Editorial: Os 7 Pecados do Gaming
Não que levemos o mundo dos videojogos como uma religião (para alguns até é) mas, no que diz respeito à convicção de um gamer, existe uma série de circunstâncias que estão a condicionar este nosso hobby de uma forma mais negativa. Não seremos exaustivos a enumerar todos os problemas, mas estes sete já nos fazem bradar aos céus por se tornarem, cada vez mais, prática comum nos jogos modernos.
Bosses – Algures no tempo, quando os videojogos estavam nos primórdios, alguém achou que seria interessante incluir uma personagem, geralmente no fim de secções ou capítulos, com muito mais energia, muitas mais protecções e armas mais potentes que qualquer outra personagem não jogável. Chamaram-lhes Bosses. Na altura, era uma boa maneira de criar dificuldade ao jogador sem ter de mexer muito num código que estava a dar os primeiros passos. Mas e hoje em dia? Sobretudo em jogos nipónicos, os bosses são tão divertidos como uma muleta para alguém que fractura uma perna. Curiosa esta analogia, porque são muitas vezes isso mesmo, muletas para suportar enredos, sobretudo nos que tentam evoluir uma história repetitiva para um clímax que depois não sabem expandir. Então, toca de meter um boss com nível 9999, só para dizerem que é um jogo difícil. Até que alguém encontra um glitch e resolve tudo em minutos.
Longas Cutscenes – “Que tem isto de mal?” Pergunta Hideo Kojima, criador da saga Metal Gear. Caro Hideo, se eu quero ver um filme, não compro um videojogo. É simples! Embora muitos jogos permitam saltar as cenas intermédias, muitos outros obrigam-nos a ver a grande engenharia de captura de movimentos e efeitos visuais dignos de Hollywood. É soberbo se quisermos ver um filme de animação. Infelizmente, na maioria das vezes, este tipo de cutscenes não correspondem ao grafismo do jogo em si. São trabalhadas com pós-produção e ângulos de câmara de modo a “parecer” melhor. Isso só exaspera o jogador que, quando finalmente pega na personagem, se vê a braços com grafismo e animações tantas vezes inferior. Isto é cada vez menos verdade com a capacidade de processamento actual, mas não deixo de ficar irritado quando repito um jogo e tenho de ver as cutscenes novamente, sem as poder saltar.
Multi-jogador Forçado – A fórmula dos First Person Shooters como Call of Duty ou Battlefield não é fácil de imitar: “Criai um jogo com modo de carreira falível mas tornai o modo multi-jogador viciante o suficiente para o justificar”. Grandes séries forçaram o multi-jogador lá pelo meio. Assim de repente lembro-me de Assassin’s Creed ou Mass Effect. A ideia é transmitir longevidade, convidando ao jogo constante. Muita gente admite que o pacote “single player” + “multiplayer” lhe parece mais apetecível, mas logo depois surge o sub-produto desta aposta que é o seguinte: Quando se faz duas ou mais coisas ao mesmo tempo, nenhuma delas sairá perfeita. E é verdade. Os estúdios muitas vezes dividem recursos, dedicando uma parte da equipa ao multi-jogador. E isto não só é forçado como muitas vezes é escusado e os jogadores sentem que o jogo final fica aquém, com uma sensação de falta de trabalho dedicado. E, regra geral, afirmam publicamente: Nós não pedimos isto!
Inventário gigante e confuso – Há jogos que abordam isto de uma forma muito simples: Só podes carregar o que na realidade conseguirias. Mas são raros. Há muitos outros jogos em que os bolsos dos jogadores parecem carregar toneladas. A série Fallout ou The Elder Scrolls faz com que os items tenham um peso limite, mas é irónico porque posso andar com um lança-mísseis (ou três), armas diversas e medicamentos e subitamente quando vou pegar num mísera maçã, o jogo diz que tenho peso a mais. Esta é uma lógica de jogo, irreal decerto, mas há muito tempo que RPGs e outros jogos nos incentivam à caça do saque (loot). Por isso, bolsos maiores nunca são demais. O problema é que nos dias que correm, não é raro passarmos mais tempo a organizar o inventário que a jogar com tipos de inventários confusos e desorganizados. Num RPG, isto até normal e esperado, já num jogo de acção é simplesmente ridículo.
Linearidade – Este devia ser um pecado capital. Os jogos são, cada vez mais, meras histórias contadas de prólogo a epílogo sem que no meio haja grande capacidade de mudar seja o que for. Salvo uma ou outra excepção, limitamo-nos a ver os eventos a acontecer sem que exista grande intervenção da nossa parte. Podemos interagir, é certo, em alguns eventos, mas raros são os casos quando decidimos o fim ou quando conseguimos que uma ou outra decisão dite uma drástica alteração no enredo. Geralmente, surge uma “Cutscene” (ver acima) para explicar o que aconteceu. Pior nesta lógica de linearidade, são os mapas cada vez mais direccionados e menos amigos da exploração. Mesmo em jogos de mapas gigantes, o destino a seguir é quase sempre o mesmo. O poder de decisão é, também aqui, quase nulo. Colocam-se missões secundárias para dar uma ideia de poder de escolha, mas só escolhemos se queremos já ou adiamos a inevitável conclusão da história.
(falta de) Inteligência Artificial – Programar jogos é difícil. Sabemos que é senso-comum, mas aqui fica essa ideia. Que o digam determinados estúdios que têm de criar personagens não-jogáveis para interagir com a personagem jogável nos modos de carreira ou cooperativo. À forma como se movem e interagem com o meio ambiente chamam de “Inteligência Artificial”. Geralmente são baseadas em algoritmos de modo a criar um padrão ou uma série de padrões cíclicos. Quantas vezes já apanharam jogos em que os guardas de um local se mexem de forma robótica sendo sempre previsíveis? E quantas vezes os acharam tão inteligentes como uma maquina de café, que faz sempre o mesmo? Há momentos que nos fazem rir, como quando um guarda fica a andar contra a parede ou quando fica estático à nossa frente, mesmo vendo que estamos armados até aos dentes. Mas basta um tiro ou um empurrão e tornam-se exímios atiradores. Pode estar uma multidão a disparar para eles, só nos encontram a nós. Será determinação?
Quick Time Events – Ah! Vil coisa! Ah, momento maldito esse quando alguém inventou que, em vez de fazermos movimentos deliberados, carregamos em botões no momento certo para fazer continuar o evento! Ah, quem foi que inventou estes momentos em que quando falhamos os Quick Time Events ou temos de repetir ou morremos? A sério, os eventos de acção rápida onde é preciso carregar num botão em sucessão temporizada, devem ser dos momentos em que nos sentimos com menos poder num jogo. Tudo bem, as cenas são muitas vezes de execução complexa e seria complicado, por exemplo, fazer coincidir perfeitamente os nossos golpes com os de outra personagem. Mas, carregar em botões de forma faseada? A sério? Não há nada mais anti-climático e sintético que “Carrega no botão… agora! Ah! Falhaste? Tenta de novo! Falhaste outra vez? Começa do início…”
Para estes pecados não há redenção? Claro que há! Por incrível que pareça, são os gamers os principais culpados destes pecados. Compram os jogos mesmo sabendo destas faltas. Muitas vezes são feitas alterações profundas aos videojogos pelas sugestões (leia-se “reclamações”) dos jogadores. Já vimos alterações completas de lógica ou de fluidez e até mesmo de programação, somente com base no feedback da comunidade. Porém, isso costuma acontecer numa sequela e não no jogo original, desculpando-se a produção através dos custos elevados de alterar um jogo inteiro. Mas esse é outro pecado, o do marketing!
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