Análise – Victoria 3
No exigente género de jogos de “Grand Strategy”, considerado o mais complexo dos títulos de estratégia, Victoria 3 chega finalmente, depois de vários anos de espera, que até “memes” geraram entre os fãs.
Na verdade, 12 anos, desde que o último jogo nesta série foi lançado em Agosto de 2010. A par dos seus “primos afastados” Hearts of Iron IV e Crusader Kings 3, a Paradox Interactive é já especialista a trazer-nos jogos de grande estratégia, aclamados por serem bem mais elaborados e complexos que outros títulos. Como esses dois jogos da mesma produtora, Victoria 3 é um jogo de engenho e de astúcia. Mas, Hearts of Iron é, claramente, mais virado para a estratégia dos combates e Crusader Kings será mais um jogo de “role play” medieval com elementos políticos. Por seu lado, Victoria 3 é, no rigor, um jogo de política, com traços de sociologia e economia pelo meio. Um “animal” diferente para domar.
Começamos a nossa epopeia em 1836, em plena Revolução Industrial, escolhendo liderar uma de 200 nações historicamente disponíveis, com uma indústria em ascensão. Depois teremos precisamente 100 anos para… literalmente, fazermos o que bem entendemos… politicamente, claro. Sim, novamente, podemos mudar o curso da história, talvez por fazer ascender um país obscuro ao poderio económico ou levá-lo à completa bancarrota. Isto, claro, se a população, os infames “pops”, nos deixarem lá chegar.
Como disse lá em cima, Victoria 3 é um jogo de estratégia com grande foco na política, sim, mas também na demografia e na forma como movemos (ou demovemos) a opinião das massas através das nossas várias doutrinas e decisões mais ou menos consensuais. Na realidade, triunfar aqui é sobreviver ao escrutínio das massas e chegar intacto a 1936. A população é o elemento decisivo deste jogo, sendo praticamente irrelevante controlar a indústria ou a diplomacia se o povo está fora de controlo. É um espelho da nossa sociedade… para o bem ou para o mal.
E são também ideologias que movem as próprias massas. A educação, a religião, a etnia, as profissões e as crenças políticas, são elementos cruciais na forma como agem e temos de as considerar para as entender e… controlar. No fundo, temos de criar condições para que os cidadãos estejam contentes com o país que estamos a criar, tentando dar-lhes o mínimo para que não oponham. Basta um desvio na produção ou importação de bens, por exemplo e as revoltas surgem. Podem ser tão insignificantes, com os ricos ficarem “chateados” pela falta de bens de luxo, como podem ser uma revolução popular por falta de víveres de primeira necessidade.
Também as jogadas diplomáticas são muito importantes aqui. Estas Diplomatic Plays, uma herança do sistema “Crysis” do jogo de 2010, criam um momento crítico de decisões que, embora possam ser de caris militar, como numa invasão de outro país, acabam por ser puramente diplomáticas. Depois de uma troca de exigências para manifestar os interesses das partes, uma contagem inicia-se até declarar-se guerra. Nesse espaço de tempo, dá para fazer chantagem, atrair aliados e fazer bluff com movimentos de tropas. A guerra em si, é secundária, o jogo de bastidores é que nos dará a vitória ou a derrota.
Aliás, a mecânica de guerra em jogo não é bem o que estarão à espera. Não vamos mover peças de unidades, como um jogo de tabuleiro digital. Na verdade, só vamos designar generais para as frentes e deixamo-los a liderar as hostes. Por um lado, parece tirar-nos o protagonismo nesta fase do jogo, por outro, claramente não é este o foco deste título. Temos apenas de ter cuidado com quem colocamos a liderar os exércitos, já que cada general atribuído possui uma personalidade e uma estratégia próprias. Contudo, achei que podíamos muito bem ter mais um pouco de controlo nesta área tão crítica e com repercussões tão transformadoras.
Não, não queria uma lógica de combates como em Hearts of Iron. Acho que Victoria 3 não precisa de combates directos ou de tácticas de guerra. Não é esse o seu foco e não temos sequer um papel de estratega militar nesta lógica de jogo. Somos um líder político, um chefe de estado. Mesmo assim, sinto que tudo é deixado um pouco ao acaso, neste caso, deixado ao cálculo de números e percentagens, sem que possamos rever alguma estratégia. Até pode ser que a produção venha a rever isto no futuro mas, por agora, é melhor que deixem a guerra para último recurso.
No que toca à economia, no fundo, este é um jogo de tabelas, muitas tabelas, organogramas, mapas, folhas de cálculo e… mais tabelas. Não é propriamente um “excel glorificado”, porque está estilizado num design próprio e possui mecânicas de jogo pelo meio, obviamente. Tudo possui ligação entre si, com um elemento económico a afectar os demais, uma percentagem a aumentar ou reduzir um valor noutro lado. E tudo possui prós e contras que é preciso explorar e calcular benefícios. Não está envolvida muita matemática aplicada, mas é preciso algum poder de previsão de resultados, sem dúvida.
Felizmente, para acomodar tudo isto, o interface está muito bem desenhado, com as janelas encadeadas e muito bem organizadas. Caso contrário, seria uma enorme confusão para qualquer jogador. O interface deu importantes passos para melhoria desde 2010, sem dúvida. Embora ainda hajam momentos de caos aqui e ali, está tudo bem organizado numa lógica intuitiva. Gostei particularmente das lentes que fornecem informação rápida de alguns sectores e que nos poupam tempo a vasculhar os detalhes de alguns aspectos do jogo.
Sem querer entrar muito no mundo da política “hardcore”, os regimes políticos adoptados possuem um papel importantíssimo. Obviamente, herdamos a crença política do país que escolhemos ao início, obrigando-nos a formar governos que, originalmente, serviriam para perpetuar o que quer que seja que anteriormente o país acreditava. Há países em que é mais fácil moldar a opinião e os ideais a nosso favor e outros em que isto é francamente mais difícil. Países de ideais republicanos, terão sempre radicais lá no meio. Monárquicos, serão sempre resistentes à mudança.
Isto leva-nos a muito momentos em que teremos de tomar decisões para agradar “a gregos e troianos”, por vezes cedendo em políticas que não queremos ou não concordamos, a bem de erguer alguém que não gostamos ao poder, só para não desagradarmos os outros e sermos postos em causa. Não é fácil criar um regime perfeito, porque este não existe. Simplesmente, teremos sempre um lado que se opõe e, mesmo achando que estamos a fazer o bem, teremos de fazer pactos moralmente errados. Por exemplo, limitar o sufrágio a grupos de elite da sociedade, para garantir a reeleição contínua do governo. Nada realista, certo?
Para dizer a verdade, ao fim de umas horas a jogar Victoria 3… perdi a esperança na Humanidade. Chego à conclusão que não há regimes políticos melhores que os demais. Todos envolvem uma certa dose de corrupção, pactos obscuros, jogadas de moral duvidosa e uma grande dose de desapego aos valores mais básicos que nos fazem Humanos. Embora seja necessário agradar as massas, as nossas políticas não envolvem agradar realmente os “pops”. Tal como na realidade, envolvem perpetuar o poder, para que consigamos chegar ao fim do jogo, ganhando-o com um custo elevadíssimo para quem sofreu nesse processo.
Por esta algura, estarão a pensar que este é um jogo complexo demais ou que facilmente se perdiam a jogá-lo. De facto, se não gostam do género, é complicado justificar-vos porque deviam experimentá-lo. Olhando para as imagens, verão muitos menus, gráficos, tabelas e mapas que não possuem o apelo de outros jogos mais básicos de estratégia. Talvez a pensar nisso, a produção trouxe-nos um tutorial contínuo e francamente exaustivo das principais funcionalidades. Chegam a explicar tudo, passo-a-passo. O que é muito importante para quem não conhece a fórmula de jogo da Paradox.
Devo dizer que fiquei profundamente impressionando com esta lógica de tutorial. Até mesmo certas palavras-chave possuem um hiperlink com uma explicação sucinta, o que não nos deixa ficar “pendurados” com alguma expressão que desconheçamos. Basta pairar o cursor nestas palavras e a explicação surge. É um óptimo “empréstimo” de lógicas de interface de websites ou de outros programas. Com este tipo de ajuda, sem esquecer os próprios tutoriais passo-a-passo, vão dominar realmente o jogo. Claro que é tudo proporcional à vossa paciência em aprender a jogar.
Só uma nota final para a performance do jogo. Obviamente, estive todos estes dias que antecederam esta análise a jogá-lo avidamente para completar os 100 anos previstos por nação. A nível de comportamento no PC, o jogo é estável, nunca realmente puxando pelo hardware de uma forma mais exigente. Como qualquer outro jogo de estratégia, é graficamente simples, com animações simples e sem grande “espectáculo” visual. Nem mesmo com muito caos no ecrã senti que o jogo fosse “pesado”. É o que esperamos neste género, na realidade.
Veredicto
Os amantes da estratégia têm aqui um jogo realmente desafiante, especialmente se quiserem explorar tudo o que é possível fazer ao nível de manobras diplomáticas e políticas. Com grande foco na economia, na demografia e nos ideais socio-políticos, Victoria 3 é um título genial de “Grand Strategy”, complexo quanto baste e francamente profundo, quase, quase a roçar o género Role Play. Infelizmente, não é para todos os gostos, especialmente no que toca a guerrear. E, apesar dos vastos tutoriais, quem não está habituado ao género terá óbvias dificuldades. Mesmo assim, não posso deixar de recomendar este que é, até ver, “o” jogo de estratégia do ano.
- ProdutoraParadox Development Studio
- EditoraParadox Interactive
- Lançamento25 de Outubro 2022
- PlataformasPC
- GéneroEstratégia
Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.
Mais sobre a nossa pontuação- Muito jogo político de bastidores
- Tutoriais realmente úteis e exaustivos
- Muitos eventos inesperados e repercussões
- Tão profundo como a vossa moral
- A falta de um maior foco na estratégia das guerras
- Apesar dos tutoriais, complexo para recém-chegados
Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.