A edição de Coleccionador de Journey como uma boa desculpa para desabafar
Há uns dias chegou-nos, à redacção do WASD, a edição de coleccionador de Journey para teste e ficámos num impasse jornalístico. Merecia a pena fazer uma nova análise de um jogo que já havíamos classificado como uma peça de arte ou seria Journey uma boa desculpa para criar e articular alguns dos assuntos que têm assolado o mundo dos jogos nos últimos tempos? Escolhemos a segunda opção…
Nesta versão em formato Blu-ray, Journey. que anteriormente só havia sido lançado em formato digital na Playstation Network, vem acompanhado de outros dois grandes jogos da thatgamecompany, Flow e Flower. Todos eles com a respectiva banda sonora, trabalho artístico, comentários e trailers. Como se não chegasse, esta versão traz ainda três jogos da época pré-histórica da companhia: Duke War, Gravediggers, e Nostril Shot.
Cada vez que penso em Journey tento perceber como é que os seus produtores conseguiram chegar ao conceito por detrás do jogo que, para todos os efeitos, é do mais simples que existe no mundo dos videojogos: tens um objectivo final e terminas o jogo quando o alcançares. Uma fórmula repetida vezes sem conta em vários clássicos como Super Mario Bros ou Zelda mas que Journey concretiza de uma maneira completamente original e criativa pela forma como tudo conflui para um resultado a roçar o perfeito. E a música flui, as vozes não existem mas os sons também não desafinam. Independentemente, todos percebemos a história do jogo mesmo com a inexistência de palavras ao longo de todo o percurso do protagonista de Journey. O mais interessante é que essa percepção é subjectiva e a primeira vez que passamos o jogo é sempre diferente de todas as outras. A forma como a nossa mente divaga no jogo é fantástica e a interacção com os outros jogadores é, no mínimo, peculiar.
Depois de tanto adjectivo, o que dizer de Flower ou de Flow? Embora anteriores a Journey, ambos continuam jogos actuais e fascinantes conceptualmente. Se em Flower controlas uma rajada de vento que faz florescer tudo por onde passa, em Flow és uma forma de vida à espera da desculpa certa para evoluir. E, se no segundo já existiam alguns estudos de caso semelhantes como Spore, a originalidade de Flower a nível de conceito leva-nos a questionar novamente como tal ideia se terá concretizado. E será que resulta? Resulta!
Journey, Flow e Flower enquanto experiências criativas no mundo dos videojogos quebram paradigmas e tornam as obras de arte que são em peças interactivas onde o jogador pode ser o protagonista. E será que chamar-lhes obras de arte não será demasiado pretensioso? A resposta é: obviamente que não. Senão vejamos: todos os jogos requerem algum tipo de arte na sua produção e, embora nem sempre bem concretizada, os músicos, os desenhadores, ou até os programadores não deixam de ser artistas. Por isso conceptualizar os jogos como uma das muitas expressões da arte contemporânea do nosso tempo não seja assim tão disparatado.
Há umas semanas atrás, um psicólogo falava num dos canais nacionais e referia-se à ‘Playstation’ como veneno, num sentido hiperbólico, visto que ninguém tentará matar as formigas do quintal com o blu-ray de God of War III, será que o dito psicólogo alguma vez conheceu Journey, Flow ou Flower? Duvido porque, caso fosse uma pessoa sensata, a sua opinião mudaria.
Humor à parte, será que os jogos são veneno porque alguns se tornam de tal maneira viciantes que te impedem de socializar de uma forma salutar? Tudo depende da força de vontade de cada um. É certo que todos nós conhecemos pessoas que fazem dos jogos o epicentro da sua vida, o tema de conversa no café, a maneira de passar o serão em casa naquelas noites frias de Inverno. Raios partam, nós somos assim. Algum problema? Nenhum. Tudo depende da maneira como gerimos o nosso tempo, como criamos espaço para tudo. Se os jogos são viciantes também a televisão o é, ou os livros, ou o desporto. Todos eles por vezes nos isolam, nos abstraem mas também nos tornam melhores, nos ensinam, nos cultivam. Com uma longevidade que não ultrapassa a meia dúzia de horas Journey, Flow e Flower assumem-se como experiências únicas, singulares e, não obstante a duração, merecem ser revividas de quando em vez, mas viciar-nos nestes jogos parece-me impossível.
A thatgamecompany abriu caminho, rompeu com o estado da arte, e criou um novo protótipo de jogo num mundo prestes a dar o passo para a nova geração. E se esta empresa conseguiu inovar desta forma com a actual geração imaginem o que conseguirão fazer com as capacidades da nova.
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