cristiano Ronaldo são mais valiosos e precisarão de “grind” para chegar ao valor da sua aquisição. Todavia, isso será feito à mesma pela persistência do jogador, não por alguma compra com dinheiro real. Ou seja, mesmo esse “battle pass” permite apenas ter mais jogadores disponíveis para adquirir, não propriamente que sejam “melhores” que os que já temos ou queremos ter. Enfim, só com o tempo é que veremos se isto funciona. Mas, se não há real vantagem, é um pouco arriscado suportar o futuro do jogo com compras de pequenos “nadas”.
Notem que não sou rigorosamente nada a favor de micro-transacções, nem suporto o conceito de “pay to win” que, invariavelmente, outros jogos possuem, inclusive alguns títulos “free-to-play”. Apenas acho que os jogos precisam de um plano estratégico financeiro sólido ou correm o risco de desaparecer. Como já disse, é preciso que o nosso investimento pessoal não seja em vão para um jogo que dentro de um ano já não existe. Só isso. Fico muito contente que a Strikerz queira claramente golpear o modelo de negócio de longa data da EA (e de, certa forma, da Konami). Também acho que é preciso acabar com esta monetização insana de jogos que já possuem preço de venda. Se será UFL a fazê-lo, talvez não, mas é um bom começo.
Mas, para ter esse sucesso, precisa cativar jogadores e isso só pode ser feito em campo. E olhem que a produção pode ter encontrado aqui uma fórmula vencedora. Há anos que me queixo de como FIFA Football e agora EAFC costumam “automatizar” muito as coisas no que toca ao controlo dos jogadores. UFL pretende fazer algo mais directo, mais “manual” se quiserem. Infelizmente, isto significa que teremos de ser muito mais precisos nos passes e remates, não havendo “ajudas” na mira. Especialmente a jogar com um comando (versão analisada na Xbox Series X), é necessário mesmo apontar para o sítio certo, esquecendo as ajudas “mágicas” de EAFC. Isto pode ser um desafio para alguns mas tem os seus benefícios.
Isto faz com que os roubos de bola e as entradas em “carrinho” sejam bem mais instintivos e impactantes, por exemplo. A defesa não é tanto “à zona” como no jogo da EA, é mesmo “ao homem” se assim quisermos, fazendo marcações cerradas e bem mais físicas. Obviamente, isto cria mais situações de potenciais faltas mas, com treino, podemos tornar-nos sobejamente mais eficientes a defender. No ataque, é também interessante ver como os dribbles são bem mais reactivos, mais rápidos também, tudo dependendo, claro, da perícia e das estatísticas do jogador controlado. Vamos perder a bola muitas vezes mas quando dribblamos com mestria o jogo brilha e ganhamos outro entusiasmo.
No meio-campo, porém, as coisas quebram um pouco. Como os passes exigem alguma precisão, falhar numa bola longa é muito frequente. Também a recepção de bola me parece algo vaga, com algumas falhas estranhas por querer controlar demasiado o primeiro toque. As fintas também podem ser algo desajeitadas em alguns momentos, parecendo por vezes que os jogadores se atrapalham mais com a bola, que a controlam. Penso que esta é uma questão de timing nas animações ou talvez uma falta de polimento nas transições. Será fruto de uma produção recente, precisando de tempo para polir a interacção, algo que só vai acontecer nos próximos meses com muita gente a jogar e a dar feedback.
Outro ponto onde achei que o jogo pode e deve melhorar muito, é mesmo no momento mais importante do jogo, nos remates. A resposta dos controlos parece um pouco sensível demais, ocasionando muitos remates para fora. Tentar acertar “na gaveta” é quase sempre uma tarefa inglória, uma vez que é um pouco complicado conseguir o “tiro” perfeito. Aconselho a tentarem sempre remates em jeito e média força e daí evoluir para algo mais pungente. Eventualmente, conseguirão dominar melhor os remates para alguns golos mais vistosos. Lá está, é tudo uma questão de perícia que se ganha com o hábito e também de deixar de contar com as ajudas de outros jogos nestas situações.
De um modo geral, em campo o jogo é fluido no que toca a jogar a bola. Mas, quando há contacto físico, quando os tais roubos de bola ou “carrinhos” correm menos bem, notei que os árbitros são demasiado implacáveis. Não sei se tem a ver com alguma necessidade de polir a detecção de colisões mas, muitas faltas que vi mostraram claramente o jogador a ir à bola mas árbitro marcou falta na mesma. Isto é mais flagrante quando se trata de um lance próximo da nossa baliza, chegando a receber três cartões vermelhos numa partida, um deles resultando num penalty. Esta punição mais severa (e injusta) faz-nos temer sequer fazer entradas porque há alguma aleatoriedade no que pode acontecer. E o VAR? Não diz nada?
Além do jogo de “pés”, há também um bom jogo “mental”. As estratégias em campo, as substituições e alterações de formações são bastante intuitivas, não representando algo significativamente bom ou mau, cumpre e não complica. De facto, fica aqui provado que não precisamos mesmo de algo muito complexo, como usar a IA para nos dar alguma dica táctica. Só temos de entender o jogo e condicionar a estratégia às mais-valias e deficiências da nossa equipa, adaptando-nos às circunstâncias. Achei apenas que a gestão de energia dos jogadores é um pouco punitiva demais, criando finais de jogo algo penosas mas, lá está, é uma questão de balanceamento que a produção poderá ajustar futuramente.
Se não temos ligas extensas, competições vistosas ou grandes embates de colossos do futebol mundial, sendo o jogo em campo é tão positivo e com tanto potencial, fiquei um pouco desapontado com os modos de jogo disponíveis. UFL quer mesmo apostar nos eSports, não ficam dúvidas nenhumas. Só que centrar toda a “acção” no modo principal online é um tanto limitador. Os demais jogos concorrentes fazem praticamente o mesmo, sem dúvida, mas falta mesmo o “tradicional” modo de carreira a solo que tanta gente aprecia. Em alternativa à liga online mundial, temos uns modos PvP e uns quantos eventos para apostar. Temos realmente partidas e treinos offline mas são francamente acessórias, servindo principalmente para treinar.
É claro que, sem licenças, um modo de jogador profissional ou manager fica automaticamente sem efeito. É também claro que é no online que os jogadores mais ávidos irão apostar, seja qual for a sua franquia preferida. Mas, este é mais um detalhe em que UFL fica aquém do que há por aí em termos de oferta. Os jogadores casuais, em nada interessados em rankings mundiais, ficar-se-ão por estas escassas partidas offline e, honestamente, estas não lhes darão grande entusiasmo. Só temos umas poucas dezenas de equipas (maioritariamente fictícias) para jogar entre si, no que só podemos comparar ao modo “Kick-Off” de EAFC.
Resta-nos falar do campo técnico. Sendo concebido no Unreal Engine 5, não se pode dizer jamais que não tem os devidos recursos para brilhar onde pode. De facto, não há nada que se possa apontar como visualmente falível, dentro e fora de campo. Já falei um pouco como as animações de alguns lances são algo estranhas, que podemos associar a uma certa falta de experiência em recriar movimentos humanos credíveis, em particular nas transições entre essas animações. Não posso dizer que o jogo seja fraco graficamente, nada disso, apenas que é preciso mais trabalho em prol do realismo e da imersão, exactamente o que a concorrência tanto aposta. Para um jogo “free-to-play”, notem, está óptimo.
Agora, noutros lados, é que as coisas não são assim tão brilhantes. Será tudo uma questão de gosto, eu sei, mas os menus parecem-me desajustados ao tipo de jogo. São intuitivos e relativamente bem organizados mas achei todo o interface um pouco escuro demais para um jogo de futebol. Não é preciso cores garridas e efeitos arrebatadores, mas também não é preciso uma decoração estilo “casino”. Também ao nível de áudio fiquei algo desapontado. Novamente uma questão de gosto, tem música que só posso dizer que pode ser desligada (felizmente). O que não é uma questão de gosto, porém, são os comentários em jogo que, honestamente, não fazem jus à restante qualidade técnica do jogo.
Veredicto
Não, este não é o próximo campeão em potencial. Ultimate Football League é como aqueles clubes de meia tabela, com enorme potencial para fazer frente aos clubes maiores, por vezes surpreendendo-os com um resultado inesperado ao intervalo. Todavia, os outros clubes no topo da tabela possuem melhores e maiores argumentos, dando a devida volta ao resultado. Não acaba em goleada, notem, porque a Strikerz Inc. tem aqui um jogo sólido e muito bem talhado para o futuro. Ainda assim, falta-lhe bastantes argumentos para realmente chegar às finais mais importantes. Como se diz na gíria do futebol, se a produção continuar a “por a carne toda no assador”, acredito que podemos ter uma surpresa na próxima “época”.
- ProdutoraStrikerz Inc.
- EditoraStrikerz Inc.
- Lançamento5 de Dezembro 2024
- PlataformasPS5, Xbox Series X|S
- Género
Equilibrado e com boas ideias, os seus erros não o impedem de brilhar.
Mais sobre a nossa pontuação- Visual é competente e fluido
- Controlo mais "manual" dos jogadores
- Ganas de ser um óptimo jogo, com uma produção focada
- Exige muita dedicação para dominar
- Algumas dúvidas para o futuro no modelo de monetização
- Comentários em jogo
Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.