Análise – Undisputed
Tal como em qualquer outro título de um desporto muito peculiar, apreciar Undisputed é uma tarefa ingrata para quem não é um fã. De facto, o trabalho da Steel City Interactive é um de paixão mas, se calhar, era preciso menos.
Nas palavras imortais do inigualável Muhammad Ali, um lutador de boxe tem de “flutuar como uma borboleta mas picar como uma abelha”. De facto, não podia encontrar uma melhor frase para descrever a minha experiência com este título. Depois de meses em acesso antecipado via Steam, finalmente Undisputed está aqui na sua versão final e as minhas expectativas iniciais foram ligeiras, baseadas na minha última experiência com este tipo de desporto há uns anos. Recordar títulos como o lendário EA Sports Fight Night, ainda hoje uma das séries mais icónicas neste tipo de jogos, porém, não faz justiça a este outro jogo. Não sendo um dedicado fã do desporto, acompanhei os principais combates ao longo do tempo, o suficiente para entender como este pode ser um desporto elegante por debaixo da sua óbvia violência. Algo que nem todo os jogos conseguiram reproduzir fielmente e resta saber se este jogo consegue mesmo esse balanço único só possível num ringue de boxe.
O que terão de entender mesmo antes de jogar, é que Undisputed não é um título para jogadores casuais. De facto, como já disse, este é um trabalho de paixão da produção e isso fica bem evidente logo nos primeiros instantes. Não é simples de aprender, muito menos será simples de dominar, exigindo entender a técnica e estratégia necessária para cada combate e até para cada round, tentando jogar com as características dos adversários. Para isso, a interacção teve de ser complicada um pouco e, nesta sua necessária dedicação, muita gente que não gosta de muitas combinações de teclas ou uma simulação demasiado profunda dos golpes e manobras, pousará o comando.
É complicado chamar a isto um “simulador” de boxe mas é capaz de ser mesmo essa a melhor definição. Quando falamos de um simulador, costuma ser algo que nos coloca no papel indicado, dando-nos feedback realista para que possamos aprender ou melhorar as nossas próprias capacidades para atingir um domínio que nos entusiasme a continuar a evoluir. Neste desporto, logicamente, não é possível simular, por exemplo, o impacto concreto da dor das lesões ou impactos, sendo algo que tem de ser emulado com “estatísticas” ou “representações” gráficas. Contudo, em tudo o resto, como o tipo de bloqueio, tipo de golpe e contra-golpe e até no que toca ao controlo de energia, de facto, tenho de admitir que temos aqui algo na onda de uma simulação directa, por vezes profunda (até demais).
Acredito que este jogo tenha o modo de carreira mais detalhado que há memória neste género, até mesmo de outros jogos de luta de outras disciplinas. Temos à disposição modos de exibição, combates premiados, combates de fantasia e o muito robusto modo de carreira. Aqui vamos elevar um lutador ao título de campeão, gerindo a sua carreira em aspectos tão profundos como o seu peso (que pode definir a sua classe e até penalizá-lo), negociação de acordos de royalties, entrevistas com a imprensa, redes sociais, entre outros detalhes. Como fã deste desporto, melhor que jogar Undisputed, só mesmo calçando umas luvas e vestir uns calções para entrar no ringue pronto a destruir um adversário.
Para isso, podemos optar por um lutador pré-criado ou então podemos criar o nosso próprio atleta. O editor é bastante vasto, podendo detalhar as feições, características corporais e até estilos de forma muito detalhada. Podemos até escolher tatuagens e equipamento (luvas, calções e botas) para criar algo verdadeiramente único. Com este atleta, podemos depois abordar o modo de carreira, começando nos humildes campeonatos amadores, para depois subir no ranking até chegar a um nível de campeão incontestado nas ligas profissionais. Mas, para quem quer algo mais “realista”, podem na mesma recriar alguns dos combates icónicos da história deste desporto com caras conhecidas.
Temos uma espectacular lista de lutadores de renome, mais de 70 boxeurs de várias categorias, entre estrelas do momento, como o “Gypsy King” Tyson Fury ou o campeão Ucraniano Oleksandr Usyk, mas também alguns dos maiores vultos do passado, encabeçados pelo já mencionado e emblemático Muhammad Ali ou por Rocky Marciano. O mesmo acontece com as categorias femininas, contendo algumas atletas conhecidas (obviamente em minoria). Infelizmente, alguns lutadores mais famosos, como o carismático Mike Tyson, o penta-campeão Evander Holyfield ou o polémico Manny Pacquiao não estão cá, talvez por falta de licenciamento (ou para evitar polémicas). Mas, lá está, com o editor acima descrito, é bem possível recriar estes e outros lutadores.
Undisputed é, deveras, um jogo para os fãs. Além desta impressionante leque de lutadores, o maior jamais criado para um jogo e com a produção a tentar adicionais ainda mais, esta é também uma experiência completa dentro e fora do ringue. Jamais poderíamos a aceitar um jogo destes sem as representações das entidades oficiais, como a WBC ou a BBB, entre outras organizações. Também estão aqui as várias marcas icónicas que equipam este desporto, como a mítica Everlast. E é claro que a oferta fica ainda mais imersiva com as apresentações de introdução do lendário Jimmy “It’s Show Time!” Lennon Jr. e tendo no ringue o famoso árbitro Kenny Bayless. Se mais nada fizer, Undisputed é puro serviço aos fãs.
Avançando um pouco na forma como costumo fazer análises, vou já falar no aspecto visual, dado que este é também um dos jogos mais “vistosos” de sempre neste género. Vários meses em acesso antecipado deram tempo para a produção refinar o visual de forma soberba, oferecendo grafismo, animações e efeitos visuais de arregalar o olho, por vezes roçando a realidade. Todo o ambiente é fantástico, antes, durante e depois de cada combate. Os esforço pelo realismo traz também atletas modelados e animados de forma criteriosa, físicas realistas, ao ponto de deformar as faces dos atletas e ainda tendo seis localizações criadas com imensa atenção ao detalhe. Em conceito, pelo menos, é também uma experiência visualmente impressionante.
Com todos os elogios de lado, vamos ao que interessa: os combates e a sua interacção. Como já ficou claro, Undisputed será sempre um jogo difícil. Não apenas nas eventuais capacidades dos adversários que nos desafiam mas também na própria complexidade desta simulação. Para terem uma ideia, terão aqui mais de 60 direcções diferentes para os murros, o que abre todo um leque de possíveis defesas, entre bloqueios ou desvios. Juntem a isto cerca de 50 diferentes atributos e habilidades para cada lutador, um movimento de pés muito realista, alguma aleatoriedade possível com murros falhados ou defesas fracas, sem esquecer os vários níveis de dificuldade opcional e temos uma ideia como cada combate é um autêntico teste à nossa atenção, perícia e, claro, paciência.
Infelizmente, isto significa que muitos dos combates, especialmente no início, serão bastante atabalhoados, com muitas falhas e momentos caricatos. Há um tutorial para aprendermos tudo, de facto, mas dominar é outra coisa completamente diferente. Por outro lado, esta clara aposta no realismo extremo levou claramente a produção a esquecer um pouco o conceito de “jogo”. Além desta intenção de entregar algo credível, que é louvável e qualquer fã gosta de ver, falta aqui alguma diversão a jogar. Os golpes podiam ter mais impacto, condicionados que são pela energia dos atletas que se gasta de forma algo rápida demais. Isto resulta em alguns rounds aborrecidos e pouco dinâmicos, com movimentos lentos ou “telegrafados”, não havendo muitos momentos “explosivos” que este desporto costuma ter.
Ok! Nem todos os boxeurs possuem aquela energia destruidora para knock-outs inesperados com que Mike Tyson se tornou famoso. Nem todos são tão atléticos a lutar, nem todos resolvem combates com golpes “fulminantes” e nem todos conseguirão aguentar um ritmo elevado por vários rounds. Mas, honestamente, se o boxe se resumisse apenas ao que é “humanamente” possível fazer, nenhum lutador seria mais memorável ou mais icónico. É exactamente na suplantação de obstáculos “impossíveis” e na imprevisibilidade do resultado que este desporto ganhou audiências. Obviamente, vamos colocar de lado a polémica de combates “comprados”, porque isso é outra história que não queremos contar aqui. O boxe é um desporto de emoção e, honestamente, falta muito disso aqui.
Mesmo que acabem por relevar o que se passa em cada round por tentar conservar energia e compostura, a dado momento esse demasiado alargado leque de possibilidades nos controlos começa a pesar na interacção. Se jogarem (como eu) no PC, vão, com certeza, estranhar a falta de suporte para teclado e rato. Dada a necessária interacção entre tantos golpes e movimentos possíveis, aliada à notória falta de precisão de tudo, a produção optou por desenvolver o jogo apenas para uso com gamepad mesmo no PC (também disponível para PS5 e XSeriesX|S). Não creio que fosse fácil (ou possível) emular tantas combinações usando teclado e rato mas acredito que este detalhe afaste algumas pessoas do jogo. Todavia, se quiserem mesmo apostar nesta acção, é bom que se habituem ao dito gamepad.
Como já disse, a combinação e probabilidade de tantos murros, movimentos, habilidades possíveis, exigem um balanço periclitante que oscila entre o “acertar por um triz” ou “falhar redondamente”. Seria bom que tudo isto tivesse um ritmo certo, contudo, tudo o que fazemos no comando tem depois um notório atraso na execução. Por causa disto, acabamos por tentar disferir os golpes o mais rápido possível, sendo esses mais custosos para a energia, só para evitar “murros no ar” fora de tempo. Dei por mim sempre em busca daquele “knock-out” que ninguém espera, muito por causa desta necessidade de não cometer erros e evitar o tal aborrecimento resultante da gestão chata de energia. E é claro que o jogo nunca colaborou nesse sentido. Nunca antes voltei tanto a um tutorial só para tentar melhorar nos timings das mecânicas.
Veredicto
Por tentar ser tão fiel à realidade, Undisputed poderá intimidar uma boa parte dos jogadores que apenas queriam um jogo de boxe tradicional, um género há muito desfalcado de títulos decentes. Este é um claríssimo “serviço aos fãs”, com um visual fantástico e muitas boas ideias inquestionáveis. No entanto, é demasiado focado em apostar na simulação a bem do realismo, deixando de lado o seu possível aspecto mais lúdico. Não há nada de errado num jogo que não quer ser “mais um” no género arcade típico. Todavia, isto também faz com que os jogadores menos dedicados percam um pouco do entusiasmo possível, em particular quem quiser algo mais casual ou, pelo menos, não tão complexo.
- ProdutoraSteel City Games
- EditoraDeep Silver
- Lançamento8 de Outubro 2024
- PlataformasPC, PS5, Xbox Series X|S
- GéneroDesporto
Podia ser melhor mas tem alguns pormenores positivos que podem agradar a muitos jogadores.
Mais sobre a nossa pontuação- Visualmente fantástico e muito realista
- Muito serviço aos fãs da modalidade
- Modo de carreira muito profundo
- Todo o "espectáculo" em redor dos combates
- Demasiado complexo para a maioria
- Exige muita dedicação para sequer fazer boas prestações
- Controlos lentos a reagir
Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.