Análise – Unknown 9: Awakening
A premissa por detrás deste título era bastante ambiciosa. Um jogo cuja história seria contada em vários meios, contendo uma cara conhecida. Parecia mesmo que Unknown 9: Awakening ainda colocaria a Reflector Entertainment no “mapa”.
Queixamo-nos tanto de como nesta era os jogos são quase sempre remakes, remasters, reboots ou simples sequelas, continuações de ideias ou reinvenções, mas de cada vez que algo realmente novo aparece, parecemos algo ingratos. Eu também penso exactamente o mesmo, julgando que, a dada altura, o risco de fazer algo novo, de facto, não compensa muito para as produtoras. De facto, todas as promoções deste jogo pareciam mostrar algo verdadeiramente novo, mesmo que notássemos logo óbvias inspirações. Pessoalmente, tive bastante interesse por este título, talvez mais pela cara bonita da protagonista, confesso, mas também porque parecia pretender emular boas ideias num novo conceito e uma nova história. Aqui está o jogo, finalmente, falemos então dele.
O título deste jogo é até apropriado para descrever o seu estúdio Canadiano, porque também esta produtora é uma “incógnita”. O site oficial descreve-a como uma empresa “conduzida pela inovação” e empenhada em “criar universos imersivos guiados pela narrativa”, ambicionando criar ligações entre essas criações. Parte dos estúdios externos da Bandai Namco, não é propriamente uma equipa conhecida, já que Unknown 9 é mesmo o seu primeiro título. Mesmo assim, tentou logo começar “em grande”, com uma produção com uma envergadura impressionante.
É que, além deste jogo, esta saga Unknown 9 é composta por três livros, uma banda-desenhada, um podcast e até um puzzle, numa exploração multimédia muito interessante deste enredo, sobre o qual já falaremos. O intuito, claramente, é envolver os jogadores num desses tais “universos imersivos” que a produção fala, expandindo a história da protagonista e dos temas que aborda, interligando tudo numa só narrativa.
De facto, Unknown 9 demonstra muito bem essa forte intenção de surpreender e inovar. Contudo, se calhar para um primeiro projecto, talvez fosse melhor começar devagar, introduzindo tudo de forma compassada, pensando melhor cada passo e cada expansão dessa vontade. O que falta aqui, como já viram (e vão ver) não é criatividade. Há algo mais complexo que o impede realmente de brilhar: experiência.
A história deste jogo leva-nos a conhecer Haroona, uma jovem Indiana que nas ruas de Calcutá tenta fazer sentido dos poderes que a assolam. Haroona tem uma capacidade mística de controlar o que não se vê a olho nú, sendo uma discípula de uma classe especial, conhecidos por “Quaesters”. Estes são guerreiros místicos que podem invocar poderes sobrenaturais ligados a um universo paralelo, chamado de “The Fold”. Ao seu lado, o seu mentor Reika ajuda-a a fazer sentido das suas capacidades, usando-as para espalhar justiça para quem precisa. Só que um dia, o seu mentor desaparece e Haroona vê-se obrigada a procurá-lo, enquanto desvenda um enorme mistério que se esconde, obviamente, no “The Fold”.
Sem querer revelar mais, nota-se perfeitamente o profundo trabalho da produção em criar um lore vastíssimo, rico em detalhes e repleto de intencionalidade em cada personagem e evento pelo qual passamos. Há uma óptima história em potencial para nos cativar, mesmo que, por vezes, seja um pouco complexa demais, com o jogo a não perder muito tempo a aprofundar nada. Para isso, claro existem os outros meios mas pergunto quantos de nós realmente consumirão tudo. Ajuda bastante o óptimo casting de actores que emprestam vozes e actuação às personagens, com o óbvio destaque para a protagonista, interpretada por Anya Chalotra (Yennefer em The Witcher da Netflix).
Como já devem estar a imaginar, os poderes sobrenaturais são a principal mecânica do jogo, o verdadeiro engodo e potencial “marca” que o jogo poderia deixar em termos de jogabilidade. Haroona consegue fazer vários truques engenhosos, até teleportar-se ou tornar-se invisível para iludir adversários. Todavia, entre os poderes potencialmente mais impactantes na jogabilidade é a sua capacidade de possuir e controlar inimigos para toda a sorte de acções, sendo até possível colocá-los a combater entre si. Estas mecânicas foram bastante trabalhadas, pensadas como super-poderes encaixáveis em qualquer filme de super-heróis.
Contudo, é a aplicação de todas estas boas ideias que deixa muito a desejar. Entre os elementos mais complicados de “digerir” está a linearidade de tudo, com níveis muito previsíveis, combates muito repetitivos e algo aborrecidos, como se a produção atingisse um patamar mínimo de efectividade e daí não progredisse. Pode ser algo resultante da inexperiência da produtora ou talvez por causa de tanto tempo que gastou no lore e na narrativa. Mesmo a acção furtiva que o jogo tanto nos tenta obrigar a escolher e que parece ser onde o jogo poderia brilhar mais, acaba por ser limitadora, perdendo todo o potencial, pelo menos em conceito.
Para perceberem porque digo isto, basta que falemos como os tais poderes de Haroona podem ser invocados. Seria de esperar que a origem mística destes poderes fosse inesgotável, no entanto, de modo a invocá-los é preciso angariar tokens que, por sua vez, surgem apenas dos danos causados a inimigos. Ou seja, se usarmos os poderes de tal forma que ficamos sem tokens, não temos realmente escolha, senão evitar o confronto e forçar esse tal combate furtivo. Não sei o que acham disto mas, para mim, é uma limitação estranha e francamente estranguladora de mecânicas que, opostamente, podiam ser absolutamente “bad-ass”.
Imaginem o Super-Homem ter de dar pancadas nos meliantes antes de poder voar. Ou então (para não arreliar os fãs da Marvel), imaginem Hawkeye só ter setas para disparar apenas depois de eliminar uns quantos inimigos. Dá que pensar, não? Isto faz-nos “economizar” bastante nos poderes, recorrendo quase sempre à tal acção furtiva, que até tem os seus desafios, mas que acaba, uma vez mais, por não entusiasmar tanto quanto podia. Podemos sempre “começar” com essa acção furtiva numa secção, para depois, com tokens suficientes, desancar o resto dos meliantes de forma poderosa mas… entretanto, já estamos aborrecidos com toda esta complicação desnecessária.
Se o combate em si é fastidioso, outros poderes poderiam fazer da acção mais divertida. Sim, no papel, a possessão de inimigos é uma mecânica bastante interessante, fazendo lembrar mecânicas parecidas em jogos como Dishonored. Na prática, porém, a produção foi novamente comedida, dando-nos muito poucas opções interessantes para controlar esses inimigos. Ao contrário da série mítica da Arkane, Unknown 9 só nos permite usar os adversários para algumas interacções básicas e para combate simples. Nem mesmo este tipo de “inovação” o é realmente, portanto. Mesmo assim, até podia ser uma interpretação divertida de um conceito já visto. Mas não chega a ser.
Não ajuda nada a já mencionada linearidade dos mapas de jogo. Entre os combates, haveria aqui bastante espaço para alguma exploração, procurando os seus vários coleccionáveis ou boosters. Mas, nada é realmente memorável, com o jogo a ficar-se com uns tantos clichés no género. É que nem mesmo temos boosts ou melhorias substanciais para evoluir a acção, sendo a própria árvore de evolução um tanto básica, com melhorias também lineares e que contribuem pouco para melhorar ou evoluir a jogabilidade. Para dizer a verdade, não senti que essas evoluções alterassem muito a jogabilidade, nem sequer na segunda metade do jogo, fazendo-me “esquecer-me” de as melhorar, o que diz muito do seu fraco impacto.
Outro elemento que achei mal concebido é o movimento. Subir plataformas ou escadas é um acto automático, quase sempre através de um acesso claramente decorado numa parede pintada ou plataforma evidente. Por outro lado, sempre que vejo um jogo em que o herói ou heroína não pode simplesmente saltar, percebo logo que a jogabilidade foi talhada com limites de concepção. De facto, saltar ou fazer piruetas não define um jogo, é verdade, contudo, há várias secções que claramente seriam originalmente de plataformas mas senti que a produção recuou para algo mais recatado e que, lá está, não se torna memorável.
Como última peça que achei mal explorada, está o hub usado para o jogo, um dirigível para onde a protagonista e alguns companheiros vão entre missões. Este seria um óptimo local para os heróis partilharem conhecimentos e, talvez, cativar a audiência para nos envolver na história um pouco mais. Contudo, dei por mim a tentar saltar várias sequências nesta base, muito porque não me senti motivado a conhecer nenhuma delas em particular e essas cenas intermédias também não conseguem cativar. Como já disse, as prestações do actores até são boas, é só mesmo o “background” que estas personagens e o próprio hub proporcionam que não contribui nada para a acção, tornando tudo irrelevante.
Aqui entre nós, em certos momentos parece que a produção quis inspirar-se na acção e mistério de jogos como Uncharted ou na aventura e exploração de Assassin’s Creed. Haroona poderia mesmo tornar-se uma heroína por seu próprio mérito, não fosse toda a superficialidade destes conceitos que já mencionei e outros que simplesmente ignorei. Sem querer, obviamente, desconsiderar ninguém, foi como se a produção jogasse todos os jogos que já mencionei e que me recordei ao jogar Unknown 9 mas, simplesmente, lhe faltasse o “engenho” para reflectir correctamente essas inspirações no seu próprio jogo. Fica a intenção, portanto.
Falando ainda da parte técnica, Unknown 9 até tem um conceito visual interessante, com cenários detalhados e por vezes pensados para ser algo cinematográfico. Infelizmente, nada é realmente de arregalar o olho, sendo muitas vezes assolado por pequenas questões técnicas preocupantes, desde animações algo toscas das personagens, efeitos visuais pouco “inspirados” ou uma iluminação que nem sempre funciona. Diria mesmo que parece por vezes algo datado graficamente, encontrando também momentos de quebras de performance notórias na versão analisada (PS5). Como se isso não bastasse, fui encontrando também vários bugs estranhos, como a IA por vezes estática ou bloqueada no cenário, erros nas detecções de colisões e até alguns objectos e cadáveres “flutuantes”.
Veredicto
Gostaria de dizer que um problema maior de Unknown 9: Awakening é que dura apenas umas 10 horas totais, isto jogando compassadamente e sempre pressas. Contudo, na verdade, essa duração é mesmo uma bênção, já que a dada altura só o queremos acabá-lo depressa. Todo o potencial deste jogo, com o seu lore profundo e imensa construção de personagens perde-se com uma implementação algo atabalhoada de uma produtora que, claramente, quis ir além das suas capacidades. O combate é aborrecido e sem grande inspiração, tudo é linear, até mesmo no seu grande destaque, os poderes que poderiam criar uma jogabilidade fantástica mas são demasiado limitados. No final, salva-se muito pouco da aventura desta aventura visual e tecnicamente pouco polida. Talvez só Anya Chalotra que, se calhar, também esperava mais deste título.
- ProdutoraReflector Entertainment
- EditoraBandai Namco
- Lançamento17 de Outubro 2024
- Plataformas
- GéneroAcção, Aventura
Não tem grandes destaques, seja a nível de conceito ou no plano técnico.
Mais sobre a nossa pontuação- Anya Chalotra é uma boa actriz
- Imenso potencial num lore novo e profundo
- 10 horas de duração
- Implementação das ideias quase sempre escassa
- Visualmente pouco polido
- Combate aborrecido a médio prazo
- Bugs e mais bugs
Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.