Análise – Watch Dogs: Legion
A premissa desta série, agora tornada uma trilogia, assenta “como uma luva” na visão da Ubisoft. Um jogo de mundo aberto, cheio de actividades para fazer e zonas para liberar e uma história de heróis improváveis. A característica única nestes títulos é a mistura de tecnologia e a constante mensagem de “resistência” contra o controlo governamental. Mas, Watch Dogs: Legion vem confirmar uma realidade de desgaste neste conceito.
É perfeitamente discutível se somos “escravos digitais” da tecnologia. O que não é nada discutível é o claro potencial de controlo da população mundial que esta tecnologia permite. Acho que George Orwell não teria tanto sucesso se lançasse o seu célebre “1984” nesta década. Mas, se o lançasse, talvez se inspirasse numa tal DedSec e uma resistência contra um novo tipo de “big brother“. O núcleo da história de Watch Dogs é mesmo essa constante luta contra as grandes corporações controladoras. O primeiro jogo até foi interessante, perdido um pouco na sua enormidade e numa história um tanto vaga. Watch Dogs 2, por seu lado, tornou-se extremamente ambicioso, talvez demais, não reunindo grande consenso. Já este terceiro jogo apostou no que parecia ser algo verdadeiramente novo. “No papel”, claro.
Desta vez em Londres, Inglaterra, vamos acompanhar as aventuras destes activistas digitais, os militantes da já mencionada DedSec. Começamos este novo capítulo na pele de um agente, claramente inspirado num “James Bond de saldos”, que investiga uma possível ameaça no Parlamento Britânico. Acontece que a possível ameaça de uns soldados vestidos de negro, não passa de uma cilada contra os hackers activistas. Alguém que, obviamente, não vamos saber quem é quase até ao final da trama, esconde-se atrás de uma máscara digital e lidera uma organização que se intitula de “Zero Day“. A ideia é fazer explodir vários pontos da cidade de Londres e, claro, culpar a DedSec.
A trama dá certo, as culpas são mesmo postas no grupo activista, o que despoleta um aumento das defesas electrónicas da Blume, que usa o infame ctOS (central Operating System). Mas, como medida adicional, o governo também contrat a agência de mercenários armados da Albion para caçar os hackers. Londres fica efectivamente a saque, com checkpoints pela cidade, veículos blindados e muitos drones a observar todos os movimentos dos cidadãos. Claro que esta situação não satisfaz nenhum cidadão e a história da culpa da DedSec não é bem aceite. Uma resistência ergue-se silenciosamente e é evidente que vamos estar no centro de toda a acção.
Confesso que o prólogo do jogo me entusiasmou o suficiente para achar que teria aqui algo realmente novo nesta série. Mas, com o desenrolar da trama a parecer um constante dejá vu e com a consequente construção de personagens algo fraca, ficou claro que jogo estava a jogar. A fórmula é praticamente a mesma de Watch Dogs 2, menos focada numa só personagem como no primeiro título, mais virada para um “heroísmo genérico” de personagens mundanas. Já irei falar da nova mecânica de recrutamento que explica o título “Legion” e dá alguma justificação para esta desagregação de uma personagem central. Até fará algum sentido, como irão ver.
Contudo, por causa desta nova visão, senti uma enorme falta de vontade de conhecer personagens, além de não sentir grande ligação com o enredo de um modo geral. Num jogo de exploração e acção em mundo aberto isto pode acontecer, de facto. Ainda assim, com tantas falhas assumidas, a história de Aiden Pearce no primeiro jogo era francamente mais entusiasmante e interessante de seguir. Há uma leve tentativa de criar vilões no CEO da Albion, Nigel Cass ou de ganhar alguma empatia na líder da DedSec de Londres, Sabine Brandt. Mas, tudo é bastante superficial, forçando um enquadramento bastante acessório para cada uma das missões do enredo principal. Há algumas boas missões secundárias, reconheço, mas não chegam para compor o resto do enredo.
Resta-nos a diversão que estes jogos sempre conseguiram fornecer. Sempre gostei de conduzir nas cidades virtuais recriadas com bastante detalhe nestes jogos. E depois, podemos usar o ctOS para toda a sorte de operações, até mesmo controlando câmaras ou até veículos de forma engenhosa para resolver puzzles engenhosos. Tudo gira em torno da descoberta, combinação de habilidades e o nosso próprio engenho ou perícia. O que é realmente fantástico quando funciona. Por outro lado, o jogo dá-nos imenso para fazer, entre tarefas secundárias, desafios e, claro, as missões da história principal, todas elas muito diversificadas. Obviamente, lá mais para o meio do jogo, instala-se a repetição, mas com tanto para fazer, já estarão imunes.
Estão de regresso os momentos de puzzles em larga escala, que podem envolver hacking de câmaras ou de drones, sabotagem de sistemas, perseguições ou os omnipresentes simples tiroteios, algo que sempre achei o ponto menos forte da série. Desta feita, é claro que a produção quis apostar mais no combate próximo (melee) e nos elementos furtivos para evitar sacar da arma. É até bastante interessante que os conflitos escalam com o nosso nível de ameaça. Uma rodada de pancadaria só se torna num tiroteio se sacarmos da nossa arma. Quando não nos está a contar alguma porção da história, o jogo diverte quanto-baste, não há dúvida.
Pelo que já mencionei, já terão percebido que não vamos acompanhar uma personagem única ou algum grupo de personagens em particular. É aqui que começa a desagregação do jogador com a história do jogo. Tal como o título deste jogo indica, vamos mesmo jogar com uma Legião de pessoas, os próprios Londrinos tornados heróis. O novo sistema de recrutamento faz com que possamos ser uma qualquer pessoa, dos dois sexos, de várias idades, com várias profissões, credos ou habilidades e com mais ou menos gosto na indumentária. A ideia é que não somos ninguém em particular, somos, na verdade, todas as pessoas, pegando numa delas de cada vez.
Para isso, o jogo conta com um sistema único de recrutamento, em que temos de procurar quem esteja disposto a lutar contra o sistema. Isto permite alterar quase de forma radical a jogabilidade de um momento para o outro. Num momento somos um pacato cidadão que adora futebol e é hacker nos tempos livres, noutro somos uma avózinha de aspecto indefeso com dotes de karaté. Cada cidadão tem uma habilidade ou característica única, pelo que convém sondar cada um que encontramos e depois recrutá-lo, ficando disponível para depois jogarmos na sua pele. E não convém que façamos isto de forma aleatória. É importante escolherem as pessoas certas para o trabalho seguinte.
Uma das primeiras missões, por exemplo, leva-nos a recrutar um operador de construção que controla um drone de grande porte. É muito importante recrutá-lo, porque esse drone será precioso na missão seguinte. Numa outra missão em que precisamos infiltrar-nos numa área muito perigosa com guardas fortemente armados, um cavalheiro de fato e gravata que, por acaso, até tem um dispositivo de camuflagem, vem mesmo a calhar. E aquela roqueira com dotes de parkour é mesmo perfeita para uma missão em que teremos de trepar pelos telhados. Penso que já entenderam a lógica por detrás desta nova mecânica.
Eventualmente, esta nova forma de jogar começa a desgastar-se um pouco ao fim de um tempo. Deambulamos pelas ruas com telemóvel em punho a fazer scan nos transeuntes, escolhendo os que nos parecem mais interessantes, recrutamo-los, tomamos controlo, rebobinamos, repetimos. Ao fim de umas horas, perdi a conta a quantas pessoas controlei, quais as suas histórias ou traços gerais, muito menos me lembro dos seus nomes. Uma coisa devo ressalvar: mesmo com imensas repetições de caras, indumentária ou diálogos muito repetidos pelo meio, senti que cada cidadão era único. O que é um bom trabalho da produção a criar algo verdadeiramente diversificado.
Claro que o palco desta nova trama é que é a verdadeira estrela. Londres é uma cidade muito peculiar, com décadas de evolução tecnológica no “futuro próximo” desta história, a misturar-se com locais e áreas perfeitamente reconhecíveis e recriadas com imenso rigor. Gostei imenso de fazer turismo virtual por esta visão da capital Inglesa. Claro que há diversas cedências e modificações na arquitectura para acomodar o enredo futurista. Contudo, muitas áreas são icónicas, como o imponente palácio de Westminster, a famosa rotunda de Picadilly, a fantástica Torre de Londres ou o já mencionado Parlamento, onde não falta o clássico “Big Ben”. Quem conhece esta cidade, irá reconhecer muitos locais.
Contudo, em jogo serão capazes de ficar um pouco distraídos com o seu aspecto. Testei este jogo numa versão PC num computador já com a geração RTX e fiquei algo desapontado. Não só o jogo é francamente exigente demais no hardware, como dá muito pouco em troca. Tecnologias como Ray Tracing funcionam bem em alguns momentos, a iluminação, sobretudo com a decoração néon ou luzes nocturnas, transmite uma excelente atmosfera. Contudo, não considero nada fantástico ou memorável a nível visual. Especialmente nas animações das personagens, notei algumas falhas, com as expressões faciais a precisar de (muito) mais trabalho.
Não me entendam mal, o jogo tem momentos fantásticos. Conduzam à noite e à chuva e terão cenas dignas de “postais ilustrados”. Também há imensos detalhes nos modelos gerais de edifícios e dos veículos, o ciclo de dia e noite e de meteorologia dinâmica modifica bem o ambiente e há muita “vida” nesta cidade para simplesmente parar e apreciar. Mas, não chega, quanto a mim. Parece que a produção perdeu imenso tempo a criar esta cidade e a preenchê-la mas não aprofundou as técnicas usadas, mesmo recorrendo às mais recentes tecnologias. Pode ser o que o jogo seja melhor optimizado na próxima geração de consolas ou que continuem as opitimizações no PC em futuras actualizações.
Veredicto
Descentralizar a acção numa personagem ou num grupo central, é algo raro e arriscado num videojogo. Regra geral, para que um jogo cative, é preciso que o seu enredo e personagens se “liguem” connosco. Em Watch Dogs: Legion, não só não temos personagens memoráveis, como falta profundidade ao enredo. A lógica de recrutamento, a cidade de Londres recriada e alguns pormenores da jogabilidade francamente bem concebidos, quase não chegam para apagar o elemento de repetição, a história acessória e o grafismo um tanto mediano que encontrei. Não deixa de ser um jogo divertido, com muito para nos ocupar, mas não adiciona muito à série, num momento em que muita gente pergunta se vale a pena apostar em mais do mesmo.
- ProdutoraUbisoft
- EditoraUbisoft
- Lançamento29 de Outubro 2020
- PlataformasPC, PS4, PS5, Xbox One, Xbox Series X|S
- GéneroAcção, Aventura
Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.
Mais sobre a nossa pontuação- Londres recriada com imenso rigor
- A mecânica de recrutamento
- Muito para fazer e descobrir
- Algumas missões secundárias intrigantes
- Repetitivo ao fim de umas horas
- Enredo e personagens demasiado acessórias
- Grafismo não deslumbra tanto quanto devia
Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.